domingo, 26 de abril de 2015

Os meninos de Turvo

* Elson Martins

Meninos do Seminário de Turvo fotografados em 1962 (Foto cedida pela organização do encontro)


Na primeira quinzena de janeiro aconteceu no interior de Santa Catarina o 1o. Encontro Nacional de “Os meninos de Turvo” com a presença de 150 pessoas entre ex-alunos ( e familiares) do seminário da Ordem dos Servos de Maria, que funciona na cidade (Turvo) desde meados do século passado. O ex-bispo da Diocese de Rio Branco e atual arcebispo emérito de Porto Velho, D. Moacyr Grechi, foi aluno, professor e reitor do seminário e participou do evento como “nosso menino mais querido”. Outros meninos, que ele trouxe para o Acre a partir dos anos 1970, são os jornalistas Silvio Martinello e Antônio Marmo, o professor de filosofia da UFAC, Silvio Birolo e os fundadores do Colégio Meta, Itamar Zanin e Evaristo de Lucca. Antônio Marmo, que atualmente mora em Ubatuba (SP), integrou a equipe do jornal Varadouro que eu e o Silvio Martinello editamos nos anos 1970/1980 em Rio Branco; por isso pedi a ele que relatasse para o Almanacre como foi a confraternização dos hoje velhinhos turvenses. Ele me mandou a seguinte cartinha eletrônica:

Caro Elson: “Não terei tempo de resumir tudo o que significou este 1º encontro Nacional dos Meninos do Turvo em emoção e resgate de memória, um encontro costurado por uma comissão que percorreu vários estados durante todo o ano de 2014, para concretizar-se nos dias 11, 12 e 13 de janeiro em Santa Catarina. A maioria dos que lá compareceram não se viam há 30, 40, 50 anos.

Mas nesta carta ai abaixo, entregue em mãos a Dom Moacyr Grechi em Porto Velho, numa das viagens de preparação, estão alinhavados o que nos motivou. Dom Moacyr era nosso convidado especial, ponto de referência mais que marcante para todos nós, como nosso orientador desde a infância e depois, por sua atuação firme ai no Acre, exemplo de engajamento e coerência.

Ele compareceu ao Turvo mas, infelizmente, sua saúde não permitiu que participasse cem por cento do evento. Já está debilitado em seus 79 anos.

Acre e Santa Catarina, dois Estados distantes mais de 4 mil km, mas têm tudo a ver. Do seminário de Santa Catarina saíram dezenas de estudantes, padres e colaboradores que seguiram para atuar em terras acreanas, muitos deles, todos catarinenses, ainda trabalhando ai, como o Silvio Martinello, Itamar Zanin, Silvio Bez Birolo, Evaristo de Lucca, entre outros.


Santa Catarina e Acre têm ligações estreitas desde os idos de 1920, quando se instalou a Missão dos Servos de Maria em Rio Branco, sendo o padre Paolino Baldassari, hoje em Sena Madureira, um dos mais antigos a trabalhar aí. Ele foi direto do Turvo para o Acre, em 1956.


Mas tivemos presenças do Brasil todo e do Exterior, como o José Aparecido, hoje trabalhando em Austin Texas, incluindo outro acreano, hoje morando em Fortaleza, o Claudio Oliveira (o Baioco), Narciso Cechinel, do Recife, o médico José Francisco Furtado, de São José dos Campos, todo o grupo do Acre, Porto Velho, Paraná, São Paulo, Minas enfim.


Um encontro inesquecível. Veja ai a carta ao Dom Moacyr explicando os objetivos…


Caríssimo Dom Moacyr Grecchi:

Nós, portadores desta carta-convite somos parte de uma Comissão de ex-alunos seus, engajados há alguns meses na viabilização de um encontro de colegas que passaram pelos vários seminários e/ou conventos da Ordem dos Servos de Maria nos últimos 60 anos.

Todos, desde Turvo, em Santa Catarina até São José dos Campos, passando por São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Branco, no Acre, outros pela Europa, todos carregamos conosco um sentimento real de profunda gratidão pela oportunidade e privilégio que tivemos de absorver a educação que tivemos, da forma como a recebemos e , depois, de aperfeiçoá-la em especializações diversas.

Hoje formamos um grupo que, heterogêneo em suas histórias pessoais mantém-se homogêneo e unido nessa origem comum de seminário. São histórias pessoais que, de uma forma ou de outra, nos colocam em uma escala privilegiada dentro das comunidades onde vivemos, seja como professores em faculdades, doutores, reitores, Juiz, Procurador de Estado, médicos e jornalistas, economistas, executivos empresariais, técnicos, agricultores, consultores. Cidadãos participantes, enfim.

