segunda-feira, 20 de julho de 2009

Porto Acre ressuscita

Em maio passado o grupo de teatro Trincheira encenou a primeira insurreição acreana comandada por José Carvalho.

Ao anoitecer de 14 de julho na pequena cidade de Porto Acre, localizada a 57 quilômetros de Rio Branco, crianças, jovens e adultos permaneceram de pé por mais de duas horas na Rua Luiz Galvez com disposição incomum para ouvir historiadores e acompanhar o sorteio de um fogão entre 10 moradores.

Foi mais um feito da Confraria da Revolução Acreana, movimento iniciado em 2008 com quatro gatos pingados, mas que cresce com surpreendente capacidade de mobilizar pessoas de todas as idades para ressuscitar a história do Acre e de seus principais insurretos.

Em 24 de janeiro de 2009, a entidade fez lembrar a data em 1903 em que o coronel Plácido de Castro avançou com um improvisado exército de seringueiros contra as tropas bolivianas, garantindo a posse definitiva do Acre pelos brasileiros. No dia 1º. de maio promoveu a encenação do episódio mais antigo, no qual o advogado cearense José Carvalho conduziu a primeira insurreição acreana contra a aduana da Bolívia instalada em Puerto Alonso, hoje Porto Acre.

Embora deixe a impressão de que não tem condições de promover muita coisa, a Confraria encabeçada por Abrahim Farhat, o Lhe, e pelo Luiz de Vasconcelos (que não se acanha de se apresentar como Chico Doido) chama atenção cada vez mais para o pequeno município que é começo e fim das insurreições acreanas, ainda que permaneça, historicamente, negligenciado por filhos ingratos no poder.

Que pena! Mas surgem sinais de mudança: no evento de terça-feira o historiador Daniel Klein esteve lá representando o governo e repassou informações animadoras. O Estado vai fazer em breve o inventário histórico-cultural do município e já decidiu realizar, na cidade, a última etapa da 1ª. Conferência de Cultura prevista para os dias 20 e 21 de agosto.

Isso bate com as idéias do professor e doutor em história, Valdir Calixto, atraído pela Confraria e que proferiu uma aula de mais de duas horas de duração no meio da rua afirmando que Porto Acre “é um valioso capital histórico a ser alimentado e multiplicado por ações públicas e privadas”.


O professor vê com otimismo o movimento que poderá levar Porto Acre à condição de cidade museu “não empalhada”. Ele explicou: “Um museu, porque é essa palavra que nos remete à guarda do passado. No caso, esperamos que seja nosso passado moderno, interdisciplinar e tecnicamente identificado. Que sua exploração e utilização se tornem passagem necessária a eventos de pesquisa e de reflexão sobre a história e a cultura acreanas”.

Valdir Calixto e o vice-prefeito Raimundo Jerônimo
A aula de história no meio da rua prosseguiu em tom ameno. Calixto falou sobre a Tomada da Bastilha, na França (ocorrida há 220 anos), quando o III estado francês pôs fim ao Regime Absolutista, opinando que Paris hoje é uma mega cidade bonita e festiva, mas na sua periferia ocorrem protestos reprimidos pela policia. Ou seja: o lema Igualdade-Liberdade-Fraternidade que inspirou o espanhol Luiz Galvez ainda não foi cumprido inteiramente na matriz, “pois na França de hoje há mais liberdade, porém menos igualdade e menos fraternidade”.
Aqui entre nós a expressão também está incompleta: talvez tenhamos mais fraternidade, mas menos liberdade e menos igualdade.

Galvez

Sobre o espanhol Galvez, que acaba de entrar nas graças do líder palestino-acreano Abrahim Farhat, Calixto pareceu reticente. Disse que seu passado aponta para dois perfis: tem o lado anedótico que o mostra “mulherengo, libertino beberrão e afeito a duelos”; e o lado político que o reconhece como diplomata liberal e ousado.

