terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Xapuri dá nome e inspira revista em Goiás

* Elson Marins

Zezé Weiss - Foto: Facebook


Aqui no Acre pouca gente viu, mas circula em Brasília e outras cidades do país, desde o fim do ano passado, a revista “Xapuri Socioambiental”, cujo n.13 circulou em novembro. É uma publicação de muito bom gosto, colorida, que explora temas diversos em reportagens muito bem escritas, com fotos lindas e diagramação impecável! Ainda se dá ao luxo de usar papel reciclado.

Quando a vi, fiquei impactado e quis logo saber: quem, em Xapuri, está editando uma revista tão bonita?

Por isso fui direto ao expediente. E me deparei com o nome da Zezé Weiss, que puxa outros bem conhecidos e qualificados jornalistas, escritores e pesquisadores. Lá estava o Jaime Sautchuk, cujos textos aprecio desde o tempo da imprensa alternativa nos jornais Opinião e Movimento. Ele brilhou também na grande imprensa: em O Globo, Estadão, Folha de S.Paulo e Veja. E escreveu livros. E fez vídeos bonitos, até ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos com “Balbina, Destruição e Morte”

Colaboradores de peso como Joseph Weiss (engenheiro,PhD) Leonardo Boff (teólogo, filósofo, escritor), Lúcia Resende (mestra em Educação), Jacy Afonso (dirigente nacional da CUT), Eduardo de Deus (acreano, pesquisador) e mais gente especial vai se chegando para colaborar com a revista dando o seu tom. No Conselho Editorial encontramos o nosso ex-governador Binho Marques e mais uma dezena de jornalistas, escritores e militantes

A Zezé Weiss, que aparece como produtora e editora-chefe, é uma velha conhecida dos acreanos. Foi ela quem produziu o livro-album Vozes da Floresta, em 2008, montando histórias e perfis de pessoas que protagonizaram entre os anos 1970 e 1990 os movimentos socioambientais que projetaram Chico Mendes para o mundo. Zezé conheceu Chico Mendes e se envolveu com sua luta em defesa dos povos da floresta.

É ela quem explica de onde vem a inspiração da revista Xapuri, “made in” Formosa, no Estado de Goiás, onde vive: “Nossa inspiração vem do exemplo de nossas populações indígenas, ribeirinhas, extrativistas e quilombolas que, desde o “princípio das coisas”, sempre fizeram e ainda hoje fazem o ‘que tem de ser feito’ para viver uma vida inteligente, saudável, feliz e sustentável.”

Explica também o que seu qualificado grupo faz:

“De tudo, fazemos um pouco, e sempre com muito carinho. Em comunicação: mídia eletrônica, jornais, revistas, livros, planos de mídia, planos de marketing. Em projetos: planejamento, projetos técnicos, projetos sociais, captação de recursos, gestão, execução, acompanhamento e prestação de contas. Em especial, prestamos consultoria técnica a entidades e governos na captação de recursos junto ao governo federal”.

Entrevero - A revista Xapuri ainda não se espalhou pelo Acre, que a inspirou, porque sua editora-chefe foi acometida de um câncer e teve que permanecer mais tempo em Formosa (Goiás) se submetendo a tratamento rigoroso. Mas a revista continuou crescendo com a ajuda de vários “anjos”, como ele mesma diz. Zezé está vencendo também a doença, com tempo para alimentar sua página no Facebook. Eis um dos recados que colocou recentemente:

“SALVE! A partir de 16 de novembro, você paga 95 reais por 12 edições que circulam mensalmente. Contamos com sua parceria para fazer uma revista cada vez mais linda, mais alto astral e mais cheia de bons conteúdos. Vem com a gente! www.xapuri.info/assine”.

