domingo, 31 de agosto de 2014

Marina: arco e flecha

* Elson Martins

Marina Silva: "Todo partido tem em seus quadros pessoas
boas e más" (Foto: Ernesto Rodrigues/Agência Estado)



Se tivesse lido o poema “Arco e Flecha”, de autoria da candidata a Presidência da República Marina Silva, do PSB/Rede Sustentabiidade, o âncora do Jornal Nacional da Globo, Willian Bonner, teria errado menos quando a entrevistou quarta-feira passada. Aliás, ele e também Patrícia Poeta, a quem Marina provocou dizendo que conhecia pouco de Amazônia.

Do arco que empurra a flecha,
Quero a força que a dispara.
Da flecha que penetra o alvo
Quero a mira que o acerta.

Aí está uma primeira lição. A força da Marina, que não é pouca, vem da consciência de outro mundo, de uma natureza desafiadora, de uma coragem pouco usual nos espaços ditos civilizados. Lá, no adentrado da mata acreana, a sobrevida vale um marco civilizatório.

Do alvo mirado
Quero o que o faz desejado.
Do desejo que busca o alvo
Quero o amor por razão.

Tudo parece fluido e incerto, porque é nisso que paira a beleza, a paz, a harmonia entre as pessoas, os animais, os vegetais. Marina quer, antes de tudo, saber o que faz o alvo desejado. E qualquer código antecipado atrapalha. Atrapalha o fluir do desejo que procura no alvo o amor por razão.

O jornalista Bonner, que com sua arrogância cultural mais parece um delegado de policia de periferia, fica indócil, querendo esmagar o que não reconhece. E Marina percebe sua aflição, aproveita e se vira pra câmera, para falar diretamente ao povo brasileiro. Ela propõe uma “politica nova” que não se guia por siglas suspeitas, mas por pessoas: “Todo partido tem em seus quadros pessoas boas e más” – diz. Ela não vê vantagem em apartar pessoas de diferentes partidos que querem a mesmo coisa pelo bem do Brasil.

Bonner e Patrícia , aparentemente, não concordam com isso. Ou não entendem a grandeza desse sentimento.

Sou o arco, sou a flecha,
Sou todo em metades,
Sou as partes que se mesclam
Nos propósitos e nas vontades.

Quando a dupla entrevistou Dilma Rousseff, do PT, uma semana antes, a postura policialesca foi igual, mas as respostas não tinham a mesma sabedoria das de Marina Silva. Talvez porque Dilma não seja “metades que se mesclam” e por isso mostrou-se vulnerável à dupla de inquiridores. Também porque, por trás da TV Globo, tão bem representada pela dupla, rosna um monstro capitalista com ambições desvairadas, pronto para eliminar discordâncias.

É esse quadro que expressa o poder republicano brasileiro. Sua toca fica no eixo Sul –Sudeste- Centro-Oeste. Lá ele se alimenta de dólares, intolerância, disputas e ganâncias. Num processo eleitoral como o de outubro de 2014, a personagem Marina destoa e ameaça, como, aliás, as pesquisas feitas recentemente apontam. Na última, divulgada na quinta-feira, 29, Marina empata com Dilma Rousseff e deixa o candidato preferido (do monstro) na rabeira.

Num eventual segundo turno, Marina bateria Dilma, com 10% de vantagem. Mas Marina e Dilma apresentam alguma semelhança,  poderiam até se tornar parceiras por um mundo melhor, no mesmo lado da boa política.

Ainda assim, Marina e aqueles que apostam nela, em todo o país, preferem a experiência nova, dita “almatica”, para questionar as verdades propaladas até aqui em economia, cultura, desenvolvimento etc. Aguardam mentes mais abertas e corações que enxergam as partes invisíveis da sociedade. Ou seja: melhor apostar na liberdade e na sutileza mais fecunda das pessoas.

Sou o arco por primeiro,
Sou a flecha por segundo,
Sou a flecha por primeiro,
Sou o arco por segundo.

(poema Arco e Flecha, de Marina Silva)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Marina: o Acre na cabeça!


* Elson Martins



A seringueira Marina Silva, a caminho
de um "empate" (Foto: Tião Fonseca)
Acabo de ler na UOL que Antônio Campos, irmão do candidato Eduardo Campos (PSB) à Presidência da República, falecido na manhã de quarta-feira num desastre aéreo, em S. Paulo, apoia a indicação de Marina Silva (a vice) para substituir Campos na cabeça de chapa. Devo admitir que a noticia calou bem no meu coração ideológico, de esquerda, acreano e amazônico.