O imperador do Acre apareceu na Amazônia no tempo em que não interessava ao governo nacional atender apelos da região. No período 1898/1902 o Presidente Campos Sales só tinha olhos para os ricos fazendeiros e plantadores de café paulistas e mineiros, para quem os seringalistas da Amazônia poderiam representar ameaça. Afinal, a borracha já era o segundo produto na pauta de exportação!

Olhando bem, parece até que nem passaram mais de cem anos! Porto Acre continua ameaçado por fazendeiros que cercam a cidade deixando que suas vacas pisoteiem uma bela história, enterrada, que precisa ressuscitar.


CORREIO

História e Política

Valdir Calixto planeja pesquisar sobre o advogado José Carvalho que comandou a primeira insurreição acreana em 1899. O professor se tornou um dos colaboradores de peso da Confraria, com seu vasto conhecimento acadêmico e sua postura de cidadão consciente. Ao seu lado, na foto, está o atual vice-prefeito de Porto Acre Raimundo Jerônimo, de apelido Coca, que também manifesta interesse pela história de sua terra. Como vereador na legislatura passada (2008), ele criou a emenda parlamentar municipal que estabeleceu o dia 14 de julho como feriado local.





Mulheres



As mulheres também estão se chegando ao movimento: Nonata Queiroz bateu as fotos que aparecem nesta página e Graça Halk (ex-proprietária do bar Casarão) fez o relato do qual retirei as informações contidas no texto; a estudante de teatro Andréa, por sua vez, mobiliza o pessoal de teatro que encena os fatos históricos. E as professoras de Porto Acre se empenham na mobilização de alunos.


Nonata Queiroz e Graça Halk



Colaboradores


Na lista de colaboradores da Confraria constam: Badate Festas, Fundação Cultural Elias Mansour (Governo do Estado), Prefeitura de Porto Acre, Assembléia Legislativa, Biblioteca da Floresta e Polícia Militar.


Apartidária



Luiz de Vasconcelos e Abrahim Farhat definem a Confraria como entidade civil e apartidária cujo principal objetivo é “ressuscitar a as revoluções acreanas”. Luiz mora em Porto Acre e costura bem a relação com a prefeitura local. Prova disso é que o professor Adalberto, responsável pela Cultura e Esporte do município, cantou as bolas do sorteio do fogão doado pelo Badate.


Prof. Adalberto e Abrahim Farhat


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Amizade no jornalismo

Rafael Guimaraens, Elmar Bones, Rosvita e Trindade foram presos
O alerta veio por e-mail de Genebra, terra dos antigos wikings, onde vive a jornalista amapaense Maracimoni Oliveira recém-casada com o diplomata moçambicano Carlos Lopes:

“Elson, hoje (19 de junho) soube de uma noticia ruim sobre nosso amigo Trindade”.

Quase ao mesmo tempo, outra jornalista amapaense, Andréa Zílio, que trabalha na TV Aldeia em Rio Branco (Acre) me acionou por telefone perguntando como poderíamos ajudar.

Trindade (Osmar Bécio Trindade, 72 anos) é um jornalista gaúcho com história exemplar. Nos anos 1970 foi presidente de uma Cooperativa de Jornalistas do Rio Grande do Sul e dirigiu o Coojornal, nanico que bateu de frente com os militares no poder. Foi preso junto com outros companheiros de redação, depois se exilou em Moçambique, África, onde permaneceu até 1999. De volta ao Brasil, editou a Folha do Amapá, jornal que ajudei a fundar em 1991 e parou de circular em 2006.

Avesso a incomodar mesmo amigos e parentes ele encontrava-se há dois meses internado num hospital público de Brasília, com câncer no fígado e anônimo, ocupando uma das camas da enfermaria 505 do Hospital Regional Asa Norte. Com os pés inchados, não podia mais andar e estava há três dias sem poder tomar banho.

Foi descoberto nessa situação no começo da semana, por acaso, por um quarto jornalista, Tagaha, que mora em Belém. Tagaha ligou para seu telefone celular, mas quem atendeu foi uma enfermeira informando de sua internação. A partir daí se estabeleceu uma rede solidária via internet para socorrê-lo.

