terça-feira, 21 de setembro de 2010

Recado consciente

Coluna publicada no Jornal Página 20 | 18set2010
Abrahim (Lhe) Farhat é o militante mais original e verdadeiro das lutas socioambientais do Acre

Esta semana fui pautado pelo Abrahim Farhat Neto, o Lhé, que se recupera de uma operação de hérnia. Ele me telefonou ainda na segunda-feira exigindo o espaço do Almanacre para conversar sobre a história política desta “terra velha”; e falou de alguns “poemas políticos” que gostaria de publicar. Fui à sua casa no início da noite de sexta-feira; está magro, abatido e sente dores quando anda.

Ele começou contando uma historinha eleitoral sobre o primeiro grande líder político do Acre, o major do exército que chegou a general José Guiomard dos Santos, nascido em Minas. Nas eleições de 1958 para deputado federal (eram duas vagas no então Território Federal do Acre), Guiomard foi fazer campanha num seringal e discursou para um grupo de seringueiros:

“Meus amigos, neste meu paletó (vestia um paletó de linho branco, impecável) nunca entrou dinheiro público’... Um dos seringueiros puxou a manga da camisa de outro e cochichou: “repare que ele está de paletó novo”!

Daí recua até 1955 para informar que a Casa Farhat, criada pelo avô libanês Abrahim há 100 anos, no segundo distrito de Rio Branco, foi que lançou na capital o gás de cozinha e o fogão Brasil, acabando com o fogão à lenha tradicional.

A informação, imaginei, tinha a intenção de marcar época. Naquele ano, de fato, entrava em cena o doutor Jonas Garcia, que se revelou notável puxa-saco do então governador Coronel Fontenele recebendo em troca a nomeação para comandar a Secretaria de Segurança Pública. Após mais algumas puxadinhas, virou presidente do Tribunal de Justiça com o direito de, na ausência do governador, assumir o cargo máximo do ex-Território.

Lhé contou que certo dia, chegou do Paraná, via Radional – serviço de rádio precursor do telex – um telegrama do Paraná pedindo ao governador em exercício que determinasse a prisão do puxador de carros Josias de Tal, que, como era sabido, se encontrava refugiado neste Território. Pois não era o próprio?

Mas Lhé não contou o desfecho, preferiu falar do surgimento do PTB e PSD, partidos criados na época e que conduziram a vida política do território por décadas. Viraram MDB e PDS, em seguida (durante a ditadura) PMDB e Arena, e agora aparecem misturados num balaio de siglas, entre as quais, DEM e PP.

Naquele tempo (1955), Abrahim Neto tinha 16 anos e tornara-se presidente de sala do Colégio Acreano iniciando-se na política estudantil. “Sem muita consciência”, passou 5 anos na mesma série fazendo militância. Após esse período, foi transferido (ou jubilado?) do Colégio Acreano para a Etica (Escola Técnica de Comércio) onde recebeu boas influências do sociólogo Hélio Kury (recém-falecido) e ficou conhecendo as idéias do educador Paulo Freire, que tratou de testá-las junto aos estivadores de Rio Branco.

Confesso que a essa altura comecei a me preocupar: a conversa se alongava, o espaço da coluna é pequeno e não atinava até onde o Lhé queria chegar. Bom, ele prosseguiu falando: sobre o primeiro governador eleito após a criação do Estado do Acre (1962), Zé Augusto, destituído pelos militares (1964), e de outra influência que lhe deu um norte político, o militante estudantil Elias Mansour, acreano que estudou no Rio e foi dirigente da UNE (União Nacional dos Estudantes). Elias e Hélio lhe ensinaram a ler Marx à noite, à luz de vela, na Casa ABC no segundo distrito.

Em 1966 chega a Rio Branco o bispo D.Giocondo, que cria o JESCA (movimento de jovens dentro da Igreja), e lá se vai o Lhé mergulhar na Teologia da Libertação. Candidata-se ao grêmio da Etica (1968) e enfrenta o governador da ditadura, Jorge Kalume, comerciante de Xapuri que fazia por merecer alguma patente, tão cioso era ele da orientação militar contra os esquerdistas. “Foi meu batismo de sangue: a primeira greve contra o monopólio da empresa de ônibus”.

Depois vieram as eleições descaradamente fraudadas. Prudente, não quis citar nomes porque “vai dar pau”! Mas lembrou a urna de Xerém que tirou a eleição de Alberto Zaire (PMDB) para o Senado, em 1978, e citou Poty Paschoal, que teve eleição para a Assembléia Estadual garfada.