Para fazer justiça, preciso dizer que a revista Xapuri, embora junte renomados especialistas em suas edições não é uma publicação para acadêmicos, ou melhor, para entendidos, que de tão especial vire uma “chatice”. Nada disso. A revista é faceira, tem a cara do Brasil, da Amazônia e se parece também com o Acre na sua singeleza. Por exemplo: na edição n.4, de fevereiro, a publicitária Amanda Lima ocupa duas páginas para ensinar a receita de “Requeijão caseiro – delícia da Roça”.

Aqui e ali o leitor se depara com uma encantadora história de vida de personagens que vivem pelos sertões brasileiros, ou nos confins da Amazônia. Ou se surpreende com uma tradição indígena, ou com um poema da Cora Coralina, ou com experiência de educação ambiental que podia ser desenvolvida em seu bairro, em sua comunidade. Também puxa a orelha de prefeitos que não enxergam que cuidar das calçadas nas grandes e pequenas cidades é uma questão prioritária.


Aproveite! Assine Xapuri!

Capas de revista Xapuri Socioambiental produzidas em 2015 – Foto: Reprodução

Prováveis consequências do aquecimento global para o Brasil

(Trecho de uma matéria assinada por Joseph S. Weiss* na edição de Novembro da atraente revista de Zezé Weiss):

Caso o mundo não consiga limitar o aquecimento a 2 graus centigrados com relação a meados do século 19, como se prevê com a COP-21, o Brasil sofrerá várias consequências. Algumas delas:

Amazônia – até 60% da floresta pode virar cerrado a partir de 2050.

Nordeste – aumentará a tendência à desertificação. O calor aumentará a evaporação, os solos serão mais secos, prejudicando a agricultura familiar e a irrigação.

Sul – o clima muito mais quente tornará inviável a produção de grãos. Haverá chuvas e ventos fortes, porém infrequentes.

Centro-Oeste – as chuvas serão mais concentradas, entremeadas de vários veranicos. A erosão prejudicará a agricultura. Assim mesmo, a produção deslocará do Sul pata essa região.

Sudeste – Na Bacia do Prata, que corresponde a 1/6 do Brasil e onde vive a maior parte dos brasileiros, haverá muito menos água para beber e para gerar energia.

Cidades – serão mais quentes, prejudicando os bairros pobres, sujeitos a mais inundações, enchentes e desmoronamentos. Haverá mais doenças, como dengue e malária.

*Engenheiro Agrônomo Ph.D – diretor da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica.

A luta de Lula no Acre

* Elson Martins



Em dezembro de 1988, Lula discursa junto ao caixão de Chico Mendes, no velório dentro da igreja de Xapuri



Em toda a história deste País, nenhum chefe politico e Presidente da República visitou e fez tanto pelo Acre quanto Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. Hoje, na condição de ex-Presidente “demonizado” pelas elites do Sul e Sudeste, com utilização em larga escala das redes sociais via Internet, ele chega a Rio Branco pela 25ª vez e na segunda-feira, 30*, segue cedinho a Brasileia, na Fronteira com a Bolívia, para participar do I Encontro das Cadeias Produtivas Sustentáveis. Na ocasião vai inaugurar o Frigorífico Dom Porquito, inserido na parceria governo- empresa-comunidade que inova com atividades produtivas sustentáveis em áreas abertas da região do Alto Acre.

Lula começou sua amizade com os acreanos em fins dos anos 70, quando era líder metalúrgico na região do ABC paulista. De lá para cá, nunca deixou de participar dos acontecimentos sindicais e políticos que promoveram mudanças fundamentais no Acre. Em julho de 1980, participou em Brasileia do protesto pelo assassinato do presidente do sindicato dos Trabalhadores Rurais Wilson Pinheiro, a mando de fazendeiros. Ao discursar de um palanque improvisado na carroceria de um caminhão, em frente ao sindicato, declarou: “Está na hora da onça beber água!”

O recado foi entendido pelos companheiros de Wilson que ao retornarem para suas colocações de seringa, toparam no caminho com o capataz da Fazenda Nova Promissão, Nilo Sérgio, principal suspeito do crime, e meteram bala nele. A Policia Militar prendeu e torturou mais de 40 seringueiros, enquanto Lula e outras lideranças como Chico Mendes e o delegado regional da Contag, João Maia, eram enquadrados na Lei de Segurança Nacional do regime militar.