Há um número significativo de membros do grupo ainda fortemente engajado em ações de igreja, como leigos ou mesmo no diaconato e outros, alheios a vínculos com igrejas ou confissões, atuam em ações diretas decorrentes de suas respectivas profissões.

Deste encontro, após tantos anos, esperamos que seja algo mais que simples confraternização festiva entre um churrasco e um abraço. Sua presença para uma conversa amiga no domingo e de outros que esperamos em um painel de troca de experiências, no sábado à noite, poderão levar-nos a amadurecer no grupo objetivos concretos.

É isso que buscamos! É para isso que viajamos até Porto Velho, num reconhecimento da força de sua vivência e exemplo local e nacional. Esperamos pelo senhor no Turvo, nos dias dez e onze de janeiro próximo. Desde já, agradecemos.

A Comissão Organizadora:
Osni Rabelo Quinto Piazza, José Carlos Bueno, Osni Alves,
Joaquim Aparecido, Antônio Marmo e Gabriel Nogueira
São Paulo 10 de outubro de 2014

Os meninos de turvo em janeiro de 2015 (Foto cedida pela organização do encontro)
           
Dom Moacyr Grechi deixou sua impressão sobre o encontro em Turvo no jornal Volta Grande, na edição de 15 de Janeiro de 2015. O atual arcebispo emérito de Porto Velho declarou:

“Eu me sinto feliz ao rever cada um deles e até mesmo reconhece-los, e embora muitos não tenham seguido o caminho de padre, estão conseguindo seguir um caminho de verdadeiros cristãos. Eu queria que nós Servos de Maria, aprendêssemos com Nossa Senhora, é como um velho pai ou velho avô ao ver os filhos, ao ver cada um deles como continuam parecidos”.

domingo, 19 de abril de 2015

José Leite: In Memoriam!

* Elson Martins

Zé Leite: do humor à tristeza com a mesma densidade (Foto: Acervo da família)

Faz 16 anos que o mais reconhecido e amado jornalista acreano nos deixou. No dia 27 de Março de 1998, aos 61 anos, ele submeteu a imprensa do Acre ao luto permanente. Mas também a premiou com um legado de boa escrita com ética e humor. Todo ano esse legado é lembrado pelo Prêmio que leva seu nome e movimenta comunicadores de TV, Rádio e Jornal inspirados em sua rica e exemplar história.

Naquela data triste eu me encontrava em Macapá, comandando o diário Folha do Amapá, mas também emprestava meu nome à direção do tabloide quinzenal O Acre, que começara a circular em Rio Branco com ares de florestania. A morte de José Chalub Leite exigiu a preparação de uma edição especial de 32 páginas, na qual seus amigos, jornalistas ou não, deixaram testemunhos sobre sua personalidade incomum.

Eu produzi a crônica "Tão Zé!" (leia abaixo) pensando na performance que lhe era mais constante: a de brincar na redação, surpreendendo colegas de trabalho com traquinagem. A Charlene Carvalho diz que não foi uma, nem duas vezes que ele escondeu seus sapatos na redação. “Também não foi uma, nem duas vezes que ele encheu minha bolsa de grampeador, bobina de Durex, papel velho, dicionário e me fez sair carregando peso” – declarou.

Clélio Rabelo, outro afortunado aprendiz do editor de O Rio Branco, lembrou manchetes molecas que ele estampou no jornal. Uma delas – “Pinto endurece contra aumento” – referia-se ao fato do ex- governador Edmundo Pinto (1991) ter reagido à proposta de aumento na tarifa de ônibus. Não menos hilária foi outra, com o mesmo personagem, desta vez na Câmara Municipal, num embate com o vereador adversário Rubem Rola: “Pinto e Rola vão às vias de fato na Câmara”.

O espírito moleque do editor o colocava, às vezes, em cheque junto aos leitores, como num 1º de Abril (Dia da Mentira) em que pespegou na capa do jornal: “Xuxa desembarca hoje para alegria da petizada”. Claro, pais e filhos saíram em “desabalada” carreira para o aeroporto Presidente Médici, no 2o. distrito. E foi impressionante como, mesmo contrariados, ninguém se exaltou contra o autor da “pegadinha”!

Um terceiro aprendiz, o Chico Araujo, desolado escreveu: “Caro Zé, eu te confesso, fiquei sem tesão para editar jornal”!

