segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Che Guevara fez a barba no Acre

* Elson Martins

Foi essa menininha que aparece no colo da mãe, na foto de 1933, que me contou a história. Ela está hoje com 78 anos: chama-­se Maria Ferreira Martins e é advogada aposentada. O pai, João Martins Xavier, veio do Ceará para o Acre em 1946. Ainda no Ceará, na região do Quixadá onde trabalhava como marceneiro, chegou a ser preso e torturado como comunista.
No Acre, João Xavier trocou de profissão e montou uma barbearia no bairro Seis de Agosto, no segundo distrito de Rio Branco. Era um estabelecimento humilde, com apenas uma porta e uma janela de frente. O dono não trocou de ideologia: foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) do Acre, e quando irrompeu o Golpe Militar de 1964 teve que se esconder num seringal para não ser preso.
João Barbeiro e sua família, em 1933. Maria Ferreira Martins no colo da mãe e, no detalhe (abaixo), aos 78 anos
João Barbeiro, como ficou conhecido, em meados dos anos sessenta (65 ou 66) recebeu, ao anoitecer, a visita de um integrante do PCB que lhe pediu para fazer a barba de um estranho. Achou esquisito quando ele, sem pedir autorização, fechou a porta e a janela do pequeno estabelecimento. E também por terem os dois – o amigo e o estranho ­ permanecido calados. Não era essa a rotina da barbearia.
Barba feita, o cliente agradeceu com um sorriso e gestos e desceu a escadinha de três degraus, de madeira, desaparecendo na escuridão da rua da frente. O amigo (que está vivo, mas não autorizou a citação de seu nome) então voltou e cochichou ao ouvido de João Barbeiro: Você acabou de fazer a barba do comandante Che Guevara.
Maria Martins comenta que o pai, com idade avançada na época, poderia ter morrido de emoção porque admirava o comandante Che Guevara e falava o tempo todo de sua luta como exemplo. Ao saber a identidade do cliente, tremeu e quase desmaiou.
João era um crítico impiedoso dos governos, dos ricos, dos reacionários e corruptos, até das pessoas comuns que não reagiam contra as injustiças sociais. Com os filhos, era intolerante e ríspido: "Se a gente mentisse, ele adivinhava!".
Mas ele nunca conseguiu politizar Maria Martins nem seus sete irmãos que permaneceram anticomunistas. Até porque sofreram discriminação por serem filhos do barbeiro de idéias muito combatidas na época.
O velho e honrado comunista faleceu em 1984 aos 85 anos, ironicamente, atropelado por uma bicicleta.
Coincidências históricas
Mais duas pessoas, o líder seringueiro Chico Mendes e o Frei Peregrino, irmão do folclórico Padre José que foi personagem da minissérie “Amazônia”, da TV Globo, rodada em 2007 ­ também teriam cruzado com Che Guevara na mesma época.
Numa entrevista que concedeu ao sociólogo Pedro Vicente, ex­-delegado do Sesc no Acre, professor da UFAC e autor do livro “Exercícios Circunstanciais” publicado em 1997 pela editora “Coivara”, de Natal (RN), Chico Mendes narra seu encontro ocasional:
"Eu nunca tinha visto seu retrato (do Che), porque não circulavam revistas ou jornais no seringal, mas tinha ouvido seu nome através da Rádio Central de Moscou. Não me recordo bem o ano, creio ter sido em meados de 65 ou 66. Eu estava caminhando pela BR-­317 e, cansado, parei no bar no entroncamento, a 12 quilômetros de Xapuri. Naquele instante chegou um cidadão vindo das bandas de Rio Branco. Demonstrava ser uma pessoa muito educada; encostou-­se no bar e puxou conversa comigo e com outros que estavam próximos. Falou que tinha interesse em conhecer a selva amazônica, principalmente, os seringais e a selva boliviana. Indagou se eu era seringueiro. Respondi que sim e há muitos anos. Perguntou se eu não gostaria de acompanhá-­lo até os seringais da Bolívia, pois não tinha costume de caminhar na selva. Precisava de uma pessoa que conhecesse os varadouros e o levasse na direção da fronteira. Dava para identificar que não era brasileiro, misturava um pouco de português com espanhol.
Ele conduzia uma mochila, falou que possuía jóias que aproveitava para vender e sobreviver durante o percurso. Não dispunha de muito dinheiro, mas perguntou quanto eu queria por dia para ir com ele até onde pudesse. Não aceitei o convite. Alguém me disse que era perigoso, podia ser um bandido. Não acreditei, mas não podia ir. Alguns meses depois, em Xapuri, passei diante da delegacia e um retrato me chamou atenção. Dizia que Che se encontrava em território boliviano para organizar o terror na região. Fiquei abalado. Lembrei-­me que havia visto e conversado com aquela pessoa no entroncamento. Nunca pude imaginar ­ pensei comigo mesmo ­ que aquela pessoa fosse um terrorista. Olhei várias vezes a fotografia. Não tive a curiosidade de pegar a propaganda, um cartaz e guardar comigo. Tempos depois, ao ler o livro sobre a guerrilha do Che na Bolívia reafirmei a convicção de que cruzei com ele. Posso afirmar com certeza, era o Che!”
Advogada Maria Ferreira Martins
O suposto encontro do Frei Peregrino com Che foi narrado por seu irmão, Padre José (o da minissérie), famoso por suas histórias fantasiosas. Num artigo que publicou no semanário O Jornal de Rio Branco, em 1980, José informa que Che fez indagações a Peregrino sobre como se deslocar para Santa Rosa, no alto rio Abunã. O frei indicou alguém que possuía uma canoa motorizada que levou o comandante da Revolução Cubana ao local onde o aguardava um avião.
O próprio padre José, algum tempo depois, toparia durante uma desobriga no rio Acre, com dois “coronéis do exército brasileiro” no seringal Itu. Os “coronéis”, falando mal o português, prometiam muitas coisas e anunciavam para breve uma revolução no Brasil. Desconfiado, o padre seguiu imediatamente para Xapuri, fez contato com os militares e descobriu que os dois “coronéis” no Itu eram, na verdade, Inti Peredo e Dario, companheiros de guerrilha de Che Guevara também mortos na Bolívia.


O disfarce ­ - Na biografia de Che Guevara feita por Jon Lee Anderson, publicada em português pela editora Objetiva, em 1997 (um calhamaço de 920 páginas), é possível acompanhar os momentos finais da trágica aventura do Che: foi assassinado por militares bolivianos em 9 de outubro de 1967, aos 39 anos de idade, na pequena vila de La Higuera, em Santa Cruz de La Sierra.


No ano de 1966, em que Chico Mendes teria se encontrado com Che, segundo Anderson, o comandante revolucionário das Américas latinas estava iniciando suas operações de guerrilha na Bolívia com velhos companheiros de Sierra Maestra e alguns novos guerrilheiros treinados em Cuba, somando um grupo de 29 militantes. Guevara queria transformar a Bolívia num “Vietnam das Américas” e, a partir daí, fazer a grande revolução transcontinental.

Mas a base escolhida para inicio das operações fica no sul da Bolívia, no lado oposto à fronteira com o Acre. Entretanto, Che preferia desde o começo a região do Beni, do lado de cá, o que pode significar que ele já a conhecia e, neste caso, poderia ter entrado na região pelo Acre e cruzado com João Barbeiro, Chico Mendes e Frei Peregrino.
Comandante Che Guevara
Contra essa possibilidade pesa o rigor da segurança que cercava Che Guevara por onde quer que ele fosse. Se bem que, na época, a estrada de Xapuri e Brasileia que leva a Cobija, no Departamento de Pando, não tinha as grandes fazendas que tem hoje; era ainda um caminho por dentro da selva. E dentro da selva, Che se transformava no ousado comandante de guerrilha que o notabilizou.
Outro ponto contraditório é que para iniciar a aventura final na Bolívia, Che passou por radical operação em seu visual para não ser reconhecido: arrancou fio a fio parte de sua cabeleira, tornando-­se meio careca, e colocou uma dentadura postiça para “engordar” o rosto. Além disso, cortou o restante do cabelo e passou a utilizar óculos na figura de um homem de negócios de origem uruguaia, com o passaporte de Adolfo Mena Gonzalez. Teria sido assim que ele desembarcou em La Paz.
Antes, ainda em Cuba, Fidel Castro organizou um encontro de despedida convidando todos os ministros e os velhos companheiros de Che na revolução. Apresentou a eles, como brincadeira, o “industrial uruguaio”, e ninguém reconheceu o velho amigo e comandante da revolução cubana. Com o mesmo disfarce Che despediu-­se da família sendo apresentado aos filhos como “Tio Ramon”; não podia revelar-­se por questão de segurança.
Uma das filhas, Aliusha, de quatro anos, abraçou Che (o pai), deu­-lhe um beijo e depois comentou com a mãe: “Mama, acho que esse velho está apaixonado por mim”. Che ouviu o comentário e deixou escorrer lágrimas.
N.E - Texto originalmente publicado na coluna Almanacre no Jornal Página 20 (Rio Branco-AC) em 2008.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

É no Casarão

Nesta quinta-feira, 10 de outubro, a partir das 18 horas, tem lançamento de livro no Casarão: "Delírios a propósito de uma fantasia erótica - Uma elegia para três enamorados", de Marco Antônio. O autor, que é mineiro de nascimento, tem uma relação de carinho e luta com o Acre. Além de ter integrado a equipe do Varadouro, ele foi secretário de Meio Ambiente do Estado, no final da década de 1980. Aposentado desde 2007 e morando atualmente em Florianópolis, Marco se dedica agora a um antigo desejo: "tornar-me um aprendiz de escritor". Leia aqui a resenha do livro , publicada no blog do autor.



quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Resistir é Preciso



O projeto "Resistir é preciso..." tem um canal de vídeos (youtube) com trechos de entrevistas dadas por jornalistas que fizeram parte da imprensa alternativa brasileira entre 1964 e 1979 (este vídeo, por exemplo, mostra um resumo de meu relato sobre o Varadouro). O projeto é uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog e tem como equipe executiva a Clarice Herzog, Ricardo Carvalho, Vladimir Sancchetta e José Luiz Del Roio. Para saber assistir a outros vídeos clique aqui e para saber mais desta importante iniciativa, aqui

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Samaúma

*Elson Martins

Enorme, ela caiu do céu numa tarde quente de verão amazônico imersa numa nuvem de algodão. Eu a vi pousar no meio de um lago cercado de floresta densa. Deslumbrado, acompanhei sua decida suave e então a coloquei na palma da mão, plantando-a, cuidadosamente, num vaso com estrume.
      Eu morava na Chácara do Ipê, condomínio afastado do centro de Rio Branco, numa casa com quintal amplo e piscina, que vendi (1991) a um amigo. Da piscina, observei o floco branco caindo do céu azul.
      A cena era comum nos seringais: identifiquei a sementinha no meio do floco e a retirei para plantar. Depois, voltei ao banho e ao trabalho. Três meses depois, minha mulher me chamou atenção: “A semente nasceu!”.
      A pequena samaúma estava com 30 centímetros de altura, mas já com ares de rainha. Escolhi um lugar no quintal, longe da casa, transplantando a muda para a terra. E a pequena árvore cresceu.
      Ao vender a casa fiz exigência: “Vamos colocar no contrato que é proibido derrubar a samaúma”. A tal clausula nunca existiu de verdade, mas o novo proprietário passou a cuidar da ceiba pentandra (como os cientistas denominam a espécie) com zelo e carinho.
      A árvore cresceu imponente e bela, destacando-se dos velhos ipês que cercam a residência. Tanto que algumas mentes temerosas começaram a assustar o novo proprietário: “Derruba, ela vai acabar com o teu muro... A raiz não resiste a uma tempestade”!


Imagem de uma Samaúma. Foto de Fernando Júnior

      Pode ser, e não vou desejar um mal desse ao amigo. Mas acho que ele pode deixá-la chegar à fase adulta, como um monumento que mostrará, orgulhoso, aos convidados e às crianças. Tem tempo para isso, o que um bom técnico poderá atestar instruindo sobre como preservá-la sem riscos.
      Sei que a samaúma atinge 60 metros de altura, possui um tronco com diâmetro de três metros e meio e uma copa de 22 metros. Suas raízes não penetram o solo a fundo, mas tecem uma malha à cata de húmus com alguns tentáculos de mais de 500 metros, que servem também de alicerce.
    Possuindo fibras delicadas, dos galhos às raízes, chamadas sapupemas, de onde se extrai uma água cristalina boa para beber, a samaúma poderia ser uma árvore sagrada da Amazônia. Ela cresce nas margens dos rios, junto aos lagos ou no coração da mata densa, servindo de bússola para os povos da floresta.
      Na minha infância, sempre tive olhos para essa árvore que voa. Ficava abismado com a semente preta e minúscula (também comestível) à semelhança de um amendoim torradinho. A semente paira sobre a floresta e os rios na sua nave tenra, sabe-se lá quanto tempo. Como se a mãe natureza mandasse espalhar suas rainhas pelas florestas do mundo, plantando-as nos locais mais inacessíveis ao homem.
      Os índios Kaxinauá (Huni Kui) afirmam que a samaúma tem espírito, ou que o espírito vive dentro dela. Apenas os pajés têm o direito de apreciá-la de perto. Os não-índios costumam descansar no seu dorso e imaginar seu voo, certamente, à procura de um lugar fértil na terra e na consciência das pessoas!


P.S. Desengavetei o texto após ter assistido a reportagem (do post anterior) com o Arquilau, amigo que "herdou" a tarefa de preservar a samaúma, e que ao longo dos anos vem transformando espaços de sua casa num museu a céu aberto da história acreana. 



Lembranças de Nossa História

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Mapinguari

* Elson Martins

A figura horripilante do Mapinguari está no imaginário dos povos da floresta. Vira e mexe a gente ouve falar de alguém que em algum ponto remoto da Amazônia se deparou com o bicho. Sua fama chegou até o Japão interessando a Television Broadcasting Sistem (TBS) que mandou uma equipe filmá-lo nas matas do Acre. É claro que não conseguiu: 10 técnicos transportando 40 volumes com uma tonelada de material de filmagem passaram uma semana (em agosto de 1996) procurando o gigante lendário sem ver nem o rastro do animal.
O biólogo norte-americano David Oren, pesquisador do museu paraense Emílio Goëldi, em cujos estudos a TV japonesa se baseou, andou bem perto de dar uma explicação científica dos relatos de seringueiros e índios. Eu o entrevistei em 1996 em Macapá, no Amapá, e ele disse estar convencido de que o Mapinguari é uma preguiça terrestre que viveu há 10 mil anos em várias regiões do planeta e que ainda pode ser encontrada em lugares isolados e impenetráveis da Amazônia.
Já o poeta Amâncio Leite, de Cruzeiro do Sul, em 1930 publicou um poema mostrando o estrupício em que se meteu o seringueiro João Tomé por conta do estrambótico animal. A entrevista completa com o biólogo eu publiquei no jornal “Folha do Amapá”, e em 2003 fiz um resumo dela para a revista “outraspalavras”, editada pela Fundação Cultural Elias Mansour, do Acre. Para a revista eu juntei parte do poema Mapinguari, do ex-seringueiro e poeta acreano Amâncio Leite, que viveu no começo do século passado em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá. Esta é a versão que decidi incluir no livro:

“As pessoas ficam embriagadas”

Os depoimentos colhidos por David Oren, de seringueiros e índios que já viram ou pensam ter visto o Mapinguari, são quase idênticos na descrição do bicho: “Eles o descrevem como um animal que deixa rastros redondos, é cabeludo, fede muito e quem já o viu uma vez não quer ver de novo”, disse Oren acrescentando: “Muitas pessoas falaram para mim que deram de cara com o diabo. Quando ele fica de pé, cambaleando, torna-se assustador. Uma coisa é você andar no mato e, de repente, a Virgem Maria aparece para você. Outra é o diabo em carne e osso aparecer. As pessoas ficam completamente perturbadas”.
Segundo o pesquisador, uma explicação lendária para o Mapinguari é que ele seria um índio, um pajé que descobriu o segredo da imortalidade, mas o preço que pagou por isso foi se transformar num animal horrível e fedorento. Cerca de 100 pessoas disseram para Oren ter tido contato ou pelo menos ter ouvido o grito do Mapinguari. Outras 60 são testemunhas que viram o animal. Algumas afirmam tê-lo matado, mas não conseguiram chegar perto porque ficaram embriagadas, desnorteadas e intoxicadas com o fedor.

Figura do Mapinguari no Parque Chico Mendes, em Rio Branco, no Acre.

Um seringalista chegou a oferecer uma recompensa para quem matasse o bicho, e um seringueiro entrevistado por Oren afirma que o matou, mas não conseguiu chegar perto para tirar uma amostra de cabelos e unhas para levar para o dono do seringal. Ele tirou a camisa e a envolveu no pescoço, tapando o nariz, mesmo assim ficou embriagado. A sorte dele é que estava acompanhado de um amigo que havia corrido assim que o bicho apareceu. O amigo serviu de guia para abandonar o local depois.

Onde pode ser encontrado

David Oren afirma ter relatos de quase toda Amazônia, sempre com uma coisa em comum: o Mapinguari aparece nos lugares mais longínquos, aonde quase ninguém vai. As histórias são a de um seringueiro abrindo novo caminho (varadouro) mata adentro por uma área onde ninguém andou antes. “Em todas as tribos indígenas que eu conheço, os índios têm muito medo desse animal. Mesmo os Caiapós, que são mais brabos, têm um tipo de zoneamento dentro da reserva deles. Onde o animal aparece, eles não vão. É uma reserva para esse bicho, que consideram perigoso, e não querem encontrar”, disse o biólogo.
Existem evidências da presença do Mapinguari no Acre e no Amapá. Neste estado, que faz limites com o Estado do Pará e a Guiana Francesa, o animal poderia ser encontrado no alto Jarí. A lenda é recorrente entre os castanheiros do rio Iratapuru, afluente do Jarí, que conhecem um relato semelhante ao dos seringueiros do Acre. Três caçadores da região teriam sido contratados há algumas décadas para matar o estranho bicho que vivia assustando madeireiros e castanheiros. Eles prepararam um mutá (local de espera numa árvore) na mata, onde dormiram três noites. Dois caçadores desistiram e o terceiro viveu a terrível experiência na quarta noite. O animal aproximou-se com seu grito apavorante na escuridão da mata, até aparecer no foco da lanterna do caçador. Este disparou a arma num vulto cinzento, monstruoso, e não lembra de mais nada até o dia seguinte, quando acordou do desmaio. Viu sangue e mato quebrado no local e os mesmos rastros redondos. Tomado de pavor, procurou o caminho de volta para nunca mais andar por aquela região.

“Nossa ignorância é mais abrangente...”