No dia 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi morto em condições semelhantes pelo peão Darcy Alves a mando do pai fazendeiro Darli. Desta vez, Lula, na condição de deputado federal (PT) fez longo e polêmico discurso ao lado do caixão do líder seringueiro durante o velório na igreja de São Sebastião em Xapuri. Como diretor da TV Aldeia na época, encaminhei a gravação em fita Umatic (ver na foto).

Nas eleições de 1990 para o Governo do Estado, o candidato Edmundo Pinto, do PDS (partido antecessor do DEM), ganhou do estreante Jorge Viana (PT) no segundo turno. Preocupado com o destino que seria dado à fita na nova administração, favorável aos fazendeiros, tomei o cuidado de fazer cópia e levar comigo para o Amapá onde vivi 13 anos como assessor do governador João Alberto Capiberibe (1995-2002) e editor do jornal Folha do Amapá. De volta ao Acre, em 2003, consegui fazer cópia digital dessa e de outras 33 fitas que passei para o acervo da Biblioteca da Floresta e para a TV em 2008.

Em 2010, portanto 22 anos depois daquele acontecimento trágico, transcrevi e publiquei no Almanacre o discurso ontológico que marca a relação do atual ex-Presidente como amigo e parceiro dos acreanos desde aqueles tempos tristes. Vale a pena ler de novo.

Discurso corajoso (1988):

O Chico termina numa entrevista que ele deu ao jornal do Brasil dizendo o seguinte: “Eu quero ficar vivo para ajudar a salvar a Amazônia, eu não quero morrer, porque esse negócio de ato público depois da morte, esse negócio de grandes enterros acaba no dia seguinte”. Esse era o pensamento do velho Chico, há tempo, pois ele participou junto comigo do ato de solidariedade ao companheiro Wilson Pinheiro, morto em Brasiléia dentro do sindicato em 21 de julho de 1980, e falou isso (…).

Chico conseguiu juntar a bandeira do direito ao trabalho, do direito à vida dos trabalhadores desse Estado e dessa região com uma luta pela defesa do meio ambiente. Por quê? Porque preservar o meio ambiente para os trabalhadores que moram na região amazônica, preservar as árvores, preservar as castanheiras, preservar as seringueiras é, na verdade, preservar o direito do feijão e do arroz de cada criança dessa região. Porque o gado traz riqueza pro dono do gado, mas não traz sequer carne para os companheiros que trabalham aqui. E o que o companheiro Chico queria? Ele queria pura e simplesmente que deixassem a mata, que era instrumento de sobrevivência de milhares e milhares de trabalhadores, em paz; que fossem plantar gado noutro lugar, criar gado noutro lugar, mas deixassem aqui a mata, as seringueiras, as castanheiras, pros trabalhadores sobreviverem.

Na TV Globo o doutor Romeu Thuma, a quem o Chico enviou várias cartas, dizia o quê? Que a culpa do que está acontecendo aqui é da Polícia Militar… Mas nós precisamos dizer que a culpa não é apenas da polícia militar, a culpa é de todos eles juntos: é da polícia federal, é da polícia militar, da justiça brasileira, da Presidência da República (José Sarney- PMDB), porque, quando eles inventam que vêm aqui desarmar o povo, quem que eles desarmam? Eles pegam a espingardinha de caçar preá do trabalhador e deixam os fazendeiros com metralhadoras, calibre 12.