A solidariedade fluiu por causa da história comum que um grupo de profissionais da imprensa viveu em Macapá produzindo a Folha do Amapá, jornal que funcionou como uma escolinha de jornalismo para jovens que iniciavam na profissão tendo eu e Trindade como mestres..

Mara prossegue no e-mail:

“Quando estive em Brasília em janeiro, de passagem do Amapá para Genebra, eu e Carlos ficamos uma tarde com ele. Pareceu-me muito magro e abatido. Ele me disse que estava fazendo exames porque sentia muitas dores no estômago e achava que era gastrite. De lá para cá, não deu mais noticia. Estou angustiada, até porque ele está sozinho em Brasília, o irmão que morava com ele mudou-se para o Rio de Janeiro. Trindade diz que está esperando o resultado de exames e o quadro do médico para que seja transferido para Porto Alegre. Se você puder, liga pra ele”!


Liguei, antes, para outro militante da imprensa alternativa, o fotógrafo baiano-gaúcho Daniel de Andrade que no ano 2000 esteve em Rio Branco e produziu comigo um álbum fotográfico do Velho Mercado da Epaminondas Jácome, antes de sua restauração. Morando atualmente em Porto Alegre, Daniel estave no exílio junto com Trindade e conhece os amigos influentes que ele teve no passado: Pedro Simon, Tasso Genro, Olívio Dutra, Dilma Rousseff...a quem passou recados pela internet. Até sexta-feira passada, minha caixa de e-mails já contabilizava mais de 80 e-mails da “rede” que se formou com certa espontaneidade.

Andréa Zílio assumiu o apoio a partir do Acre. Localizou os dois filhos de Trindade – Márcio e Técio – que viajariam a Brasília para providenciar a remoção do pai para Porto Alegre; consultou a TAM sobre a viagem e disponibilizou contas bancárias para receber doações.

A empresa aérea informou que seriam necessários nove acentos no Vôo 3073 de sábado (27), com direito a três acompanhantes, ao custo total de R$ 8 mil. A reserva teria que ser confirmada até a manhã do dia 25, e seria preciso, ainda, avaliação médica da TAM, formulário preenchido pela família, autorização e carimbo do médico (Pedro) responsável pelo paciente.

Enquanto as doações apareciam, Jacques, um “irmão de fé, camarada” do Trindade antecipou seu cartão de crédito para assegurar a compra das passagens. Seria reembolsado depois. No corre-corre, alguém otimista sugeriu tentar a FAB para fazer o transporte de graça, uma tarefa para os amigos de grosso calibre com acento no Planalto Central. Afinal, como moradores de Brasília deviam estar a apenas alguns quarteirões do hospital. Daniel e sua companheira Stella Petrasi entram em acão.

De sua trincheira em Genebra, Mara ajudava a mobilizar o lado amazônico do apoio. Mais gente da extinta Folha do Amapá entraria em campo: Haracelli e Araciara abriram uma corrente de orações na internet. Lea, Danielle Albuquerque, Vássia, Márcia, Chico-Terra, Alcilene, Meton e Solange, entre outros, participavam da coleta ou intensificavam a “rede”. O casal Capiberibe (deputada federal Janete e Capi) depositou R$ 500,00 e acompanhou a solução da FAB que acabou se confirmando.

Em Brasília, Adaires e Bernardo passaram a cuidar do paciente. Ela levou seu notebook para ler os e-mails enviados e também se encarregou de lhe dar banho. Bernardo procurou animá-lo informando-o das providências.

Trindade não sabia, mas o médico que o atendeu confessou a seus amigos que poderia morrer a qualquer momento, ou seja, seu estado era terminal. Na verdade, o médico resistiu à idéia de deixá-lo viajar. Com o calor humano recebido, entretanto, Trindade não pensava em outra coisa: Porto Alegre seria a cura.

Quanto a mim, rezo por um final feliz e me sinto orgulhoso de ver como jovens jornalistas com quem trabalhei em condições financeiras desvantajosas e situação de risco, se revelaram tão solidários, éticos, desprendidos e humanos.