David Oren está convencido de que o Mapinguari é uma preguiça terrestre: “Hoje em dia, explica, a gente só conhece as preguiças que vivem em árvores, que são de médio porte e pesam no máximo 5 quilos. Mas até aproximadamente 10 mil anos atrás tinham 8 espécies de preguiça, aqui na Amazônia, que andavam somente no chão. Uma dessas espécies era maior que um elefante”.
Segundo o biólogo, existem fósseis da preguiça gigante no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Na Universidade do Acre, o professor Alceu Ranzi reuniu outros fósseis, e na Universidade de Minas Gerais, o pesquisador Cartelli, com mais de 25 anos de experiência, possui acervo maior ainda. A preguiça terrestre é da família do Tamanduá-bandeira, que fica de dois pés para se defender. “Esse animal (a preguiça terrestre) quando fica de dois pés, cria uma relação entre a cabeça, os braços e as pernas que se assemelha a do ser humano”, argumenta Oren.

David Oren na selva amazônica: busca ao Mapinguari.

Mas o problema para a pesquisa, esclarece o biólogo, é que muitas pessoas que tiveram contato com o bicho imaginam ter visto o diabo e não querem falar. Tem também o fato de grande parte da população não acreditar nos relatos e as pessoas não querem ser ridicularizadas. E mais: de tão terrível, as pessoas não gostam de lembrar a experiência.
David Oren esclarece que a ciência trabalha com o mundo físico e com o que pode ser comprovado cientificamente, entretanto, ele se questiona se esse mundo material que pesquisa é o único mundo que existe: “Tem várias coisas que não podem ser explicadas pela minha ciência”, declarou.  “Nosso conhecimento sobre a Amazônia é uma coisa que fica muito clara para qualquer cientista que anda por aqui. Eu gosto de repetir que nossa ignorância é muito mais abrangente que nosso conhecimento. Estou tentando aumentar um pouco os nossos conhecimentos para a sociedade como um todo refletir sobre a nossa ignorância”, disse Oren.


Mapinguary**

Certo seringueiro, um dia
Chegou correndo da estrada
Na qual, há tempos não ia,
Não trouxe leite que desse
Para melar a bacia!

Chegou cedo, muito cedo;
Antes da hora marcada,
Seu companheiro ainda andava
Lá pela volta da estrada.
Fez assim, só porque dera
Uma carreira danada!

O triste vinha afrontado,
Verde-amarelo e sem fala!
Saltando dentro de casa
Deitou-se em meio da sala.
Seu rifle de doze tiros
Não trazia uma só bala!

Que teria acontecido
Com aquele pobre rapaz!
Teria ele esbarrado
Com o velho satanás?
Talvez, depois saberemos
Quando chegar Zé Thomaz.

Zé Thomaz -- o companheiro
-- Chegou, depois de uma hora.
Quando o viu, gritou de longe:
“Que foi “seringueiro espora?!”
Teria você “encontrado”
Mapinguari ou caipora?

Encontrei mapinguari:
(Respondeu-lhe João Tomé)
Me “atrepei” numa “pupunha”
“Com as alpargartas no pé...”
“Então me conte “direito”
como esse danado é!”

“Ele é maior que um boi
Daqueles do rio da Prata...
Chega “estremecia” a mata...
Fez-me “atrepá” na “pupunha”
Calçando as alpargatas!

“Mas rapaz...será “possível”
Que não deste “ao menos” um tiro?...”
“Ora, eu não dei...dei só doze!
Mas, de que mais me admiro
É “que ele” fez tanta conta
Que não mudou nem de giro!”

“Mas onde foi que encontraste
Tamanha “fera” de fama?...”
“Foi no “cabeço” da volta
Junto à madeira da “cama”
Cá mais atrás, eu vi, “fresco”
O rasto dele na lama...”

“Esse bicho é cabeludo
E todo cheio de escama?”
“Eu lá pude “reparar”
“Pra esse “filho de mulher-dama?”
Que além de ser muito feio
É todo cheio de trama!...

“E o resto dele, como é?
Se parece com o de burro?”
“Parece, mas é maior!
E se tu lhe visse o “esturro!...
Eu penso que aquele figa
Mata as “onça” só de murro.”

“Qué vê, “vamo” quinta-feira
Que é dia que ninguém corta...
Hoje é segunda e é das “arma”
(Santo pra quem tem mãe morta)
Tu vai só vê o “esfolado”
Na baixa da “ponte-torta”...

Eu tava “cuiendo” o leite
Da madeira do “cabeço”
Quando vi um grito longo
“Como” outro não conheço!
Me deu um tremor nas perna
Que quase a terra eu não desço...

Mas, afinal desci sempre
Me assustando de Cupim!
“Rifle com bala na agulha
Mão no cabo do “ispadim”.
Quando eu cheguei debaixo
Ele gritou mesmo assim
Desta vez foi “redobrado”
Gargalejando no fim!

Eu armei o “pau-furado”
Me encostei na “seringueira”
Quando o monstro “pretejou”
Eu pensei que era um bandeira...
Baixei a bala pra cima...
Mas qual, José. Foi “besteira”!

Enquanto o cão coça o olho
Dei dez tiros no danado...
Mas ele, nem mode coisa!
Nem ficou “arrepiado”
Continuou avançando
No meu rumo, me provando
Que tinha o “corpo-fechado”.

“Aí dei-lhe mais dois tiros.
Pronto! O rifle virou pau...
Meus cabelos espencaram
As pernas virou mingau...
Meti a mão na poltrona,
Nem uma bala, sinha dona,
Danou-se seu “Nicolau”

“Aí, eu vi “que morria...”
- A coisa tava amarela! –
Na “madeira” eu não subia
Pois é de sete tigelas
Chorei de ser seringueiro...
“Cacei”os dois “companheiros”
Já tavam no “pé-da-goela!”

Me pus de trás da “madeira”
Me deitei rés com o chão.
“Me peguei” com São Francisco
De todo o meu coração...
{Mas, o lá do Canindé!)
Nisto, o bicho pois-se em pé”
Olha lá o estirão!...”
Tanto é alto “como” é grosso
O renegado “Mapim”
Eu me pegava com os santos
Não da “fé” ele de mim!
Oh! Que aperto...”que agonia...”
Meu...- aquele- não cabia
Nem um talo de capim...!

Ele “arreganhou” as unhas
E me arranhou a “madeira”!
Nisto, eu me ergui e corri
“Pro pé da Tucumanzera;
Nesta, - “calcule você” –
Subi mais depressa que
Largatixa em cajazeira!

Ele só fez “espiar”!
Mas nem ligou-me “importância...”
Se não fosse o São Francisco,
-Adeus “história” adeus dança! –
Quem diabo a coisa contava?...
“Porque nesta hora eu tava”
No “porão”daquela pança!...
  
** Versos do poeta-seringueiro acreano
Amâncio Leite, extraídos de “Os cantares
Seringueiros”, edição de 1930.
 
      

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os Martins

Outro dia postei no  blog o texto “Bolero no Colégio”, falando de como aprendi a dançar esse ritmo dentro de classe, no Colégio Acreano, em meados dos anos cinquenta. Na história inclui o colega de classe Edilson Martins, que tinha o apelido de Come-Açúcar. Bem humorado, e muito melhor redator que eu, ele enviou um belo comentário, cheio de tiradas Machadianas, e não resisti em publicá-lo (segue no final deste post). Antes, reproduzo uma explicação que dei há alguns anos sobre a semelhança que carregamos no nome, ou seja, Elson Martins e Edilson Martins:

“Ele afirma ser mais novo que eu, mas, no fim dos anos cinqüenta, serviu o Tiro de Guerra antes de mim. O jornalista e produtor de TV Edílson Martins é acreano que nem eu e esteve em Rio Branco em dezembro (2008) para receber anistia política em sessão solene. Fui encontrá-lo, tomamos café no hotel e falamos mal do Altino Machado. “É saudável falar mal dos melhores amigos”! – disse ele que, no dia anterior, tinha tomado café com o Altino e falado mal de mim. Estou publicando a foto porque ainda tem gente pensando que somos irmãos, ou a mesma pessoa. Na verdade, existem mais coincidências: Saímos de Rio Branco para estudar em alguma faculdade em 1958 (ele pro Rio, eu pra Belém), nos tornamos jornalistas, fomos presos pelo regime militar e recebemos o Prêmio Chico Mendes...Só falta eu também ser anistiado e ganhar uma pensão”.


Eu e Edison (direita) na foto batida pelo garçom do hotel

Eis o texto-comentário que recebi do Edilson:

Caríssimo Elson:

Comovente o seu texto. Por gentileza do Carlos Celso, nem só de maledicência ele se alimenta, tive acesso ao resgate de parte de nossas vidas, e talvez, quem sabe, o melhor que ela nos ofereceu. Sem saudosismos. É que naquele mundo dominado pela inocência, sem prejuízo dos desejos mais pecaminosos, mais depravados, vivíamos um mundo muito além da transgressão.

A 2ª Grande Guerra não estava distante, e dela praticamente não tínhamos memória, o getulismo dominava nossos corações, o povo brasileiro ainda era um vira-latas, sem grande autoestima, sem Copa do Mundo, e nós todos mergulhados num mundo mágico, no meio de uma selva isolada, pantagruélica, de que sequer tínhamos consciência,  sem luta de classes aparente, sonhando e desejando as coxas da Marlise, encantados com a arte de ensinar da Florentina, entediados com as aulas de latim do professor Rufino,  e sem jamais imaginar que duas mulheres, de verdade, pudessem brincar de guerrear com suas aranhas.
No centro de tudo isso, o Colégio Acreano, as ruas de Rio Branco, os lamaçais pós-chuvas, as meninas lindas para os nossos olhos caipiras, a loucura do Tom Mix, a veadagem inaugural e evolucionária do Chaguinha, o culto ainda vivo à pessoa do Major Guiomar, o melhor estadista de todos os que pisaram a terra acreana. 