O companheiro Chico não ganhou as eleições (Chico foi candidato a deputado estadual em 1982 e a prefeito de Xapuri em 1985) e alguns imaginavam que a partir daí fosse desanimar. Qual não foi a surpresa dele: ao invés de desanimar, a luta do companheiro Chico ganhou outra dimensão; ele começou a ser reconhecido por organismos internacionais, pelo Banco Mundial, pelo BID, pelo movimento ecológico do mundo inteiro; começou a ser reconhecido, a ganhar prêmio, a viajar e a contar no mundo o que acontecia aqui; e começou inclusive a dar palpite, opinião sobre empréstimos que empresas estrangeiras ou bancos estatais iam fazer aqui, e por isso aumentou o ódio dos grandes proprietários contra o companheiro Chico. Aumentou o ódio a ponto de culminar com a morte dele no dia 22.

O quê que essas pessoas imaginam? Será que essas pessoas são tão burras que imaginam que matando Chico Mendes, mataram a luta do Chico Mendes? Será que eles não percebem (aplausos), será que esses ricos não têm exemplo na história, será que eles não percebem que esse mesmos grupos de ricos mandaram matar Jesus Cristo há dois mil anos atrás? E o povo não esqueceu as ideias de Jesus Cristo. Será que esses mesmos não estão lembrados que foram eles que mandaram matar Tiradentes, esquartejar e colocar sua carne pendurada nos postes, para que o povo nunca mais se lembrasse quem era Tiradentes? 30 anos depois o Brasil conquistou sua independência.

Eu queria dizer pra vocês uma coisa bem simples, pra cada um de vocês guardar na cabeça. Vocês conheciam bem o caboclo Chico, vocês sabiam bem o que Chico queria, vocês sabiam o que Chico dizia, vocês sabiam o que o Chico pensava. Pois bem, o que o companheiro Chico, que deve estar no céu nesse instante, espera de cada um? Ele espera que aumente a coragem e a disposição de luta de cada companheiro. Ele dizia sempre: no dia em que eu morrer meus companheiros vão se dobrar, cada um vai valer por 10 e a luta vai continuar. E é isso que tem que acontecer (aplausos). Porque se agora houver por parte dos trabalhadores e de todos nós, medo e preocupação, o quê que vai acontecer? Eles vão ficar rindo da vida e vão matar mais. O quê que nós deveremos esperar? Em primeiro lugar, nós achamos que o povo brasileiro quer justiça, e que a polícia prenda esses assassinos do companheiro Chico.

Se é verdade que esses dois sujeitos (Darli e Alvarino Alves) tinham 30 mil hectares aqui; se é verdade que eles eram bandidos em Minas e no Paraná e já vieram fugidos; se é verdade que aqui eles ficaram contratando grileiros e já mataram mais de um trabalhador, e se é verdade que essa propriedade deles pode até ser grilada… O quê que deveria acontecer como atitude nobre do governo? O governo deveria desapropriar essa terra e dar para os trabalhadores rurais cultivarem, ao invés de deixá-las ficar nas mãos de bandidos e grileiros; porque, se o governo fizesse isso e cada fazendeiro que manda matar alguém perdesse sua terra, na verdade essas pessoas iriam ter medo de continuar matando trabalhador rural (…).

Nós precisamos dizer em alto e bom som: o governo precisa começar a investigar cada crime colocando policiais sérios pra fazer isso, porque nós sabemos que tem muitos policiais que são capachos de fazendeiros (aplausos) na cidade. É preciso que haja seriedade e vocês sabem, companheiros, pra terminar, que cada um de nós, tanto nós de São Paulo, como companheiros do Acre, de Rondônia, que chegaram aqui agora, sabemos que temos um compromisso sério: é não deixar a coisa agora esfriar, é não deixar, sabe, o que eles querem, que o povo esqueça o companheiro Chico Mendes. Agora é que nós temos que mostrar pra eles que nós vamos fazer a luta do companheiro Chico Mendes ser conhecida nesse país. Agora que vamos arrumar solidariedade, não apenas pra dar sobrevivência para a companheira do Chico e de seus filhos, mas arrumar solidariedade pra dar ajuda concreta à luta dos trabalhadores que defendem a Amazônia, a luta dos trabalhadores que defendem o seringal, a luta dos trabalhadores que defendem a manutenção das castanheiras e a luta dos trabalhadores que brigam por reforma agrária.