Estava propenso a votar na Dilma, do PT, mas se o nome de Marina for confirmado, vou alterar a escolha, para ser coerente com os sentimentos que moldam minha vida. Entendo que Marina terá mais compromisso com o Acre e com a Amazônia que a Dilma, porque é filha de seringueiro; porque abriu caminho numa vida sofrida na floresta; porque é iluminada e sabe enxergar com o coração as necessidades fundamentais dos povos da Amazônia.

Pessoalmente, até que tenho queixa contra ela. Acho que nunca deu muita importância ao jornalismo que pratico no Acre há meio século, supostamente, porque não fiz parte (sou mais velho) do iluminado grupo de História da Universidade Federal do Acre que ela liderou e arrastou para os movimentos socioambentais e para a politica, com brilho. Ou porque nunca aprendi a rezar.  Ou, ainda, porque escrevi um texto discordando do projeto de florestas públicas que ela aprovou quando ministra do Meio Ambiente no governo Lula.

“Mas o negócio não é bem eu...” 

Lembrei da música “Minha História”, do compositor e cantor João do Vale. Analfabeto, nascido no pequeno município de Pedreira, no Maranhão, aos 16 anos migrou para o Rio de Janeiro e foi trabalhar na construção civil. Na época já compunha baião, tão bem, que um deles caiu nas mãos da famosa Dalva de Oliveira que o gravou. Seus amigos de profissão riam quando dizia: “Olha, essa música que a Dalva está cantando no rádio é minha”!

Quem ia acreditar naquele negrinho bobo dos anos cinquenta? Só mais tarde, em plena ditadura militar, levaram pro palco o autor de  “Carcará”, “Pisa na Fulô”, “Carolina”... E de “Minha História”, esta gravada por Chico Buarque de Holanda:

Seu moço, quer saber, eu vou cantar num baião
Minha história pro senhor, seu moço, preste atenção

Eu vendia pirulito, arroz doce, mungunzá
Enquanto eu ia vender doce, meus colegas iam estudar
A minha mãe, tão pobrezinha, não podia me educar

E quando era de noitinha, a meninada ia brincar
Vixe, como eu tinha inveja, de ver o Zezinho contar:


-O professor raiou comigo, porque eu não quis estudar

Hoje todos são "doutô", eu continuo joão ninguém 

Mas quem nasce pra pataca, nunca pode ser vintém
Ver meus amigos "doutô", basta pra me sentir bem

Mas todos eles quando ouvem, um baiãozinho que eu fiz,
Ficam tudo satisfeito, batem palmas e pedem bis
E dizem: - João foi meu colega, como eu me sinto feliz

Mas o negócio não é bem eu, é Mané, Pedro e Romão,
Que também são meus colegas  e continuam no sertão
Não puderam estudar, e nem sabem fazer baião


Embarco nessa sabedoria. Não vou escolher Marina para o meu próprio bem; eu a escolho pelo bem dos acreanos de um modo geral, sobretudo, dos que ainda não puderam estudar e “não sabem fazer baião”. Quero o bem dos extrativistas, dos indígenas, dos agricultores  mal assistidos... Quero o bem dos ribeirinhos, das famílias que foram expulsas de suas colocações na floresta, num passado recente (décadas de setenta e oitenta), e tiveram que migrar para as cidades acreanas onde vivem ainda desarrumadas, dependendo de mais investimento estadual e federal para melhorar de vida.

Reconheço que o Acre avançou muito nos governos do PT e da Frente Popular,  e que Lula e Dilma fazem bem ao estado e ao Brasil. Mas, no cenário politico atual, vejo Marina próxima da ideia de sustentabilidade, mais que os demais candidatos à Presidência. Também me anima saber que ela participou das comunidades eclesiais de base da igreja de D. Moacyr Grechi, foi amiga de Chico Mendes e lutou, com coragem e inteligência, contra a destruição de nossas florestas.

Ah, ela é (ou foi) amiga dos irmãos Jorge e Tião Viana, e ajudou a fundar o PT.


N.A: Texto publicado na sexta-feira, 15, no jornal A Gazeta, no Acre.


domingo, 10 de agosto de 2014

Misturado e perigoso

*Elson Martins

A eleição para governador do Acre de 2014 é a terceira em que sou levado a votar com sobrosso, pensando no risco de entregar nossa terra a um grupo de pessoas estranhas à sua história, cultura e tradições. Portanto,  pessoas sem identidade com os nossos sentimentos e modos de vida, que tentam nos impingir a barbárie que trouxeram de outras regiões. Em 2002, 2006 e 2010, escrevi meus temores de que, entre “Nós”, acreanos nascidos ou de coração, e “Eles”, representados por agressores que nos anos 1970/1980 agiam como se fossem “os novos donos do Acre”, tivéssemos que abrir mão de nossas conquistas como povos da floresta para cair na ambição capitalista que os movem.