Por arredias, fugazes como um cometa, as calcinhas de nossas colegas de aula, num cruzar de pernas enlouquecedor, num momento de vacilo e imprudência que alguns garantiam ser sincero, inocente, se é que existe inocência na sedução, certamente eram mais cobiçadas que o liberou geral dos anos posteriores.
Mas este registro acima certamente é ridículo, por careta e premiar o passado, e passado não enche a barriga de ninguém. Mas que pareciam ter mais mistério, até porque o mistério é a vitamina do desejo, lá isso parecia!...

Como eram dóceis os nossos sonhos; o meu nem tanto por vender chá de burro, mucunzá, à noite, morrendo de vergonha, e sabendo que essa prática clandestina e criminosa me tirava do páreo de aspirar às alunas mais assediadas, mais deslumbrantes, mas apesar de tudo vivendo um mundo delirante, que o seu texto, preciso, preciso como você, nada piegas, resgatou. E o fez de forma sublime, mermão. (Edilson Martins)

sábado, 7 de setembro de 2013

Papalagui Apressado

* Elson Martins       

Estamos na Semana do Meio Ambiente (2006) e nós, indivíduos chamados civilizados, convencionamos que a data é adequada para se falar sobre a natureza, a ecologia, os homens da floresta, essas coisas...
          
Por isso escolhi o tema Papalagui, título de um livrinho de pouco mais de 100 páginas (Editora Marco Zero) que tem uma dezena de edições em português e, certamente, muito mais em outras línguas. A versão original foi impressa em alemão.
          
Os textos colhidos por Erich Scheurmann são comentários do chefe indígena Tuiávii, dos mares do sul. Scheurmann esclarece que o autor jamais pensou em fazer tal publicação e que vivia com a mulher em sua ilha, desinteressado de contatos com a civilização branca. Esta, num determinado tempo histórico, teria ensinado muita coisa errada a seu povo.
          
A expressão papalagui é traduzida como branco ou estrangeiro, mas significa literalmente “aquele que furou o céu”. Surgiu como explicação ao aparecimento do primeiro missionário europeu que desembarcou em Samoa, num veleiro cujas velas brancas apareceram no horizonte como um buraco que se abriu no céu azul.
          
Livro reúne comentários de chefe indígena
Quando criança, eu gostava muito de ver os filmes rodados no arquipélago de Samoa, geralmente protagonizados por Jeff Chandler, um ator cujos traços fisionômicos se assemelhavam aos dos habitantes da região. O cenário feito de águas limpas, floresta e pessoas sorridentes valiam mais que todo o enredo dos filmes série “c” de Hollywood. Tudo parecia natural e compensador!
           
A descrição que Tuiávii faz sobre como vivem os brancos nas grandes, médias ou pequenas cidades, entretanto, não são nem um pouco honrosas. Ele não entende como nós, os papalagui, conseguimos viver trancados em blocos de cimento se fechando para as coisas singelas (e essenciais) da vida, ou correndo como tolos ou malucos atrás do tempo.
          
O tempo, segundo ele, escapa da gente “tal qual a cobra na mão molhada quando a seguramos com força demais”. Para sua tribo o tempo sobra:

Nunca nos queixamos do tempo; amamo-lo conforme vem, nunca corremos atrás dele, nunca pensamos em ajuntá-lo nem em parti-lo. Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia. Adiante aquele dentre nós que não tem tempo! Cada um de nós tem tempo em quantidade e nos contentamos com ele... Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto, temos tempo que chega.  Sabemos que no devido tempo haveremos de chegar ao nosso fim e que o Grande Espírito nos chamará quando for sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas nossas passaram.
          
Neste começo de milênio vemos que o conceito de eficiência em qualquer atividade pressupõe a correria não recomendada por Tuávii. No moderno governo da floresta do PT acreano, por exemplo, os amigos quase nem conversam mais porque precisam cumprir agenda de atividades, e o tempo parece “curto”. Além disso, quem não se enquadra na velocidade exigida vai ficando para trás como lerdo, ineficiente, descartável.
          
Durante a solenidade de abertura da Semana do Meio Ambiente, realizada na Praça Chico Mendes, em Rio Branco, um artista com função no governo chegou perto de mim e desabafou: “Estou meio angustiado porque não consigo trabalhar bem, fora do meu tempo. Eu preciso sentir o que faço e nunca sei quanto tempo isso leva”. Nessa hora, enquanto o governador lia a programação da semana, minha cabeça voltou-se para um trecho do chefe indígena de Samoa:
Devemos livrar o pobre papalagui, tão confuso, da sua loucura! Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido do tempo que perdeu. Vamos despedaçar a sua pequena máquina de contar o tempo e lhe ensinar que, do nascer ao por do sol, o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Parto Impossível

* Elson Martins

Na Vila Icoaracy, nas proximidades de Belém, Estado do Pará, vive um artesão acreano, especialista em entalhe em madeira e na produção de cerâmica marajoara. Trata-se do José Maria Pinho, nascido no Seringal Nova Olinda, no alto Rio Iaco. Ele tem 60 anos (2007) ou quase isso, é casado e possui duas filhas bonitas: uma delas é formada em medicina, a outra é comissária da companhia aérea Tam.

A história do Zé Maria  poderia começar com um espanto: “É um milagre que tenha nascido”!  Sua mãe (minha irmã) Aldery viveu 45 anos no alto rio Iaco, no seringal Nova Olinda, e faleceu em Icoaracy com mais de 80 anos. Na década de quarenta, ela casou  em Sena Madureira com Salomão Pinho, um “arigó” (nordestino que migrava para a Amazônia atraido pela economia da borracha). Alfaiate de profissão, ele costurou calças e blusões de mescla azul para seringueiros, mas, a partir de 1950, passou a viver na cidade (Sena Madureira, depois Rio Branco) vestindo a elite seringalista. Na capital, sua alfaiataria funcionou no segundo distrito, nas proximidades do histórico Hotel Madrid, numa época em que o “fato” (terno) de linho branco ou de casimira Aurora azul impunha-se em todas as solenidades, e até no dia-a-dia das repartições públicas.

Morando com o casal, durante muito tempo eu fui o “cristo” que saindo do cruzamento da avenida Ceará com a rua Marechal Deodoro, junto ao campo do Rio Branco Futebol Clube, no primeiro distrito da cidade, levava seu almoço até a alfaitaria no segundo distrito. Fazia uma longa caminhada a pé, tendo que atravessar o rio Acre de catraia. Muitas vezes, por conta da travessia, o cunhado recebia a comida fria, porque, para sobrar dinheiro para o picolé e sem que ele soubesse, eu aguardava o Jabuti, uma catraia grande e modorrenta que mantida pelo governo fazia a travessia de graça.

Aldery tinha o útero pequeno, e por isso não devia engravidar. Mas só descobriu o risco na primeira gestação, que terminou por abortar. Como não havia, à época, nem preservativos nem campanhas para limitação de filhos, engravidou uma segunda vez. Aí, a familia providenciou para que fosse atendida onde a medicina oferecia mais recursos. A escolha foi Fortaleza, capital cearense aonde chegou de navio, precisando retirar o feto que estava morto no útero.

“A senhora não vai sobreviver a uma terceira gravidez”, advertiu o médico que a atendeu. Mas, imagina se não ia acontecer de novo! E dessa vez ela foi recomendada a um especialista de Goiânia, que confirmou o risco e a desenganou: morreriam mãe e filho durante o parto.

Aflita, mas conformada, Aldery retornou a Sena Madureira decidida a morrer no meio da família. Subiu o rio Iaco e passou a morar num casebre no topo de um morro no seringal Nova Olinda,  a um quilômetro da casa dos pais. Separava-os apenas um descampado com ladeiras e arbustos.

Quando não estava costurando calças de mescla azul para os seringueiros e os parentes, o marido Salomão se enfiava no mato ou montava numa canoa para caçar e pescar. A mulher o aguardava no barracão da família. Ao retornar, ele soprava (apitava) um cartucho seco avisando, ao que Aldery respondia soprando outro cartucho.

Assim, chegou o dia em que Salomão apitou, apitou, sem resposta. Aldery estava sentindo as dores do parto e nossa mãe, Lelé, tinha mandado alguém buscar a parteira Maria Carneiro numa colocação do Centro (nas entranhas da mata onde vivem e trabalham os seringueiros). O comboieiro havia partido na burra chamada Ligeira, com a recomendação para trazê-la na garupa, voando. Enquanto isso, o desespero tomava conta dos irmãos e das comadres, e as crianças foram levadas para longe da casa, para pescar mandi no igarapé ou brincar numa ponta de praia em frente.

Como a parteira demorava chegar, uma outra pessoa pegou o varadouro (caminho aberto na floresta ligando a sede do seringal às colocações dos seringueiros) para ver o que tinha acontecido. Não tardou a descobrir que o  primeiro emissário montava a burra e dona Maria Carneiro, coitada, um “tiquim” de gente vinha a pé com lama no joelho. A situação foi corrigida e a burrinha irrompeu na margem, finalmente, com sua carga preciosa.

A essa altura, uma senhora de nome Palmira, amiga da familia, tentava ajudar recorrendo a métodos supostamente utilizados pelos índios para fazer o parto: amarrou uma toalha molhada em volta da barriga da parturiente,  pedindo a esta que ficasse de cócoras sobre uma caixa de sabão Zebu, de forma que o bebê pudesse ser despejado no caixote.  Palmira acreditava ser útil soltar umas baforadas com cigarro “porronca” em volta da cena insólita.
           
Zé Maria em foto recente (2013), com mais de 60 anos, mora em Coaracy, próximo a Belém (PA).