Já a colunista social na época, Wânia Pinheiro, admitiu ter sofrido por conta das “ironias construtivas” do editor ao iniciar-se no jornalismo: “Um dia ele me chamou para conversar. Disse que gostava muito da minha coluna e foi logo perguntando com aquela cara de gozador, se era eu mesmo quem fazia os textos”!

Falando sérioQuarenta pessoas entre jornalistas, políticos, profissionais liberais, desportistas, universitários e membros da família assinaram relatos sobre o Zé na Edição Especial de O Acre. Um deles, o nosso filósofo Antônio Alves (Toinho), um dos editores (do tabloide) que manteve com o Zé uma relação de mútuo aprendizado, escreveu o texto mais longo, do qual apresento pequeno trecho:

“Zé Leite dizia: ‘ninguém vem para o Acre impunemente’. Lendo a frase com outros olhos, digo que o Acre é uma terra cármica: aqui, por mais que enganem as aparências de impunidade, é onde todos pagam suas dívidas. Bebeu água desses rios, não escapa. Que o digam Galvez, Plácido, Chico, Edmundo. Tragédia? Que nada, como toda província que se preza, somos engraçados. Patéticos, ridículos, ingênuos até na esperteza, produzimos os mais variados tipos e as mais deliciosas histórias. Aqui Hamlet é funcionário público e Jeca Tatu é deputado. Torquemada é médico, Van Gogh corta seringa.(…) Por isso o humor, sem o qual não compreendemos nada”.
Tão Zé!
Numa tarde insuportavelmente quente de 1975, eu suava em bicas na redação de O Rio Branco - em sua antiga sede à Rua João Donato com a Avenida Ceará-, redigindo um texto sobre conflito de terras com as costas voltadas para a entrada do jornal. Acho que estava cochilando sobre uma velha Olivetti quando um vira-lata rosnou e abocanhou meus calcanhares. Imaginem o susto! Dei um pulo e caí de bunda no chão sujo de tinta de impressão, enquanto a risadaria ecoava das oficinas ao setor comercial. Após alguns segundos, me dei conta que o suposto “vira-lata” havia corrido de volta à sua mesa de editor-chefe.

Foi mais ou menos assim que conheci o Zé Leite com seu espírito brincalhão. A primeira vez que o vi, ele estava sentado naquela mesa, espremida na entrada do jornal, fumando com auxílio de uma piteira e cercado de pessoas que apareciam diariamente para conversar miolo de pote. O delegado José Tristão, meu cunhado, fez as apresentações.

Após 18 anos fora do Acre eu estava retornando como correspondente do jornal O Estado de São Paulo. Muito prazer, disse o Zé, com uma cara fingida e sem desviar a atenção da conversa com o grupo. O próprio Tristão, quando saímos do jornal, procurou dar uma explicação para a indiferença do editor: “O Zé pensa que todo mundo é picareta. Ele não está acreditando que tu és correspondente do Estadão”, disse.

Passaram-se alguns dias e vi que minhas matérias publicadas no diário paulista estavam sendo reproduzidas em O Rio Branco. Fui lá saber se não interessava ao jornal publicar as matérias completas, sem os cortes feitos na redação em São Paulo. O Zé Leite me recebeu com entusiasmo, dizendo que andava à minha procura para acertar a colaboração. Foi assim que me tornei seu repórter para conflitos fundiários, tendo que me submeter às brincadeiras do editor.

Minha reação naquela tarde canina, porém, não foi boa. Rasguei as laudas que havia redigido e fui para casa demorando a voltar para a redação. O Zé pediu desculpas, com um riso maroto, e penso que nunca as aceitei completamente. Durante anos de camaradagem e identidade jornalística, eu sempre me aproximei dele cauteloso, temendo ser abocanhado outra vez. Eu observava como seus olhos, durante uma conversa, perscrutavam em volta com um rosto inquieto e intrigante.

Creio que esse era o traço mais característico de sua personalidade: um jornalista que seduzia pela inteligência, perspicácia, atenção e dissimulação. Ele parecia orgulhar-se da forma ardilosa como chegava a saber de tudo sem precisar utilizar as informações que detinha. E era humano e ético, o suficiente para evitar má utilização delas.

Como mantinha a dignidade se fazendo necessário em ambientes críticos era outro truque. Nenhum jornalista da época conseguiria, por exemplo, entrar e sair de um governo como o de Orleir Camely (1994/1998) sem uma única acusação. Mas ele atravessava as tendências ideológicas, ilicitudes e destemperos sem arranhão, enquanto ficávamos felizes de recebê-lo do outro lado, são e salvo.

