quinta-feira, 21 de junho de 2007

A cor sutil da Amazônia


Caro Elson:
Li tua última matéria no jornal Página 20, sobre o artista acreano Ivan Campos.


Depois de ver alguns trabalhos (quadros a óleo) de um jovem pintor de Rio Branco na década de oitenta, fiz alguns comentários para um amigo. Lembro-me de ter dito que o desenho apreendia o que poderíamos entender como floresta amazônica, já as cores, não. Meu amigo emendou: as cores são muito Disney. Certamente meu interlocutor, se não me falha a memória o professor Reginaldo Castela, traduzia a minha primeira impressão daquele trabalho de um artista que apenas nascia. Ivan ainda se desdobrava na busca da melhor forma de expressão para uma realidade arredia e que tem gerado muitos erros, ou incapacidade de traduzi-la nas diversas manifestações das artes plásticas.


Um bom exemplo dessa incapacidade está em algumas experiências realizadas pelas equipes da Rede Globo de Televisão. Na tentativa de levar para a telinha a obra de Márcio de Souza, Mad Maria, para traduzir a realidade da época da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, a produção demonstrou incompreensão do ar próprio de uma floresta, a sua ambientação, as suas luzes e sombras, as suas cores.. Em Mad Maria a luz é dourada, aquele amarelo que lembra a luz que toma conta de qualquer representação de cenas do Nordeste brasileiro. Isto não expressa a idéia da floresta amazônica (...)


A falta de fidelidade ao que é o ambiente marcado pela floresta densa se repete para a última tentativa da rede Globo, na mini série Amazônia. Entre as poucas coisas que assisti, tinha uma cena retratando a entrada de "brabos" nos seringais: o caminho da floresta mostrado como um varadouro contava com um "mato rasteiro", algo tipo capoeira, banhado pela luz do sol. A paisagem inteira nem de longe lembra o que pode ser visto como varadouro no que conhecemos como seringal.


Faz alguns anos, estive numa audiência com o governador Jorge Viana. Fui introduzido ao seu gabinete num momento em que o governador se ausentara e fui saudado por um amplo quadro tomando conta da parede. No exato momento em que eu pronunciava a frase: "ele conseguiu", o governador que entrou na sala perguntou-me o que eu dissera. Expliquei-lhe o motivo da minha surpresa e satisfação. Ivan conseguira unir o desenho com a cor numa representação perfeita do ambiente formado pela floresta amazônica. O desenho reconstruía a realidade como uma unidade de objetos, matérias e animais integrando um mundo de variadas possibilidades do verde; era uma profusão de vida. O ambiente cheio de vida e, muitas vezes, marcado pela algazarra, também pode ser soturno, denso, misterioso, majestoso.


Concordo contigo, Elson, Ivan precisa ser mais conhecido. A tua matéria deu-me a alegria de sabê-lo ainda apegado aos seus pincéis.

Mário Lima
(acreano, economista e professor da Unicamp, SP)

CRIANÇAS PAGÃS VIRAVAM BORBOLETAS...


Océlio Medeiros*

O Frei José e o Padre Peregrino – dois missionários que passaram a figurar no folclore acreano – diziam que as crianças natimortas viravam anjinhos. Os meninos que morriam sem terem sido batizados, ou pagãos, transformavam-se nos enxames de borboletas amarelas que esvoaçavam sobre as poças, cheias de “cabeças-de-prego”, das águas podres, deixadas nas praias, após as enchentes e os repiquetes.

Os moleques acreanos raramente freqüentavam as aulas. Gazeteiros habituais, passavam o tempo caçando passarinhos com baladeiras e colhendo frutos nos quintais e nos matos. Ainda não havia merenda escolar. E a freqüência escolar só aumentou quando foram servidos munguzás e mingau de arroz.

Os meninos e meninas andavam pelas praias seminus, ou nus. Nadavam em grupos - daí porque se tornaram, inocentemente, precoces sexuais. Filharadas numerosas eram criadas soltas, os mais velhos cuidando dos mais novos, nos quintais, nas ruas, nas beiras de rios, nos matos e igarapés dos sítios.

Os “turcos” dominavam o comércio. E eles têm a sua responsabilidade nas práticas de pedofilia, abuso sexual de menores e exploração do trabalho infantil. Se estivesse vivo, o solteirão Mustafá prestaria melhor depoimento. Antes dos “turcos”, o machismo dos comandantes de gaiolas, dos seringueiros, dos caixeiros viajantes e dos soldados contribuiram para que a palavra acreana tivesse sentido pejorativo nos clássicos dicionários.

Será que os “besouros” (pedófilos) e os “papa-anjos” (tarados pelas menininhas) fazem parte da cultura acreana como herança do machismo, que desbravou e povoou o Noroeste?

ADOLESCENTES “A VER NAVIOS”

Havia raras escolas, educadores particulares ou pessoas de casa que pudessem desemburrar as crianças, fossem estas da cidade, dos povoados ou dos seringais. Meninos e meninas não tinham o que fazer. Os mais endiabrados se refugiavam nas curvas dos rios com medo do futuro, a olhar navios.

A alfabetização era mais caseira. As mães delegavam aos filhos mais velhos, que eram alfabetizados, as responsabilidades educativas. As irmãs mais velhas e mais inteligentes e letradas foram as primeiras professoras dos menores. Os pais não perdiam tempo com atividades domésticas: sempre foram machões, que emprenhavam as esposas e companheiras, teúdas e manteúdas a fim de poderem “dar conta” das raparigas e das “casas militares”.
Não havia nenhum futuro para os que não eram alfabetizados em casa ou nos grupos escolares do Acre Território. Não havia cálculos de PIB como hoje. Na administração territorial os setores de serviços eram as únicas fontes de emprego. Os que não podiam emigrar ficavam olhando o fundo do poço, procurando o futuro.