Ah, pra quê! Quando a miúda Maria Carneiro viu aquilo foi logo esbravejando: “que diabo de marmota é essa”? Desamarrou a toalha, chutou a caixa de sabão para longe e começou novo procedimento deitando a parturiente na cama, examinando-a com sua sabedoria de parteira. O braço do menino estava de fora; ela o empurrou para dentro, em seguida preparou um chá e banho quente com ervas; rezou baixinho, depois tranquilizou a todos com o informe de quem domina o que faz :

 - O menino (seria adivinhação?) vai nascer, mas só daqui a umas seis horas.
 Nem mais nem menos, o Zé Maria nasceu; só que veio ao mundo sem a placenta, ficando roxo e sem chorar o choro da vida. Pelo menos a mãe estava salva, pensou a família, enquanto Maria Carneiro, incrivelmente calma, tentava palmadinha, sopro na boca, pressões no ventre do bebê...Como ultimo recurso, perguntou se existia na casa algum vinho, mesmo aberto e encostado? Com a resposta positiva, pediu que esquentassem um pouco numa xícara, pegou uma colherinha com a bebida e enfiou na garganta da criança que ”esgoelou”, provocando alívio geral. O avô (meu pai) disparou os três tiros de espingarda apara avisar que o seringal tinha mais um homem.

Enquanto os tiros ecoavam na floresta, a curiosa Palmira acompanhou, com total encantamento, Maria Carneiro retirar a placenta de dentro do útero da Aldery, uma tarefa complicada mesmo para um especialista em medicina. E a percebeu reconfortada, por ter colocado em prática, com êxito, suas habilidades.

Só então a pequenina parteira saiu do quarto. De forma acanhada, cumprimentou a todos na cozinha e aceitou um café. Depois, discretamente, escolheu um canto para ficar sozinha. E, discretamente, começou a chorar.

sábado, 24 de agosto de 2013

Bolero no Colégio

*Elson Martins

A revitalização em 2006 do Colégio Acreano, construído há 70 anos, faz um bem enorme a alma dos seus ex-alunos. A minha, por exemplo, transborda de orgulho porque passei a década de cinquenta dentro da instituição: fiz o antigo primário no Grupo 7 de Setembro (que funcionava pela manhã), depois o ginásio e o primeiro ano científico no mesmo prédio. Saí de lá, em 1958, “desasnado” por mestres como Florentina Esteves, Geraldo Mesquita, João Coelho, Rufino (aulas de Latim), Miguel Ferrante, José Potyguara, entre outros. Nunca esqueci a figura do João Bracinho, o mais perene fiscal de sala e de corredores.
Fui colega de classe ou contemporâneo de gente que faz sucesso mundo afora. Posso citar alguns nomes próximos como Edílson Martins, jornalista e escritor que alguns pensam ser meu irmão; Odacyr Soares, também jornalista, que se enfiou na política tornando-se senador pelo Estado de Rondônia; o líder estudantil e político Elias Mansour (falecido), um dos mais brilhantes alunos do colégio; Flora Valladares Coelho, ex-presidente do Banco da Amazônia e que integra hoje a equipe do governo da floresta; a colunista social Marlize Braga; o advogado e escritor Joaquim Nogueira, com dois livros recentes lançados pela Companhia das Letras, em São Paulo.

Instituto Getúlio Vargas, atual Colégio Acreano (Acervo Patrimônio Histórico)


Colégio Acreano após revitalização (Acervo Secom) 

 Não é exagero afirmar que o CA funcionava como uma universidade. Para ingressar no Ginásio, os alunos saídos do primário enfrentavam rigoroso exame de admissão. A maioria frequentava o cursinho preparatório do médico Marinho Monte, que funcionava na Rua Benjamin Constant, onde hoje está localizada a Secretaria da Fazenda. Os bem-sucedidos na prova escrita ainda tinham que se submeter a uma sabatina oral de português, história, química e física.
   Mas a seleção premiava os competentes, fossem pobres ou ricos. Aos eliminados, restava aguardar o ano seguinte ou tentar duas outras opções de nível secundário: a Escola Normal Lourenço Filho, que formava professores; e a ETCA (Escola Comercial) para contabilistas. Não havia ainda universidade. Após o segundo grau, os alunos pegavam o avião da FAB para o Rio de Janeiro; ou navio tipo gaiola, até Manaus ou Belém.
Alunos do Colégio Acreano na década de 40 (Acervo Patrimônio Histórico)

A história do CA tem passagens de muito brilho. O colégio era bom em tudo: nos desfiles de 7 de Setembro, então, mexia com o coração da cidade de Rio Branco. Lembro que a mãe da jornalista Rose Farias, Maria Celeste (atualmente professora de Letras na UFAC), foi uma baliza lindíssima e competente. Morríamos de inveja do Aramis (Sarará) escolhido como seu par nos desfiles. A escolha era feita pelo técnico de Educação Física Walter Felix, o Té, rigoroso na disciplina: ele ficava possesso com quem errava o passo ou ria enquanto marchava.
  Uma de suas “vítimas” foi o Edílson Martins, hoje jornalista, escritor e produtor de vídeos para a televisão. Nosso simpático Come-Açúcar (seu apelido na época) tinha traços africanos com cabelos enrolados e lábios grossos, além do quê, era um poço de emoções. Nos desfiles não se continha ao passar em frente ao palácio do governo vestindo o uniforme de gala que lembrava o de um almirante. A emoção era tanta que ele não conseguia juntar os lábios deixando a impressão de riso. O instrutor Té, que nunca entendeu esse sentimento “almático”, o repreendia aos berros.
           Eu tomei gosto pela leitura e tive o primeiro contato com o jornalismo no Colégio Acreano. Quando faltava algum professor, íamos para a biblioteca onde não se podia dar um pio. Li Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e clássicos franceses e russos nesse confinamento instrutivo. Com o Edílson Martins e o Odacyr Soares, fizemos o jornalzinho estudantil “O Selecionado” que chegou a publicar reportagens e entrevistas despertando interesse até fora do meio estudantil.
Às sextas-feiras, as últimas aulas cediam tempo a um show “lítero-musical” no auditório, onde também eram exibidos filmes bang-bang antiquérrimos, aos sábados. Cansei de ouvir a Clícia Montenegro recitar “Navio Negreiro”, do poeta Castro Alves. Ali apareceram também alguns conjuntos musicais. Lembro de um formado por alunos do 3o ano do curso científico. O hoje engenheiro Fernando Castro era membro de um desses conjuntos.
Aos domingos, durante o verão, turmas de alunos e professoras desciam ou subiam o rio Acre fazendo piqueniques nas praias ou nos seringais próximos.
Portanto, e apesar de sisudo – com professores que davam aulas vestindo paletó e gravata, com inspetores plantados em cada sala de aula, o carimbo de “presente” ou “ausente” na carteirinha valendo pontos para aprovar ou desaprovar os alunos no final do ano –, o Colégio Acreano sabia incentivar o lazer e a cultura.
Eu mesmo aprendi a dançar valsa, bolero e samba-canção em sala de aula, em sessões preparatórias para o baile de formatura do Ginásio. Entre as professoras de bolero guardo na memória a performance da colega Marlize Braga (hoje colunista social), com as curvas e o charme dos seus 18 anos. 

N.E - O texto acima foi escrito antes do Colégio Acreano completar 80 anos, em 17 de julho de 2013. 

sábado, 17 de agosto de 2013

Revolta de Pigmeu

* Elson Martins

Eu comecei a ler revistas em quadrinhos cometendo pecado. Assim entendiam as famílias da sossegada cidade de Rio Branco dos anos cinquenta, de cultura nordestina conservadora e passagem pelo seringal como a minha. Lembro de ter cumprido penitências pelas coleções de Mandrake, Homem Borracha, Tarzan e Fantasma que escondia sob o colchão da cama. Um flagra no colégio podia resultar em suspensão ou outra constrangedora penalidade. Só aos poucos, a inquisição diminuiu até desaparecer de vez. Quando isso aconteceu - que pena! - eu já me convertera a outras leituras menos atraentes.


O Fantasma era dos heróis em quadrinhos o que mais me fascinava, talvez porque suas histórias rolavam na floresta entre índios pigmeus, uma ficção criada em cenário parecido com o da realidade que conheci na infância no seringal.

Nasci em 1939, mas conheci os quadrinhos somente em 1950, creio, quando passei a morar com uma irmã mais velha na capital. Ela me matriculou no Grupo Escolar 7 de Setembro e eu, por minha conta e risco, ingressei na “sociedade secreta” Gabino Besouro (ora, ninguém sabia que o cara tinha sido um escroto histórico!) de forte atuação clandestina nas imediações do Estádio José de Melo, do Rio Branco Futebol Clube. A GB agia ao cair da noite, com seus membros vestindo orgulhosamente uma camiseta com o símbolo do Fantasma (uma caveira), uniforme com o qual partiam para as aventuras planejadas sob uma imensa mangueira existente no cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Marechal Deodoro.



As aventuras não passavam de brincadeiras mais ou menos inocentes, circunscritas à formação religiosa e moral do grupo. As mais ousadas, empreendidas em noitadas especiais, não iam além do seqüestro de uma lata de biscoitos do bar do Coriolano, que funcionava onde fica hoje o Shopping Miragina, ou da retirada de cartazes e fotos dos filmes em exibição no Cine Rio Branco – uma tarefa de alto risco, executada de madrugada. O risco era o técnico de projeção Dedé – que dormia num quartinho nos fundos do cinema e tinha o sono leve – acordar com o barulho das taxinhas caindo no piso de madeira da sala de projeção. Tanto os biscoitos quanto os cartazes e fotos iam para uma caverna escavada num baixio do campo do Rio Branco, também vigiado pelo Walter Felix de Souza, o Té, que, no entanto, nunca a descobriu. Fora isso, cometíamos algumas brechadas nas meninas do bairro e, raramente, acirrada guerra de baladeira com outras sociedades secretas.