Acho que a imprensa do tipo que fizemos na Folha do Amapá criou algo bom que permanece neles. Esse jornalismo com compromisso social e boa dose de ideologia, acredito, vai encontrar sempre boa acolhida na consciência dos leitores e dos que fazem jornal.

CORREIO

“Elson Martins:
Que bom ter por perto a Andréa. Mais solidária que ela, só você! Como já sabemos, assim como o Varadouro, o Coojornal fez parte da nossa resistência à ditadura militar. O Coojornal contou com apoio do Simon, Dilma, Olívio Dutra, Jair Kriscke, Tarso Genro etc. Os jornalistas que lutaram contra a ditadura contavam com apoio desses honrados políticos. Trindade foi presidente da Cooperativa de Jornalistas e editor do Coojornal. Em julho de 1981, após a publicação de um relatório secreto do III Exército, quatro companheiros - Rafael Guimaraens, Elmar Bones, Rosvita e Trindade foram presos. Após o relaxamento da prisão, fiz contato com o pessoal da FRELIMO-Frente de Libertação de Moçambique - e com Licinio Azevedo, jornalista e cineasta para contratá-lo. Trindade passou mais de 1O anos exilado em Moçambique, onde pegou várias malárias. Depois você e Capiberibe o convidaram para trabalhar na Folha do Amapá. Pode dispor das fotografias do índio Trindade. Claro, cite o autor das fotos”. Daniel de Andrade (http://www.saitica.blogspot.com/)

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“Caro Elson,
Ontem (quarta) tive boa noticia. O deputado Rodrigo Rollemberg (PSB) entrou em contato com o Ministro Saito, da Aeronáutica, e obteve resposta positiva: um avião da FAB equipado para as circunstâncias vai levar nosso amigo Trindade a Porto Alegre. Talvez ele embarque amanhã (sábado) depende do entendimento entre o médico da Aeronáutica e do hospital onde ele se encontra. Independente dessa solução, acho que devemos continuar a coleta de fundos. A Janete fez um depósito de R$ 500, 00 na conta da Andrea. Eu também gostaria de poder contribuir, porém, no momento estou sem fonte de renda; pior, com minha conta bancária bloqueada pela justiça, só porque chamei um ladrão de dinheiro público de ladrão. Vamos torcer pelo Trindade: enquanto há vida, há esperança. Abraço, Capi (João Alberto Capiberibe, ex-governador e ex-senador do Amapá, em 24/6/09).
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Amigos:
Trindade embarca rumo à Porto Alegre às 7h, horário de Brasília, num avião da FAB.
Abraços! Andréa ( ( TV Aldeia - Sistema Público de Comunicação).

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“Olá, Andréa e Elson:
Tudo certo para a remoção do Trindade. Vamos acompanhá-lo de perto e mandar notícias aos amigos do norte. Mais uma vez muito obrigado pela mobilização, carinho e amizade. A gauchada toda agradece a volta do índio missioneiro! Grande beijo”. Daniel e Stella (www.saitica.blogspot.com).

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Notícias da Leila Jalul

Sinto saudades do texto criativo e irreverente da Leila Jalul. Em 2007, ela trocou Rio Bran­co por Porto Seguro, na Bahia, após arreben­tar no Clube Tentamen com seu livro Suindara, e de presentear amigos com Absinto Maior, uma coletâ­nea de poemas personalizados com gosto de despe­dida. Decidi, então, provocá-la com uma entrevista pela internet: enviei algumas perguntas e a reposta veio rápida: “Arriscar-me-ei a conceder-lhe a breve entrevista. Aliás, fosse a situação que fosse, arris­car-me-ia, entende? Você é o amigo sobre quem no livro Absinto Maior, em dedicatória exclusiva e per­sonalizada descrevi a forma de amá-lo. Lembra de Ana, a russa Ákmatova? Pois é, amigo! Vamos lá”!

Entrevista

Temos uma Bienal do Livro em Rio Branco entre 29 de maio e 7 de junho. Você vem?