Bom, Zé, vê se agora te comportas com esse teu jeito moleque! Ou, pelo menos, apara as unhas quando for brincar de vira-lata aí no céu…


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Petróleo: o escândalo é antigo

* Elson Martins

O escritor Monteiro Lobato ocupou a mídia de sua
época com a luta em defesa do petróleo brasileiro
Até junho passado eu, por ignorância, pensava que o genial Monteiro Lobato tinha escrito somente livros infantis! Por isso me surpreendi ao encontrar numa livraria (Sebo) de Curitiba, um exemplar amarelado e esgarçado do “Escândalo do Petróleo”, que ele lançou em 1932 pela Editora Brasiliense Ltda, de São Paulo. Paguei a bagatela de 5 reais pela preciosidade de 320 páginas que li de um fôlego só. Pela denúncia, que incluiu uma carta aberta ao então Presidente Getúlio Vargas, o escritor foi perseguido e preso. Decorridos 83 anos, sua obra parece atualíssima e ajuda entender o que ocorre hoje na Petrobrás. Na verdade, “Escândalo…” representa dois livros em um, porque está incluído na edição também o problema Ferro, que Lobato escreveu na mesma época. Se fosse reeditado hoje, viraria best-seller.
A denúncia é aterradora e nos leva a suspeitar que a rapinagem atual na Petrobrás teve sua gênese naqueles tempos. E nunca terminou! Logo na introdução, Monteiro Lobato afirma que o caso do petróleo brasileiro prende-se ao caso do petróleo em geral: “Esse produto é o sangue da terra; é a alma da indústria moderna; é a eficiência do poder militar; é a soberania; é a dominação. Tê-lo, é ter o Sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo, é ser escravo. Daí a fúria moderna na luta pelo petróleo”.
O autor faz uma comparação entre o petróleo, a hulha e o carvão, – estes últimos em desuso, – dizendo que “tais e tantas são as vantagens do petróleo, que o fedorento sangue da terra passou a ser o sangue da indústria, das finanças, do poder e da soberania dos povos.” E indaga: “Se é assim, como então o Brasil se conservou de olhos fechados por tanto tempo?” No parágrafo seguinte ele mesmo responde:
“Por uma razão muito simples. O petróleo está hoje (1932) praticamente monopolizado por dois imensos trustes: a Standard Oil e a Royal Dutch & Shell. Como dominaram o petróleo, dominaram também as finanças, os bancos, o mercado do dinheiro; e como dominaram o dinheiro, dominaram também os governos e as máquinas administrativas. Essa rede de dominação constitui o que neste livro chamamos de os interesses ocultos”.

Cobiça internacional

Monteiro Lobato informa que o Brasil, com seu imenso território e tantos pontos marcados de indícios de petróleo, constituía um perigo para esses trustes. Ele cita o relatório reservado de um geólogo – Gustav Grossman, que estudou secretamente as possibilidades petrolíferas no país – para afirmar: “Dada a sua área, a quantidade de petróleo do Brasil talvez seja maior que a de qualquer outro pais do mundo”. E prossegue: “Esses trustes nos conhecem, sabem que o brasileiro é uma espécie de criança tonta, que realmente só se interessa por jogo, farra, carnavais e anedotas fesceninas. Os estrangeiros sabem que a partir de 1930 o brasileiro cada vez menos se utiliza do cérebro para pensar, como fazem todos os povos”.
O escritor fala de um Brasil que tinha na época 40 milhões de pessoas, e que vivia sob a longa ditadura Vargas. Segundo ele, os estadistas daqueles tempos pensavam com outros órgão que não o cérebro, como o calcanhar, o cotovelo e “certos penduricalhos”! Por conta disso, a miséria era tanta em certas zonas rurais as pessoas estavam perdendo a forma humana. Nos fundões de Goiás, segundo ele, apareciam “povoados inteiros de papudos” e as primeiras “criaturas de rabo”.
Ao mesmo tempo, “graças a uma hábil propaganda feitas até nas estradas de rodagem por meio das bombas de gasolina, os donos dos trustes convenceriam “o indígena bocó” de que era absurdo existir petróleo no Brasil, com uma argumentação tão simplória quanto infalível: “Ora! Ora! Se aqui existisse petróleo, pensa você que os americanos já não tinham tirado”?