Não se falava em drogas, estupros ou o que pudesse sinalizar para a violência infanto-juvenil dos dias atuais. Rio Branco era uma cidade que dormia de janelas abertas e tinha como periferia o Papôco, a Capoeira e o Bosque. Os jovens acompanhavam a banda de música da Guarda Territorial desde o quartel até a Praça do Palácio, marchando e batendo palmas. O sexo perpassava pela “sociedade secreta” de forma natural e contida, cabendo apenas alguma esperteza compartilhada.

Em algumas ocasiões, adotávamos a brincadeira do esconderijo com a participação de meninas que permitiam deliciosa iniciação à bolinagem. Apenas os mais graduados da “sociedade” participavam do ávido revezamento entre os que fingiam esconder-se e os que fingiam procurá-los. Quando a iniciação rareava – afinal, não havia tantas garotas liberadas para o esconderijo – a turma recorria ao ingênuo jogo do “tirando bolo” com as menos assanhadas.

Que saudade dos guerreiros da Gabino Bezouro, como os irmãos Pitoco e Sarará, irreverentes e destemidos; e os também irmãos Stélio e Sílvio que brigavam como malucos dando trabalho para apartar. O Sílvio gostava de meter medo na turma dizendo que adorava o satanás. Quando aconteciam tempestades com raios e trovões, o que era comum naqueles tempos, ele corria gritando com os braços abertos para o céu: “Anda, meu satanás, mostra tua força e me fulmina!”.

A debandada era geral.

Outro maluco de pedra era o “Mão”, que ao se irritar, virava o próprio satanás evocado pelo Silvio. Já eu, o Zé Henrique e o Neguinho, vulgo Rock Hudson, formávamos a ala moderada, que se destacava no planejamento das ações da GB. Eu não tinha físico para sair no braço com ninguém. Quando algum outro grupo nos provocava, assumia resignadamente minha vocação de pigmeu.

Pois foi esse sentimento, do pigmeu que investia na paz com o inimigo, que me inspirou este texto. Aquele povo miúdo que conduzia os “buanas” aos tesouros da floresta me enternecia e irritava ao mesmo tempo. A história começava sempre com um avião monomotor em meio a um intenso temporal, rodopiando e caindo no meio do mato. Em seguida, apareciam os nativos que resgatavam os ocupantes do aparelho sinistrado e os levavam para a aldeia oferecendo hospitalidade. Como leitor, eu sabia que o Fantasma logo ia aparecer e salvar o tesouro, mas a indignação se repetia de história em história.

O pior é que, após 40 anos de jornalismo na Amazônia, começo a pensar que tenho repetido à exaustão o gesto dos pigmeus. Só no Acre, passei 16 anos (75 a 91) como repórter de conflitos entre nativos e forâneos, trabalhando para os jornais O Estado de S. Paulo, Folha do Acre, Gazeta do Acre, O Rio Branco, Varadouro e Repiquete, sem falar nos “frilas” para revistas nacionais. Disparava setas envenenadas sem a ajuda do Fantasma, e sem perceber que os “buanas” que buscam o tesouro do Acre não são os mesmos das histórias em quadrinhos; ou que tesouro sagrado cobiçam ainda hoje.

Só agora, sob novas e diferentes ameaças à Amazônia vejo como reluzem os depoimentos, os relatos, as histórias, as imagens que o povo da floresta passa para os invasores da floresta: tudo fácil, tudo grátis, pilhas de papéis, fotografias, fitas gravadas, filmes, emoção e lagrimas. Tesouro recebido com beijinhos no rosto, abraços públicos e falsos que se extinguem nos espaços climatizados e distantes.

E agora que precisamos tanto deles, os heróis dos quadrinhos ficaram para trás no júbilo da infância... E por onde andam os heróis em carne e osso da Gabino Besouro? Cadê o Sarará, o Pitoco, cadê o Rock Hudson?


N.E
- O texto acima foi publicado originalmente no número 10 (dezembro de 2000) da extinta revista outraspalavras, publicação que circulou no Acre de outubro de 1999 a dezembro de 2002. 


terça-feira, 13 de agosto de 2013

É inevitável o incêndio da biblioteca da floresta?

Ennio Candotti (*)


1. De ribeirinhos e  hidroaviões     


Os ribeirinhos, que encontramos às margens de rios e igarapés em toda a Amazônia, são  parte do problema ou da solução da questão da defesa, da produção de conhecimentos científicos de botânica e zoologia, da conservação ambiental e do desenvolvimento econômico e social da região?

Se a resposta for que eles são parte do problema, deveríamos pensar em removê-los para núcleos urbanos e oferecer a eles oportunidades de trabalho, educação, moradia e cuidados de saúde, direitos da cidadania.

Se a resposta for que são parte da solução, uma vez que é dever do Estado estar presente em todo o território nacional, eles são muito importantes para monitorar o movimento de pessoas e animais e o trânsito das  mercadorias pelos rios, apoiar como guias e conhecedores da floresta a coleta de material para pesquisa (sementes, resinas e amostras de fauna e flora) e colaborar nas diferentes etapas na construção dos conhecimentos no campo e nos laboratórios dos centros de ciência e tecnologia.


Podem também colaborar com os trabalhos de monitoramento do clima, da fauna, da flora e do nível e velocidade das águas. Adequadamente treinados, poderiam participar, quando necessário, de ações de defesa do território.



Candotti: "No dia em que demonstrarmos o valor  da ‘biblioteca’ ninguém mais desmatará"

O Vietnam foi um exemplo de como os ribeirinhos dos rios e igarapés das florestas tropicais ofereceram decisivo apoio ao exército vietnamita que derrotou em 1972 o exército de ocupação dos Estados Unidos.


Neste caso deveríamos valorizar sua presença ao longo dos rios, reconhecer seus direitos de posse das terras tradicionalmente ocupadas[1], e observar com maior atenção as soluções técnicas e de organização social que eles encontraram para trabalhar, se alimentar, plantar, pescar, construir casas, fabricar barcos e canoas, cuidar mesmo que precariamente da saúde e da educação  dos filhos, além de oferecer apoio a viajantes e embarcações que transitam pelos rios.


Deveríamos pensar e contribuir para implementar uma política específica de apoio a estas comunidades. Os instrumentos e diretrizes usuais de assistência e serviços públicos não têm funcionado.  Como aliás não têm funcionado também para as vilas e aglomerados urbanos do interior  (um Sedex enviado de S.Gabriel da Cachoeira para Manaus leva de 8 a 15 dias para chegar, são raros nas cidades dos interior os postos de gasolina certificados, os foros de justiça, etc.).


O meio mais eficiente para prover uma assistência regular para estas comunidades é através de hidroaviões. Contam-se porém em pouco mais de uma dezena os hidroaviões que operam na região. Seria interessante  conhecer as razões que impedem seu amplo uso. Solução simples, adotada por exemplo em condições ambientais mais severas do que as Amazônicas para assistência às comunidades das áreas dos grandes  lagos do Canadá.


Enquanto aguardam a adoção de um sistema de transporte e comunicação rápido, centenas de milhares de ribeirinhos podem contar apenas com a visita irregular dos barcos de assistência e comércio, raros e lentos no percurso das tortuosas hidrovias.


2. O incêndio da ‘biblioteca’ 


Nos últimos anos, na Amazônia,  tem se investido nos Institutos de C&T, renovaram-se os equipamentos dos laboratórios e acelerou-se a formação de recursos humanos. Falta, no entanto, definir um foco, uma prioridade na qual concentrar as forças científicas, de industria e defesa para alcançar resultados em áreas estratégicas  e criar competências do mais elevado nível, segundo padrões nacionais e internacionais, definindo tempos e modos para atingi-los. 


A floresta é uma imensa ‘biblioteca’ em que estão registrados segredos e tesouros do conhecimento que aguardam ser decifrados. A conservação desta biblioteca, impedir que ela seja incendiada,  depende da demonstração pública e reconhecida por todos, que o hectare de floresta com sua vida e segredos, com as árvores em pé, tem valor de mercado maior do que o hectare de terra desmatada, cultivada com soja, cana ou utilizada para o pasto de duas cabeças de gado. 


Isso é evidente para quem teve a oportunidade de aprender a ler e interpretar alguns dos códigos inscritos nos livros desta ‘biblioteca’, mas obviamente não é evidente para quem desmata e ocupa a terra com plantios e gado.


No dia em que demonstrarmos o valor científico e  de mercado da ‘biblioteca’ ninguém mais desmatará. A repressão aos desmatadores e o controle armado da integridade da floresta, por sua extensão e condições operacionais não conseguem protegê-la, o valor de mercado da terra desmatada (e os créditos bancários associados) comanda, é ele que devemos combater.


Surge então a pergunta: por onde começar, qual seria o foco, quais são os segredos da ‘biblioteca’ que mais nos interessam e poderiam interessar ao mercado? Creio que os mais importantes deles estão nas plantas e no micromundo de microrganismos, fungos, toxinas, enzimas, que degradam folhas e árvores caídas e os transformam nos nutrientes  que  alimentam a exuberância da floresta. Uma floresta que em sua maior extensão ocupa solos pobres.


Que microrganismos são esses? Quais são as toxinas,  os fungos e as resinas que têm sólido valor de mercado e que poderíamos estudar e extrair da floresta, isolar e sintetizar nos laboratórios, sem comprometer os ciclos de sua reprodução?