- Rio Branco está ficando chique demais. Até Bie­nal do livro? Como diria minha comadre Marlize Bra­ga, chique perde! Olha, ir para este evento é um caso a pensar. Estou com mais de dez mil milhas para ir de graça e voltar sorrindo em qualquer avião da TAM que não enfrente turbulências. Porém, sempre existe na vi­da um “porém”, lembra desse bolero? Acontece, queri­do Elson, que ando meio jururu e você vai entender as razões nas respostas que abaixo darei, está certo?
Minha saudade é brutal. O Acre é a razão dela. Esse torrão torrado, por mais que seja sacaneado e vilipendiado é meu torrão torrado e a parte que me cabe deste latifúndio. Longe dele, sou menina pas­sarinha com vontade de voltar. Tenho medo, muito medo, pelos motivos que bem conhece.

Seu livro Suindara (genial!) estava por ser traduzido para outra língua... Aconteceu?

- Suindaire, genial ou quase, foi cogitada para uma versão francesa. Elucubrações e devaneios - amigo! Puta e pura fantasia de quatro heróis da resistência inor­gânica, de Aurélia Hübner, André Alexandre, Simony Pessoa e esta que vos fala. Tudo coisa da mente fanta­siosa de quem cria que a grande obra de Leila Jalul al­çasse grandes vôos e atravessasse fronteiras. Atraves­sou, a bem da verdade, mas não foi além de Portugal, congêneres e adjacências, entende? Não pude contratar marqueteiros e... Apenas uma amiga de Londres e ou­tras de São Paulo arriscaram a queimação dos seus de­dos e de suas almas. Quem tem cu, tem medo, enten­de? Não tenho culpa de gostar de Hilda Hilst. As pudi­cas que me perdoem. Mas nada mudou. Está tudo “très joulie de boucett enfant”, oui, monsieur? Vamos deixar como está para ver como é que fica! Suindaire é linda, inclusive no português de barranco.

Conta pra gente: Em que jornal, revista, blog ou site você publica seus textos, atualmente?

- O que faço em Porto Seguro? Porto Seguro é, di­gamos, um lugar que não existe. Fico e estou sempre perto dele, porém, moro num porto inseguro, onde me escondo da insensatez da justiça brasileira, “aun que jamás tenga” infringido as normas do bem da coletivi­dade e dos bons costumes. Esse é um assunto para de­pois. A justiça do Acre soube, e como soube! afastar um cancro neurótico e maligno da sociedade. Infeliz­mente, na instância superior, fica provado que, culpa­do, é quem denuncia sem máscara. Coisas das leis re­trógradas e dos códigos seculares. Se o Acre se viu li­vre de mim, em compensação, ganhou dois bandidos experientes que riem da lei, da justiça, dos magistrados, jurisconsultos e dos comerciantes locais.
Esse tópico me faz mal, entenda. Se posso dar conselhos ou sugestões, espero que os pais cuidem de suas filhas e filhos. Pedófilos, sejam americanos, índios, astronautas, governantes, hoteleiros, jorna­listas, desembargadores, profetas e militantes hão de sempre ser e sempre serão. É um tipo de crime des­prezível e continuado.
Xô, depressão!

Antes de deixar o Acre, você admitiu ter outro livro na agulha. Seria uma história proi­bida para menores, sobre a Universidade Fe­deral do Acre. O projeto está de pé?

- O livro está pronto! Não será uma história proibida. A Universidade é nauseabunda para quem bunda não tem. Tem mais, meu camarada, o novo livro não aceitará, nem sob tortura, que você sugira o título, compreende? Aquele “ras­ga mortalha” ainda ecoa e rasga meus intesti­nos, minhas orelhas, além dos meus mortos, cla­ro! Crash! Crash! Piuí, piuí, abacaxi! Sem chan­cha, negão! No novo livro tá todo mundo vivi­nho da Silva e Souza & Cia Ltda! Tudo e todos rescendem a suor, lágrimas e cerveja.
O projeto está de pé, eretíssimo, com ou sem Viagra financeiro. Alguns personagens você vai reconhecer, mesmo com dificuldades. Estamos velhos, brother! Os textos, crônicas, contos, cau­sos, ou seja lá o que sejam, já estão sob os olhos de Aurélia Hübner. Quer ser o orelhista ou o apre­sentador? A escolha é sua!