Ah! Ele percebeu que a política não era “ficha limpa” nem no Acre, nem no Brasil inteiro. E que nepotismo parecia inerente ao poder público. Sentiu isso na família, pois a “brima” (o primo legitimo de Lhé) Paulo Maluf, quando governador de S.Paulo foi pego pelo Ministério Público surrupiando os recursos da merenda escolar para beneficiar a esposa. Recitou, então, seu primeiro poema circunstancial:

“Quem nasceu primeiro,

A galinha da dona Silvia (mulher do Maluf,

O pinto do Pita (ex-prefeito de SP

Ou o ovo do Maluf”?

Descobriu em seguida, fruto de seu amadurecimento político, que o eleitor também é corrupto e acolhe com naturalidade a máxima franciscana ”é dando que se recebe”, ou “toma lá, dá cá”.

Voltando ao seu perfil político: foi candidato ao Senado pelo PT em 1982 concorrendo com o tio Said Farhat, ex-ministro da Comunicação dos militares, com quem trocou insultos. E confirmou na zona rural a existência do eleitor mulateiro. No caso, duas eleitoras, filhas de um amigo que o convidou para almoçar uma galinha caipira. “Vamos embora que dessa mata do Abrahim não sai coelho não” – disseram as meninas correndo para encontro com outro candidato endinheirado.

E tome poema:

“Na minha grande Amazônia

Tem uma árvore que muito me gusta

O sagrado mulateiro

Que muda de casca e de cor”.

Mas o mulateiro, esclarece, muda por uma imposição biológica. Já o político ou eleitor mulateiro... As filas nos hospitais, o desemprego, a fome do povo decorrem dos interesses pessoais deles.

Finalmente, clareia o objetivo do entrevistado: ele quer puxar a orelha dos partidos de esquerda, inclusive do seu PT, aos quais lembra que “só tem duas formas de fazer revolução: pela luta armada ou pela educação política”. Claro que prefere a segunda opção.

A entrevista aconteceu na hora do programa eleitoral gratuito pela TV. Os candidatos trocavam xingamento e prometiam mundos e fundos. Lhé indagou zangado: “Por que em vez de imitarmos os adversários, não aproveitamos para educar o eleitor para a cidadania”? E, mais calmo, procurou ilustrar a queixa: “Estamos com dificuldade para eleger o Edvaldo (PC do B) para o Senado. Aí ficamos escolhendo algumas mães como marketing, esquecendo de falar das outras e sobre o que temos feito por todas elas”.

Deu outra lição: “A turma do DEM está acusando, querendo nos culpar pela violência que acontece no Acre e em todo o país. Eles acabaram com as liberdades e com a educação, instituíram a corrupção, desmontaram o estado brasileiro. Quando pegamos nosso estado (o Acre) a desgraça estava feita. Mas estamos consertando muita coisa. É disso que temos que falar. Da educação e da participação popular na construção de uma nova sociedade”.

Está dado o recado, Lhe. E se cuide!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Núpcias Vermelhas

Coluna publicada no Jornal Página 20 | 12set2010
Adalberto Queiroz, pioneirismo no cinema amador acreano
Provavelmente, pouca gente pode dizer que já viu filme com esse título. Menos ainda um que tenha como ator principal o galã do Cinema Novo brasileiro, Geraldo Del Rey, e que tenha sido produzido, por devaneio, pelo acreano-boliviano Jimmy Barbosa, dono do Cine Acre nos anos 1980. “Núpcias” tem no elenco outra novidade: o doutor professor da Unicamp (SP), Mário Lima, acreano de Brasiléia que se tornou conhecido como autor de artigos acadêmicos publicados na imprensa local. Ele faz uma ponta de mau mocinho,vestido a caráter, que dispara um revolver e sopra a fumaça do cano no melhor estilo western. Quem diria! O cineasta acreano Adalberto Queiroz esteve presente no lançamento do filme em Rio Branco, em 1975, e não gostou: “Foi um fracasso” - disse sexta-feira passada, quando foi doar cópias restauradas de seus próprios filmes para enriquecer o acervo da Biblioteca da Floresta.

Na época, Adalberto já era veterano em dificuldades com o cinema local. Em 1973, por exemplo, filmara com equipamento super-8 o longa “Fracassou Meu Casamento”, que teve destino pior: foi apreendido pela Polícia Federal e recuperado somente em 1979, assim mesmo porque o autor foi a Brasília e insistiu em procurá-lo nos porões da Censura Federal. Lá, na companhia do censor encarregado que insistia em afirmar que o filme não existia naquela montanha de latas com rolos de 35mm (bem maiores) censurados, apontou: “É aquela latinha azul ali”!