Preocupa-nos saber que após inúmeras tentativas de implantar na região institutos de microbiologia e biotecnologia os resultados permanecem modestos (a Embrapa possui na Amazônia apenas seis dos sessenta centros instalados no país e o CBA, o Centro de Biotecnologia da Amazônia, passados dez anos de sua criação e despendidos recursos para o equipamento de seus laboratórios ainda não funciona regularmente por falta de um estatuto jurídico de consenso entre Brasilia (Min Ind e Comercio) e Manaus (Suframa).


Curiosamente as atenções das organizações nacionais e internacionais de conservação da natureza (como p.e. o WWF e  o Fundo Amazônia) voltam-se para programas preocupados em evitar o desmatamento (e as emissões de CO2) mas não priorizam a formação de pesquisadores, microbiologistas, botânicos, entomólogos e o fomento de programas de pesquisa e interpretação do micro e macro mundo registrado na grande ‘biblioteca’.


Surge nesse ponto a questão de como defender a soberania nacional e proteger a propriedade do patrimônio genético registrados nos ‘livros’ da floresta. 

Estudando, interpretando o que está escrito nos ‘livros’ que encontramos na biblioteca, antes que outros o façam. “Conhecer ainda que tarde” o “cognoscere quae sera tamen” deveria estar escrito nas bandeiras da batalha amazônica.


Não há outro caminho para combater a biopirataria no micro ou no macromundo. O proibir, fiscalizar, controlar a coleta e o transporte de amostras do material genético, não defende os nossos interesses e nem  oferece proteção eficaz ao nosso patrimônio. Uma vez que é difícil distinguir nessas amostras as que tem de fato algum valor, de mercado ou científico e as que não se sabe se tem algum valor, por não terem sido ainda estudadas.

Trata-se de um tesouro codificado através de ‘bites’ de informação,  que podem circular a ‘cavalo’ das ondas eletromagnéticas, nas redes internautas ou ser transportados, ‘in natura’,  fisicamente em amostras microscópicas. Um universo  de informações inscritas em amostras de dimensões micrométricas  (10
-6 m) dificilmente detectáveis por humanos atentos ou mesmo por instrumentos especializados. Lembro a título de exemplo que há mais de 100 mil microrganismos em uma gota de nossas salivas, todos eles portadores de informações significativas em seus códigos genéticos!

Para estudar o micromundo da floresta são necessários laboratórios equipados e técnicos de alta especialização, além de financiamentos significativos. Sabemos que o retorno, que pode ocorrer em um caso em dez dos compostos estudados, compensa as despesas realizadas para estudar os dez. 


O extrativismo voluntário, desarmado de instrumentos, sem a assistência de laboratórios equipados não é sustentável social e economicamente, pode prover sustento para as famílias que a ele se dedicam, mas dificilmente pode retirá-las da pobreza.

3. As margens irregulares da floresta inundada    



Há obviamente outros tesouros  na floresta, outros alvos que clamam por nossa  atenção pesquisa e entendimento. Entre eles menciono: 

1. as  férteis terras pretas de índio que ao que tudo indica têm origem antrópica (10% das terras de floresta);
2. o imenso aquífero que se estende no subsolo profundo das florestas e rios do Atlântico aos Andes;
3. as jazidas de minerais;
4. os ecossistemas da foz de água doce e salgada. 

Antes porém de examinar os pontos acima quero mencionar uma questão que revela o tratamento dado pelo Governo Federal e pelo Congresso Nacional à floresta amazônica na elaboração do Código Florestal.


Em um dos primeiros Artigos (o de número três) do Código é introduzido um novo conceito, o de ‘margem média’ dos rios em substituição às margens altas (a média dos níveis máximos das últimas cinco cheias) que tradicionalmente (desde 1823) definiam os limites do território de propriedade (e proteção) da União às margens dos rios.


Estima-se que a área ocupada na Amazônia pelas águas em época de cheia é de 500 mil km2. [2] Com a nova definição das margens ‘médias’, a área de propriedade da União recuará para aproximadamente 350 mil km2.  Isto é a União cedeu (pelo novo Código) aos proprietários de terras às margens dos rios cerca de 150 mil km2, 15 milhões de hectares periodicamente inundados!


O que significa também que deixará aos novos proprietários a responsabilidade pela proteção e monitoramento dessas extensas áreas ( e seus ‘livros’ ainda indecifrados)  submersos em boa parte do ano. Hoje a ocupação urbana e/ou o plantio nestas áreas depende de autorizações e avaliações realizadas caso a caso pela União através da SPU.


Se a nova definição, na maioria dos rios encaixados, planaltinos recua de poucas dezenas de metros as margens tradicionais e os limites das responsabilidades e propriedades da União, no caso amazônico este recuo propicia a alienação da propriedade da União de centenas de milhares de quilômetros quadrados. Estima-se em 300 000 km2 a diferença entre a área delimitada pela margem alta na época da cheia e pela margem baixa na época da sêca dos rios amazônicos. Esta grande extensão se deve em grande parte ao fato que a diferença entre o nível mais alto e o nível mais baixo das águas dos rios é também muito grande, variando anualmente  de 12 a 15 metros!


No Código não há sequer uma menção à diferença entre as florestas alagadas e as florestas ‘secas’ planaltinas.  É bom lembrar que a extensão das áreas das florestas alagadas amazônicas, mais as terras também alagadas do Pantanal, é da ordem de grandeza das demais florestas de todo o país.


Do ponto de vista dos ecossistemas e do patrimônio genético é nessa área de floresta alagada que se concentram os segredos mais importantes da ‘biblioteca’ amazônica, uma vez que se trata de ecossistemas particulares, que por serem periodicamente inundados obrigou os seres que lá vivem, plantas e animais, fungos e microrganismos a encontrar soluções engenhosas e bem sucedidas de adaptação e sobrevivência (vale notar por exemplo que a floresta quando submersa suspende a sua respiração não absorvendo mais CO
2).


A questão das margens dos rios no Código Florestal revela que há uma significativa distância entre a prática política e o discurso emocionado dedicados pelas diferentes instâncias de Governo e do Congresso Nacional à Amazônia.

Vamos examinar agora os quatro pontos mencionados acima: terras pretas, aquíferos, minérios e os ecossistemas da foz onde a água doce dos rios encontra a salgada do oceano.
1) As terras pretas de índio são terras muito férteis que se encontram espalhadas pelo território amazônico (encontram-se em cerca de 10% do território) e que, segundo as mais recentes pesquisas têm origem antrópica.  O seu estudo procura revelar a sua composição e permitir assim a sua reprodução em laboratório ou em natura, o que propiciaria a possibilidade de produzir terras férteis para a agricultura. 


Por outro lado os estudos ao revelarem a origem antrópica desta terra , uma vez que é encontrada em locais ocupados também por sítios arqueológicos, demonstram que a ocupação indígena da floresta foi numerosa e intensa em extensas áreas de floresta, o que sugere que a floresta, pelo menos em parte, foi manejada pelos povos que a habitaram, e a habitam, desde tempos muito antigos. 
[3]

As terras pretas, junto com os  fragmentos cerâmicos e líticos dos sítios arqueológicos nelas encontrados, revelam uma história de mais de 9000 anos. Culturas de povos antigos adaptados aos ambientes florestinos, que encontraram técnicas próprias e eficientes de caça e pesca, navegação, agricultura e sistemas de convivência social. 

Fatos estes que justificam plenamente as políticas que buscam proteger os territórios e valorizar as culturas indígenas ainda presentes na região, testemunhas e registros vivos de sistemas sociais bem sucedidos na convivência com a floresta e defesa frente aos agressivos patógenos, ainda hoje não controlados (ex. malária).  

2) Com o segundo ponto quero chamar atenção para outra dimensão submersa da Amazônia:  a existência de um extenso aquífero de Manaus aos Andes, estimado em 2,5 milhões de km2 com uma profundidade de mil a três mil metros  (foram destinados para seu mapeamento cerca de 5 milhões de Reais no fim de 2010).  Esse aquífero se soma ao do Alter do Chão (que se estende do Atlântico ate Manaus), [4] melhor conhecido e mapeado, e influencia a carga e escoamento dos rios amazônicos, interferindo portanto  nos equilíbrios ambientais de superfície. 

Observo também que se trata de vasto campo de pesquisa hidrológica e geofísica, com influência no estudo do papel climático da bacia amazônica, além de ser potencial fonte de água potável para uma população (e uma indústria)  que vive às margens de rios cuja água não é potável. 

A dinâmica das águas e seus movimentos verticais (entre o subsolo e a superfície) e horizontais deveria ser melhor explorada. São raros ou inexistentes os centros de pesquisa voltados ao seus estudo. Não há, por exemplo, um instituto de hidráulica e recursos hídricos da Amazônia ocidental, equipado com tanques de provas – e equipes competentes - para estudo da dinâmica do movimento das águas e sedimentos, a exemplo do tanque oceânico instalado na COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ.

3) Quanto às ricas jazidas minerais, frequentemente mencionadas, pode se afirmar que  não estão completamente localizadas e nem dimensionadas. Sabemos também que não contribuíram para elevar os baixos índices de IDH ou propiciaram o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico da região onde foram ou estão sendo exploradas ( ver por exemplo a mineração de bauxita em Trombetas no município de Oriximiná).  O que é agravado pelo fato que a exploração mineral, em muitos casos, tem sido responsável por significativos  e irrecuperáveis danos  ambientais, como no caso dos garimpos de ouro em Serra Pelada e a exploração da bauxita pela INCOME no Amapá.

Os grandes projetos de mineração não fixaram na região, em escala proporcional ao volume dos lucros auferidos, uma significativa competência técnica e gerencial dos sistemas de mineração.  