O quadro que vejo na politica atual é difuso, uma mistura de siglas e discursos que dificulta a opção pelo voto consciente, sobretudo, entre os eleitores mais jovens, que não possuem a memória do que aconteceu por aqui há três décadas. Sei que o que aconteceu é recente, à luz da história, mas a novidade da informação eletrônica, a ascensão do capitalismo no mundo e os erros políticos de quem não consegue valorizar o protagonismo de quem faz a nossa resistência, acabam abrindo uma fresta perigosa aos inimigos da acreanidade.

Um observador atento poderá enxergar, mesmo no amontoado de asneiras que é  lançado diariamente nas redes sociais, pela internet, a força politica que permanece viva entre as nossas raízes. Uma simples fotografia da Gameleira num fim de tarde desperta, como se viu esta semana na Fanpage do senador Jorge Viana, uma unanimidade amorosa, um sentimento verdadeiro de quem se enleva com uma natureza exuberante, de cujo mistério, certamente, vamos poder construir o mundo novo e bom que tanto queremos para todos. O mesmo sentimento estava presente, há duas ou três semanas, nos espaços da universidade Federal do Acre, apinhados de jovens curiosos e esperançosos, durante a 66a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Nos amplos e promissores espaços fervilhavam gerações num diálogo entre saberes, entre tradição e modernidade...

 Seringueiros preparados para um "empate" na Fazenda Bordon, em 1987. (foto: Elson Martins)

Era como se a universidade estivesse acordando de um sono profundo, abrindo os olhos para enxergar o conhecimento dos extrativistas e dos indígenas, dos povos da floresta, o amor e a irreverencia dos jovens, a mente aberta dos cientistas apontando para o admirável mundo novo de uma comunidade fraterna possível.  Esse mundo está tão perto: está na periferia de nossa morna cidade, nas beiras de rios que desbarrancam preguiçosamente; nas periferias pobres, mas solidárias de nossas cidades e vilas; no conhecimento ancestral que decifra venenos e curas; nos gestos suaves e sábios de quem há séculos dorme com a natureza e sonha, sem maldade, para acordar com o rosto limpo e belo da simplicidade.

Ah! Doutores!  Políticos! Gestores da vida pública! Ah! Candidatos que exploram as dores do povo! Não se deixem enganar pelas aparências. Aquele senhor que vende pipoca e bombons numa birosca na esquina sabe mais que vocês, sobre como entrar e sair da floresta densa e não se perder nela; conhece remédios e fibras; sabe os nomes de quem vive muito longe; não se ofende com a solidão; tem tantas ideias simples de como viver em paz.. Sem ambição! A natureza está em nós, acreanos, e atrai, às vezes, com o hálito quente da jibóia que precisa se alimentar. Mas isso não é dominação. Não é arrogância. Não é desejo mesquinho de se apropriar de corações e mentes.

A história do Acre é uma história de bravos que orgulha aos filhos e os empurra para a resistência contra os invasores que ofendem. Essa é a politica que está em jogo nas eleições de 2014. Durante cem anos vivemos como povos invisíveis, alimentados por duas espécies da floresta – a seringueira e a castanheira. Hoje, sabemos que podemos viver outros tempos mais longos, com novas espécies, descobertas ou a serem descobertas, porque a riqueza do estado é a floresta e os que a reconhecem como tal.  Não precisamos de agouros de quem quer colocar outra forma de vida no seu lugar.

Se isso é um recado? Acho que sim! E o deixo, a quem interessar possa, porque não quero ver o Acre parecido com São Paulo, ou com o Paraná, ou com o Mato Grosso. Quero ver o Acre prosperar e se tornar um lugar bom para se viver, mas com a cara do Acre. Com a riqueza da sua floresta explorada com parcimônia, sem destruição e partilhada por todos.

Quem duvida que isso seja possível, procure acompanhar o encontro internacional do GCF que vai acontecer em Rio Branco no período de 11 a 14 deste mês. Especialistas de 7 países (Estados Unidos, Brasil, Indonésia, México, Nigéria, Peru e Espanha) vão apresentar estratégias e propor negociações que garantam pagamento a quem não desmata e, portanto, não lança dióxido de carbono na atmosfera gerando o efeito estufa. Quem age assim, presta um serviço ambiental: preserva a Natureza, salva o Planeta  e, claro,  precisa ser bem pago.