A classe dominante tá ficando com medo, porque ela sabe que a classe trabalhadora tá amadurecendo; ela sabe que a classe trabalhadora tá tomando consciência, ela sabe que aqui hoje tá PV, PT, daqui a pouco chegam companheiros do PMDB, daqui a pouco chegam do PDT, sei lá, o movimento sindical… Ela sabe que tá crescendo a solidariedade e começa a ficar com medo.

Eu acho que é um compromisso dos partidos políticos progressistas, do movimento sindical, da CUT, da CGT, que a gente precisa transformar cada palavra do Chico numa profissão de fé por esse país aí afora. Daqui a pouco eles vão perceber que o que Chico falava aqui e era ouvido apenas pelos companheiros do sindicato dele vai ser discutido lá no agreste de Pernambuco, lá na Bahia, na favela de São Paulo (…). Nós deveremos eleger o Chico, hoje, o símbolo da descrença desse governo, deveremos eleger o companheiro Chico hoje como o mártir da classe trabalhadora camponesa desse país, porque o que ele fez foi dedicar 44 anos da sua vida à luta pela liberdade dos trabalhadores.

A morte do Chico não foi o fim, ela foi o início da libertação da classe trabalhadora brasileira.

*Texto publicado originalmente na coluna do Jornal Página 20, em 28 de novembro de 2015.

Amazônia tem “oceano subterrâneo”

Elton Alisson

O Acre inteiro tem um mar de água doce por baixo (conforme mapa publicado pela Fapesp)
A Amazônia possui uma reserva de água subterrânea com volume estimado em mais de 160 trilhões de metros cúbicos, estimou Francisco de Assis Matos de Abreu, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que terminou no dia 27 de julho de 2014, no campus da Universidade Federal do Acre (UFAC), em Rio Branco.

O volume é 3,5 vezes maior do que o do Aquífero Guarani – depósito de água doce subterrânea que abrange os territórios do Uruguai, da Argentina, do Paraguai e principalmente do Brasil, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados (km2) de extensão.

“A reserva subterrânea representa mais de 80% do total da água da Amazônia. A água dos rios amazônicos, por exemplo, representa somente 8% do sistema hidrológico do bioma e as águas atmosféricas têm, mais ou menos, esse mesmo percentual de participação”, disse Abreu durante o evento.

O conhecimento sobre esse “oceano subterrâneo”, contudo, ainda é muito escasso e precisa ser aprimorado tanto para avaliar a possibilidade de uso para abastecimento humano como para preservá-lo em razão de sua importância para o equilíbrio do ciclo hidrográfico regional.

De acordo com Abreu, as pesquisas sobre o Aquífero Amazônia foram iniciadas há apenas 10 anos, quando ele e outros pesquisadores da UFPA e da Universidade Federal do Ceará (UFC) realizaram um estudo sobre o Aquífero Alter do Chão, no distrito de Santarém (PA).

O estudo indicou que o aquífero, situado em meio ao cenário de uma das mais belas praias fluviais do país, teria um depósito de água doce subterrânea com volume estimado em 86,4 trilhões de metros cúbicos.

“Ficamos muito assustados com os resultados do estudo e resolvemos aprofundá-lo. Para a nossa surpresa, descobrimos que o Aquífero Alter do Chão integra um sistema hidrogeológico que abrange as bacias sedimentares do Acre, Solimões, Amazonas e Marajó. De forma conjunta, essas quatro bacias possuem, aproximadamente, uma superfície de 1,3 milhão de quilômetros quadrados”, disse Abreu.

Denominado pelo pesquisador e colaboradores Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga), o sistema hidrogeológico começou a ser formado a partir do período Cretáceo, há cerca de 135 milhões de anos.

Em razão de processos geológicos ocorridos nesse período foi depositada, nas quatro bacias sedimentares, uma extensa cobertura sedimentar, com espessuras da ordem de milhares de metros, explicou Abreu.