Nos investimentos programados pelo PAC para a próxima década em mineração, portos, hidroelétricas não há notícias da previsão de que uma porcentagem dos recursos será destinada a promover a consolidação da competência local de gerenciamento, manutenção das instalações de engenharia de projetos e de consultoria para a preparação de novos empreendimentos. 

A criação e fixação na região de competências locais na área de engenharia teria influência na atração e fixação de quadros em outras áreas estratégicas para o desenvolvimento da Amazônia uma vez que dificilmente se consegue atrair e formar quadros de elevada especialização em áreas restritas. 

O processo de fixação e desenvolvimento de competência local requer a formação na região e a atração de profissionais de múltiplas áreas, por vezes complementares e principalmente em áreas básicas ( física, matemática, química, geologia ) que permitem a reprodução da competência instalada (o que dificilmente ocorre nas áreas tipicamente aplicadas como as engenharias, importantes para a execução, mas lentas na reprodução).

4) O ecossistema foz do Amazonas é único no planeta pelo volume de água doce que adentra por cerca de  300 km no oceano Atlântico e pelo volume de sedimentos transportados pelas águas e que se depositam na foz.  Inúmeras espécies de plantas e animais encontraram nos ecossistemas da foz formas de sobrevivência em ambientes  salgados e doces. O estudo dos fenômenos biológicos e podológicos poderá nos levar a desvendar importantes segredos da natureza (um dos grandes desafios da agricultura é descobrir plantas alimentares que possam ser irrigadas com água salgada). 

Não há no entanto um só Instituto da Foz, nacional,  dedicado a estudar a fauna e flora e os ambientes que ocorrem nesse canto inexplorado da ‘biblioteca’. Inexplorado em termos, uma vez que a prospecção do subsolo tem sido uma exceção, revelando que ele é rico  em petróleo. Observe-se também que a França está construindo na Guyana Francesa um instituto de pesquisas biológicas, hídricas e podológicas e destina a ele importantes quantias de recursos financeiros e humanos.

      4. O  PAC não conhece o PAS

Um exemplo das ambiguidades dos interesses que cercam os investimentos do PAC em infraestrutura na Amazônia foi descrito em recente seminário promovido pelo BNDES[5], contabilizado-o como investimento do PAC ( Programa de Aceleração do Crescimento) na Amazônia: o linhão Santo Antônio (Ro) – Araraquara (SP).

Cabe a pergunta:  quem se beneficiará com este investimento? É a rede (nacional) de abastecimento elétrico que se ramifica  a partir de Araraquara (ou proximidades). São Paulo, ou o Estado de Rondônia? O IDH de Rondônia melhorará com o linhão?

Basta verificar se melhorou (em taxas acima do crescimento médio do país) nos últimos dez anos o IDH da região próxima a hidroelétrica de Tucuruí para obter a resposta.

Considerando que o consumo de energia elétrica recolhe impostos nos estados onde ele ocorre, pouca riqueza restará para a região detentora da fonte energética (água e seu desnível) onde está instalada a ‘usina’ hidroelétrica.

Pode-se também perguntar se as compensações ambientais pagas aos Estados de origem da eletricidade respondem por uma fração do valor da energia fornecida à rede de consumo, correspondente  aos royalties do barril de petróleo (para equivalentes de energia produzida) atualmente pagos aos estados produtores.

O próprio Governo deu resposta às ambiguidades das diretrizes que orientam o PAC  ao preparar, na mesma época em que ele foi elaborado, o PAS o Plano Amazônia Sustentável. No PAS se traçam diretrizes voltadas a promover um desenvolvimento da Amazônia, atento às três dimensões da sustentabilidade dos empreendimentos: social, econômica e ambiental, além da formação e fixação de recursos humanos especializados e a criação de uma infraestrutura que permita ao Estado Nacional estar presente nos povoados e pequenas cidades do interior.

Não há notícias quanto à implementação das diretrizes e programas propostos pelo PAS, mas têm sido confirmados os investimentos de cerca de 200 bilhões de reais nos próximos dez anos em obras do PAC ( principalmente hidroeletricas, portos, mineração e linhões).

Questiona-se a efetiva contribuição destas obras para elevar o IDH da  região e de seus povoados do interior ou mesmo para fomentar a pesquisa cientifica que permita decifrar os códigos inscritos nos ‘livros’ da floresta ou promover a fixação no interior de empresas e recursos humanos especializados.

Cabe aqui lembrar uma história que retrata a dificuldade de resolver o conflito entre o poder central, onde se decidem os projetos,  e a periferia amazônica.

Menciono uma célebre página do livro de Samuel Benchimol, “Amazônia um pouco Antes e além depois “ [6]  em que escreve:  ”... Como experiência pioneira a partir dos anos 60 os Bancos Oficiais dos Estados e suas Comissões de Desenvolvimento representam uma nova tendência de regionalizar e descentralizar o processo de desenvolvimento em resposta aos reclamos das unidades federadas que passaram a ter a oportunidade de construir o seu próprio núcleo de decisão política, econômica e financeira.  É pena...que o nosso projeto (de incentivos fiscais para capitalizar bancos dos Estados) apresentados na 1ª reunião dos investidores e empresários Brasileiros .... em 1966 ...foi torpedeado pelo segundo escalão hierárquico....essa derrota atrasou a Amazônia Interior pelo menos vinte anos...

A partir dessa denúncia os empresários usaram em seus projetos políticos o lema ‘não é importante quem decide, mas onde se decide’  e defenderam a ideia de criação de órgãos de financiamento regionais com poder de decisão local .

Dos reclamos do grupo de pressão formado por empresários e professores da Universidade surgiu a SUDAM, a Zona Franca e outros instrumentos de desenvolvimento da região, mas a questão do quem e onde se decide ainda não encontrou equilibrada resposta: o Fundo Amazônia tem sede  no BNDES, no Rio de Janeiro!

Por outro lado, passados quarenta anos, o que se produz na Zona Franca  ainda não responde a projetos de concepção e desenho local. Não há uma só industria que explore os produtos naturais da floresta. Os executivos das empresas instaladas em Manaus respondem às matrizes no exterior ou em S.Paulo. Nada se decide aqui.

Pergunta-se o que fariam as empresas instaladas em Manaus se os incentivos da ZF fossem suspensos? Onde estão sendo projetados os portos que serão construídos na Amazônia? Portos capazes de resistir às severas condições ambientais causados pela variação de 15 metros no nível das águas!

E a manutenção dos linhões das usinas hidroelétricas será efetuada e planejada por escritórios de engenharia instalados em Manaus, em Porto Velho ou Belém?  Quem orienta e realiza a construção dos barcos que navegam pela maior rede de rios do planeta e hoje transportam centenas de milhares de amazonenses?  Os hidroaviões, tão necessários, quem os desenharia e fabricaria?

Os reclamos de 1966 ainda são atuais, desde então novos desafios e oportunidades abriram-se para a Amazônia. Passados cinquenta anos as decisões sobre o que importa para a Amazônia ainda são tomadas longe daqui.

É um desafio promover um efetivo desenvolvimento social associado aos empreendimentos que exploram as riquezas minerais e energéticas. Acreditava-se naquela época que elevar os índices de IDH seria consequência natural dos investimentos produtivos. A previsão se revelou equivocada. A indefinição das relações entre centro e periferia comprometeram a equilibrada distribuição dos benefícios.

Por outro lado um novo portal de oportunidades abriu-se com o papel climático e geopolítico da Amazônia no planeta e sobretudo com as novas técnicas de exploração das riquezas da biodiversidade, que na época ainda não se revelavam com todo seu potencial.

A riqueza do ‘patrimônio’ genético da floresta amazônica multiplicou-se, mas a capacidade de explorá-la no interesse da ciência e para benefício do povo que aqui vive não se multiplicou com a mesma velocidade. Acelerar o crescimento é o desafio desta década. Recuperar o PAS  e temperar o PAC acrescentando - lhe um A,  de Amazônia são os desafios políticos que encontramos na mesa das negociações do papel da Amazônia no ainda inconcluso projeto de construção da Nação. Negociações locais e nacionais.

 (*) Ennio Candotti é diretor-presidente do Museu da Amazônia, em Manaus; e vice-diretor nacional do CNPq.






[1] Alfredo Wagner Breno de Almeida, Terras Tradicionalmente ocupadas, Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, Manaus, PGSCA UFAM, 2008
[2]  J.M Melack, J.L.Hess  Remote sensing of the distribution and extent of wetlands  in the  Amazonian basin,  in  W.Junk et alii,  Amazonian floodplains,  Ecological Studies, Springer 2010

[3] Eduardo Goes Neves, O Lugar dos Lugares: Escala e Intensidade dasMmodificações Paisagisticas na Amazônia Central pre Colonial em Comparaçào com a Amazonia Contemporânea.  Ciencia e Ambiente 31  jul dez 2005, UFSM.
[4] Paulo Henrique Ferreira Galvão e outros, Hidrogeologia e geometria dos aquíferos das formações cretáceas Içá e Solimões, Bacia Paleozoica do Solimões, na região de Urucu, Amazonas,  Revista Brasileira de Geociências 42(Suppl 1): 142-153, dezembro de 2012

[5] Ennio Candotti,  É sustentável o desenvolvimento da Amazônia?, em  Um Olhar Territorial para o Desenvolvimento: reflexões sobre a atuação do BNDES na Região Norte do Brasil, Ed. Helena Lastres e outros, BNDES, Rio de Janeiro 2013
[6] pg. 562, Calderaro, Manaus 1977




N.E - Este texto foi escrito para o encontro do VII ENABED  ( Estudos da Defesa), realizado de 4 a 7 de agosto, em Belém.  A apresentação foi feita em mesa redonda sobre Ciência&Tecnologia e a defesa da Amazônia.