O Patronato Agrícola era a única escola profissional em Rio Branco. Sem cursos profissionalizantes, nem secundários e nem superiores, os recém saídos dos grupos escolares e das escolas isoladas ficavam nos alpendres dos barracões a olhar o primeiro navio da alagação.
Se não eram caixeiros, nem embarcadiços, ficavam dependentes dos pais e dos amigos. O patronato agrícola foi um fracasso. E a juventude sem horizonte marchava para a maturidade coçando saco, dançando, bebendo e se prostituindo.

O Dr. Peret – baixinho, gordinho, chefe escoteiro de perneiras e chapéu de rover – era o diretor do Patronato. Ministrava aulas práticas de esgrima com bastões de pontas de ferro, pelo Método Moreira César. Era uma “guerra de cuteladas”. E terminava sempre com o “golpe de prima” do vitorioso, e ferimento sangrante do vencido... A mulher do Dr. Peres socorria aos “caídos”, com compressas de arnica.

ASSIM ERA O “DESTINO” DA MOCIDADE

O destino, o futuro e as carreiras dos sem-profissões definidas eram como linhas traçadas entre as mãos, cama-de-gato ou aramados, que se fazem e desfazem.

Aqueles meninos, cujos pais eram comerciantes, bem empregados e contavam com rendas de alugueis, iam para Manaus e Belém a fim de estudarem e voltarem “preparados”. O Said (Farhat) foi estudar no Líbano, de onde voltou afrancesado. Ninguém era mandado para o Rio, ou São Paulo...

Nota: o texto acima faz parte do livro “Histórias Inconvenientes” que Océlio estará lançando ainda este ano em Brasília. A foto e a legenda são do editor desta página.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Somos todos parentes

Há poucos dias, participei de uma “sessão pipoca” na residência do paleontólogo Alceu Ranzi. Na platéia havia umas dez pessoas, todas avisadas da projeção de dois vídeos sobre sítios arqueológicos. O primeiro, de sete minutos, foi produzido pela Trilha Ambiental, do José Paulo Tezza. Tem como título Geoglifos e foi encomendado pelo Sebrae, que organizou um encontro sobre o tema em Rio Branco há duas semanas.

O segundo, bem maior (cerca de 40 minutos), é uma produção recente da TBS (Tokyo Broadcasting Sistem) Vision, Inc.: um especial feito pela tv japonesa sobre escavações arqueológicas em Moxos, região do Beni, na Bolívia. Foi exibido no Japão em março, despertando enorme interesse.

Mas haja pipoca até o pessoal se acostumar com o áudio em japonês e sem legenda. Sem falar que a atenuante, em alguns trechos, era um pesquisador alemão falando... alemão.

Felizmente, o professor Alceu tinha traduzido um resumo em inglês e foi generoso nas explicações. Além disso, da segunda para a terceira parte ninguém mais ligava para o idioma, porque as imagens, rodadas na Bolívia, tinham tudo a ver com nossa região do Alto Acre. Aqui, como lá, existem sítios arqueológicos, só que ainda não pesquisados.

O filme japonês apresenta os resultados das escavações de duas equipes de arqueólogos - explica o professor Alceu Ranzi. A equipe do professor Sanematsu recolheu cerca de 15.000 artefatos desde o inicio dos trabalhos. Ela também encontrou um esqueleto de mais de 1,80 metro, cujo DNA indica ter pertencido ao povo de Shandong, na China, terra do filósofo Confúcio.

Sanematsu, que utiliza imagens de radar em seus estudos, acredita que o sítio é uma tumba.
Já a equipe do Instituto Alemão de Arqueologia, encabeçada por Heiko Prümers, trabalha numa área a 50 quilômetros de Trinidad e acredita estar escavando restos de uma civilização. No local encontraram um esqueleto com mais de 2 metros de altura, ao qual foi dado o nome de “O Nobre”.

Enterrado, supostamente, aos 35 de idade, o Nobre hoje esqueleto exibe ornamentos de pedra, um disco de metal ornando a testa, bracelete de ossos, colar de dentes de onça e brincos com estranho padrão. A datação da peça sugere que ele viveu em torno do ano 660. E a análise de DNA indica que pertenceu ao “Haplo-group B”, ou seja, era mongolóide como os japoneses.
Após as filmagens na Bolivia, a equipe passou para o lado brasileiro para ver as estruturas geométricas (ou geoglifos) do Acre. Nas redondezas de Rio Branco foram achados, desde alguns anos, mais de 120 dessas figuras na forma de círculos, quadrados, quadrados ligados por um canal e estruturas de forma octogonal.

Para Alceu Ranzi, um pioneiro nos achados arqueológicos do Acre, as pesquisas feitas na Bolívia podem representar sinais de uma civilização altamente avançada que viveu em harmonia com a natureza.

“A paisagem de Moxos, formada por belas e complexas linhas, pode ser a expressão de uma antiga cosmologia”, diz ele, citando Clark Erikson, da Universidade da Pensilvânia (USA). “E as estruturas com padrões geométricos, encontradas no Acre, talvez sejam uma mensagem gravada no solo para as futuras gerações.”