“O Saga é um sistema hidrogeológico transfronteiriço, uma vez que abrange outros países da América do Sul. Mas o Brasil detém 67% do sistema”, disse.

Uma das limitações à utilização da água disponível no reservatório, contudo, é a precariedade do conhecimento sobre a sua qualidade, apontou o pesquisador. “Queremos obter informações sobre a qualidade da água encontrada no reservatório para identificar se é apropriada para o consumo.”

“Estimamos que o volume de água do Saga a ser usado em médio prazo para abastecimento humano, industrial ou para irrigação agrícola será muito pequeno em razão do tamanho da reserva e da profundidade dos poços construídos hoje na região, que não passam de 500 metros e têm vazão elevada, de 100 a 500 metros cúbicos por hora”, disse.

Como esse reservatório subterrâneo representa 80% da água do ciclo hidrológico da Amazônia, é preciso olhá-lo como uma reserva estratégica para o país, segundo Abreu.

“A Amazônia transfere, na interação entre a floresta e os recursos hídricos, associada ao movimento de rotação da Terra, cerca de 8 trilhões de metros cúbicos de água anualmente para outras regiões do Brasil. Essa água, que não é utilizada pela população que vive aqui na região, representa um serviço ambiental colossal prestado pelo bioma ao país, uma vez que sustenta o agronegócio brasileiro e o regime de chuvas responsável pelo enchimento dos reservatórios produtores de hidroeletricidade nas regiões Sul e Sudeste do país”, avaliou.

Vulnerabilidades - De acordo com Ingo Daniel Wahnfried, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), um dos principais obstáculos para estudar o Aquífero Amazônia é a complexidade do sistema.

Como o reservatório é composto por grandes rios, com camadas sedimentares de diferentes profundidades, é difícil definir, por exemplo, dados de fluxo da água subterrânea para todo sistema hidrogeológico amazônico.

“Há alguns estudos em andamento, mas é preciso muito mais. É necessário avaliarmos, por exemplo, qual a vulnerabilidade do Aquífero Amazônia à contaminação”, disse Wahnfried, que realizou doutorado direto com Bolsa da FAPESP.

Diferentemente do Aquífero Guarani, acessível apenas por suas bordas – uma vez que há uma camada de basalto com dois quilômetros de extensão sobre o reservatório de água –, as áreas do Aquífero Amazônia são permanentemente livres.

Em áreas de floresta, essa exposição do aquífero não representa um risco. Já em áreas urbanas, como nas capitais dos estados amazônicos, isso pode representar um problema sério. “Ainda não sabemos o nível de vulnerabilidade do sistema aquífero da Amazônia em cidades como Manaus”, disse Wahnfried.

Segundo o pesquisador, tal como a água superficial (dos rios), a água subterrânea é amplamente distribuída e disponível na Amazônia. No Amazonas, 71% dos 62 municípios utilizam água subterrânea (mas não do aquífero) como a principal fonte de abastecimento público, apesar de o estado ser banhado pelos rios Negro, Solimões e Amazonas.

Já dos 22 municípios do Estado do Acre, quatro são totalmente abastecidos com água subterrânea. “Apesar de esses municípios estarem no meio da Amazônia, eles não usam as águas dos rios da região em seus sistemas públicos de abastecimento”, avaliou Wahnfried.

Algumas das razões para o uso expressivo de água subterrânea na Amazônia são o acesso fácil e a boa qualidade desse tipo de água, que apresenta menor risco de contaminação do que a água superficial.

Além disso, o nível de água dos rios na Amazônia varia muito durante o ano. Há cidades na região que, em períodos de chuva, ficam a poucos metros de um rio. Já em períodos de estiagem, o nível do rio baixa 15 metros e a distância dele para a cidade passa a ser de 200 metros, exemplificou.
*Graduado em jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), com extensão em jornalismo impresso pela Universidade de Navarra, da Espanha, e em jornalismo econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) – Agência FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.