Finalmente: Como você vê o Acre e os acreanos de onde você está?

- Amigo Elson, eu vejo o Acre talqualmente co­mo ele é. Nasci acreana e assim morrerei. Não ha­rará nem haverá acordo ortográfico que altere o meu pensar. A mim me ofende ver os apressadinhos, in­corruptos e desfraldados de imaginação, em tão cur­to espaço de tempo mudarem minha identidade. Di­ga-se de passagem, esta não foi a única correção que desagradou. Os reformistas são muitos... são mui­tos, mas não sabem voar. Substituir jabá por charque, confesso, até que não me assusta ou deprime. Agora esse tal de acriano, rejeitarei até meus últimos dias. Se o lema do Juventus é crescer e a alegria do Juven­tus é vencer, acreana, acreana, acreana, eu sou e se­rei até morrer. Ponto final.
E assim, jamais serei baiana, exceto no que diz res­peito ao fuso horário.

Faço a última pergunta, parecida com a pe­núltima: é difícil para você, se sentir baiana?

A Bahia é linda! De longe, muito longe, con­fesso, jamais será mais linda que meu Acre de ho­je e de antes.
Não sei mais falar de meus patrícios acreanos. Há dias que leio sobre o Seu Arnóbio, o the Best, e balanço pés, pernas, pescoço e bacia. Se ele apoiar um pedófilo, seja secretário, seja gente comum, sem sombra de duvidas pisarei no seu cadáver. Não con­segui entender as razões de Binho não afastar um suspeito até que as acusações contra ele fossem apu­radas. Se Joana D’Arc é doida, que seja queimada de pronto. Perto do Obelisco, de pre­ferência. Se Bi­nho estiver corre­to, desculpas de­vo e ele que me entenda, enten­de? Nós, os con­trários, sem bas­tões ou coroas, saberemos, quer de longe, quer vizinhos, ava­liar o nosso sen­tido de caminhar junto e encami­nhar os que sen­tam nos tronos e nos dirigem para um caminho que acreditamos seja o mais correto para o Acre.
Amigo Elson Martins, se honrarias tive nesta vida, não foi apenas com acreanos de nascença. Sou feliz e continuarei sendo por havê-lo conhe­cido quando, por razões óbvias, deixei que você ajudasse a formar a cabeça que tenho e a capaci­dade de saber dizer, inclusive nesta entrevista.
E tenho dito!


Notas: 1- Leila Jalul é advogada aposentada, da Universidade Federal do Acre (UFAC); 2- O que teria causado sua saída do Acre tem a ver com um pedó­filo e presumível psicopata que se envolveu com sua família. O sujeito foi preso em 2007, mas, já foi solto e representa ameaça social.