Se tivesse ouvido o conselho do Adalberto, Jimmy não teria caído em desgraça com “Núpcias Vermelhas”. O autor de “Fracassou meu casamento” tinha acabado de rodar seu segundo longa, "Rosinha, a Rainha do Sertão” (1974), mas propôs fazer uma versão mais chique com o equipamento 35 mm do empresário. Afinal, a maquininha Super-8 nem som acoplado tinha. Era preciso gravar as falas, ruídos e música em gravadores comuns, para depois mixar a trilha sonora na película das imagens. Nessa tarefa, aliás, Adalberto era um craque: fazia o som de trote de cavalo com o dorso da mão direita, no que muito ajudavam seus dedos magros e compridos, e o som da água remexendo, também com as mãos, o produto numa pequena bacia. Seus companheiros do Ecaja (Estúdio de Cinema Amador de Jovens Acreanos), Teixeirinha e Toni Van completavama improvisação: atuavam, tocavam violão, operavam o projetor, pensavam os roteiros junto com ele. Também cuidavam da trilha sonora com a ajuda de toca-discos. Jimmy, claro, esnobou: preferia fazer algo profissional, uma obra-prima do cinema para concorrer em festivais. E lá se foi pra São Paulo e danou-se a gastar dinheiro. Montou estúdio, contratou operadores de câmera, técnicos de som, produção, montagem, atores secundários e extras. Para fazer par com Geraldo Del Rey, buscou uma atriz pouco conhecida, Ideli Costa, que trabalhara no filme de Waldik Soriano “Paixão de um Homem”. Pra encurtar a história: Jimmy teria gasto boa parte da venda de umas terras que herdou do pai no segundo distrito de Rio Branco e ainda ficou devendo o pagamento da equipe. Quando menos esperava, a turma de Sampa que não é boba, apareceu e lhe tomou tudo: estúdio, equipamento e filme. E nunca mais se ouviu falar de “Núpcias”. Mas, segundo Adalberto Queiroz, há anos, Jimmy sustenta que sua obra-prima está guardada em La Paz, na Bolívia.

Seria bom que fosse recuperado e valorizado como primeiro longa-metragem em 35mm produzido no Acre. De sua parte, o sobrevivente Adalberto Queiroz está cuidando de sua produção em Super- 8 e depois VHS, fazendo limpeza, nova dublagem e digitalização. Atrai muito ver suas caixinhas bem montadas, com títulos diversos, ao preço de 15 reais por unidade: “Rosinha, a Rainha do Sertão”, “Coisas da Vida”, “Um Crime, um Mistério”, “Horas Amargas”, “Revolução Acreana” e outras dezenas de filmes rodados a partir e 1973. “Fracassou meu Casamento”, por ter sido apreendido e desde então jogado nos porões da Censura, está dando mais trabalho para recuperar. Mas sairá numa próxima fornada.

Acreano nascido na Maternida de Bárbara Heliodora, mas foi gerado num seringal da Bolívia, na região do rio Abunã, Adalberto é hoje, aos 58 anos de idade, professor de História da Universidade Federal do Acre. Nas horas vagas, podemos vê-lo com uma “câmera na mão e uma idéia na cabeça” - expressão que foi palavra de ordem do notável cineasta brasileiro Glauber Rocha – registrando o Acre hodierno.

Ele contou na Biblioteca da Floresta que, em 1973, pensou em procurar ajuda junto ao governador Francisco Wanderley Dantas, considerado governador dos bois. Não conseguia agenda, nunca. Mas um assessor do homem lhe deu uma dica: esperá-lo pela manhã, à porta do Palácio. Dantas mostrou-se surpreso com aquele jovem de 21 anos que lhe abordou falando em fazer cinema. Mas logo o despachou, com estilo bovino: “Você quer um conselho? Vai plantar batatas!".

Coisas da Vida
Sinopse: Incursão no universo do cotidiano da vida urbana. Informa, de forma comediante, a sedução e a corrupção de menores e sugere ações e combate e proteção. É a primeira obra que questiona esse tipo de problema social no Acre até a década de 80, quando não havia nenhum tipo de política pública de proteção do menor.

Rosinha, a Rainha do Sertão
Sinopse: Retrata aspectos da chegada de sulistas ao Acre na década de 70, com a perspectiva de um novo modelo econômico baseado na pecuária, gerando um choque cultural motivado pela esperteza dos migrantes contra o homem acreano, ironicamente abordado entre drama e comédia.

Um Crime, um Mistério
Este filme resultou de uma oficina de cinema feito pela Ecaja em Rodrigues Alves, pequeno município do Juruá, com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Acre. O roteiro e direção é de Iderlindo Lope, com a participação de outros alunos.

Horas Amargas
Sinopse: Retrata aspectos da violência urbana na cidade de Cruzeiro do Sul (AC), tendo no centro a mulher, o papel da sociedade civil organizada e do poder público no combate às diversas formas de violência por meio de ações preventivas e repressivas.

Obs.: Os interessados em obter títulos digitalizados da Ecaja podem fazer contato pelos fones (68) 8113-3028 e (68) 9994-5204.