Estratégia dos gringos

A estratégia dos gringos, entretanto, era outra: “Não tirar petróleo, nem deixar que o tirem”. Assim, com o conluio dos “petralhas” locais, o Brasil continuaria eternamente comprador do petróleo e seus derivados dos Estados Unidos. Enquanto isso, os “interesses ocultos” eram protegidos com a nomeação de um tal Fleury da Rocha para chefiar o Serviço Geológico brasileiro. Ele se tornaria “dono da ratoeira” montada com a Lei de Minas sonhada pelos trustes:
“A Lei trancava da maneira mais perfeita, a pesquisa e a exploração do subsolo nacional. E quem quisesse explorar o subsolo teria de entrar por uma das portas da ratoeira controlada por Fleury”. Lobato achou vários outros nomes para essa lei entreguista: “Lei Labirinto de Creta. Lei cipó arranha-gato. Lei Arapuca. Lei Rolha. Lei atentado de lesa-pátria”…
No espírito da lei, foram criados novos instrumentos de controle, como o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que, com a orientação de “especialistas” norte-americanos, se encarregava de negar a inexistência de petróleo em poços perfurados com pouca profundidade. “São eles o diretor da Geofísica, Mr. Mark Malamphy; e o diretor de Geologia, Vitor Oppenheim (…) Esses dois homens dispõem, sempre de primeira mão, de todos os segredos do subsolo nacional”.
Os dois “especialistas” chegaram a criar uma firma comercial para uso externo, a Malamphy & Oppenheim, através da qual fechavam contratos nos Estados Unidos com grupos interessados em comprar por baixo dos panos, para uso futuro, terras petrolíferas no Brasil. A ideia era impedir que grupos nacionais ou estrangeiros não norte-americanos adquirissem essas áreas potenciais que deviam ser mantidas como “reservas de valor” pelas Standard Oil da vida.
Mas a potencialidade petrolífera do Brasil era tão óbvia que, no Estado de Alagoas, os “petralhas” não conseguiram tapar os poços com cimento como faziam em outros estados, após anunciarem que “não tinham valor para exploração”. Os poços de lá, curiosamente perfurados na localidade chamada Lobato, acabaram expulsando petróleo abundante, o que deixou os homens do DNPM atônitos. Monteiro Lobato anotou:
“Aquele petróleo livre, saindo muito, assustou o sr. Fleury da Rocha. Daí o seu novo grito de guerra: “Rumo ao Acre”!
Pois, para despistar (ou não), o sr. Vitor Oppenheim já andava por aqui nos anos 30 sondando terras petrolíferas para comprar, ou mesmo perfurar, quem sabe, sabendo da existência do “ouro negro”. Afinal, os países andinos vizinhos, como a Bolívia e o Peru, já enricavam com seu petróleo, por que o Brasil (ou melhor: os Estados Unidos) não haveria de enricar mais no Acre?

Sabe com quem tá falando?

Após passar nove anos enfrentando os trustes estrangeiros e os entreguistas locais que impediam a perfuração de poços e exploração do petróleo brasileiro, com a descarada conivência do governo federal, Monteiro Lobato – que vivia em São Paulo,- decidiu visitar uma empresa recém-instalada no Rio de Janeiro, supostamente, do esquema da Standard Oil norte-americana. O escritor se apresentou como membro de uma empresa petrolífera paulista, mas o diretor que o recebeu, sem conhece-lo, entrou de sola:
“Olhe, vocês são uns sandeus e aquele Monteiro Lobato é o rei dos cretinos. Vocês partem dum ponto de vista inteiramente falso. Vocês partem do ponto de vista de que o petróleo é um negócio nacional, isto é, de cada país. Não é. O petróleo é um negócio internacional, da Standard. Ela criou esse negócio no mundo e o mantém contra tudo e contra todos. O petróleo do mundo é da Standard, onde quer que se encontre. E contra a vontade da Standard nenhum país tira o petróleo que está em suas terras. O único país que até hoje (fim dos anos 40) conseguiu libertar-se da Standard foi a Rússia, por causa da revolução (de 1917); mesmo assim a Standard não deixa que o petróleo russo transponha a fronteira e seja vendido em outros países.
A Argentina descobriu petróleo por mero acaso – mas depois de muita luta teve de dividir o campo com a Standard. Em todos os outros países o negócio do petróleo é conduzido de acordo com a Standard. Contra a sua vontade, em nenhum. Como então vocês, deste pobre país falido, sem forças, sem estadistas, sem governo decente, têm a pretensão de ter petróleo próprio, contra a vontade da Standard”?


      Será que a poderosa Standard Oil norte-americana reduziu seus tentáculos de lá para cá?