Uakti: música tirada do vento

Natália Jung

Músicos excelentes, ins­trumentos altamente ins­tigadores, muita criati­vidade e sensibilidade formam o grupo mineiro Uakti, personagem de uma lenda amazônica materia­lizado por Arthur Andrés, Décio Ramos, Paulo Santos e Marco An­tônio Guimarães, fundador do gru­po e principal idealizador dos ins­trumentos simples e exóticos que tornam Uakti referência mundial na música instrumental.
Os três músicos passaram 15 dias em Rio Branco, dando uma ofi­cina de música instrumental aos alu­nos dos cursos de música, teatro e artes plásticas da Usina de Arte João Donato, auxiliados por João, assis­tente do grupo.
O Uakti existe há 30 anos, tendo gravado 11 CDs e 1 DVD neste pe­ríodo, e participado do trabalho de diversos outros artistas consagrados como Milton Nascimento e Philip Glass, em trilhas sonoras para balés e filmes, sendo o trabalho mais re­cente a trilha do longa Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles.
Com este currículo dá para no­tar que não estão aqui para brinca­deira. São músicos compenetrados que passam além de didática especí­fica para o estudo rítmico, uma no­ção de concentração e envolvimento com a música, além do respeito com os instrumentos. Estes, por sua vez, são de tirar o fôlego de qualquer um. Por menor conhecimento musical que se tenha, é impossível não se ad­mirar com a sonoridade produzida a partir de tubos de PVC afinados pa­ra serem batidos, assoprados, toca­dos com a mão ou pedaços de bor­racha encapados com meia soquete. Para não falar das marimbas de vi­dro e madeira que podem levar seus ouvintes aos recantos mais inusita­dos de sua imaginação, tamanha a transcendência alcançada pela sen­sível sonoridade produzida pelas te­clas nas mãos de seus tocadores.
Nem por isso, este trio de virtu­oses é sisudo e esnobe. Com gran­de humildade e graciosidade, en­sinaram os oficineiros a ler as fi­guras geométricas, que são um ti­po de partitura rítmica criada por eles, através de dinâmicas e brin­cadeiras, levando todos às garga­lhadas inúmeras vezes. Com cerca de 50 participantes na oficina, em sua maioria não músicos, Décio co­menta que este público sempre re­cebe muito bem a proposta, pois acredita que a música está em todas as coisas, basta sabermos lê-la.
E assim foi feito: no Teatro Plá­cido de Castro, logo nos primeiros dias de oficina, os alunos fizeram música a partir das poltronas, por­tas, janelas e escadas. “O resultado é muito bom, porque a pessoa não tem nenhum tipo de vício, está fres­quinha, pura, recebe e entende fa­cilmente tudo aquilo que é propos­to. Geralmente estas pessoas, como a gente trabalhou aqui, com pes­soas que nem todas são da área de música, têm idéias muito boas, que se tornam idéias musicais e que so­am muito bem”, observa Décio.
E sobre estar pela primeira vez no Acre, Paulo comenta: “foi uma grata surpresa, pelo que a gente es­perava do Acre, pois a gente tem sempre uma visão meio distante, meio indígena e a gente encontra uma cidade super-estruturada, com pessoas de várias partes do Brasil a fim de trabalhar; e pra gente isso é muito bom, pois viemos fazer um trabalho que teoricamente poucas pessoas conhecem. Mas, na verda­de tem um público aqui que quer vi­venciar isso, que quer fazer um tra­balho bom e passar pra frente esta nossa didática, o que é muito legal. É uma coisa que a gente sentiu bem surpreendente, muito agradável. Foi muito além da expectativa”


O show

Fechando sua pro­gramação no Acre, o grupo Uakti se apresenta neste fim de sema­na (16 e 17) no Teatro Plácido de Castro, a partir das 21 horas. O re­pertório foi composto para um ba­lé do também mineiro Grupo Cor­po, mas no show as músicas es­tão adaptadas para a performance dos instrumentistas com seus ins­trumentos. “Nós temos vários re­pertórios, mas este show é para um primeiro contato, onde toca­mos uma variedade grande de ins­trumentos. O Uakti tem esta nu­ance em seus repertórios, de apre­sentar os instrumentos e mostrar que é possível tocar coisas muito simples e fazer música com aqui­lo”, comenta Paulo.

A lenda

O nome UAKTI de­riva de uma lenda indígena dos ín­dios Tukano do Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, como des­creve Elza Camêu, estudiosa da música indígena brasileira:
“Os estudo de E. Bianca sobre os índios do rio Tiquiê, (afluente do Alto Rio Negro) revela mais um aspecto da criação de ins­trumentos. Uma lenda, referen­te ao herói Uakti, desses índios, diz que ele violava e pervertia as mulheres, por isso foi capturado. Era um monstro de formas hu­manas, horrendo e tendo o cor­po aberto em buracos. O vento, ao atravessar-lhe o corpo, pro­duzia sons soturnos e lúgubres. Uakti foi morto e sepultado. No lugar em que o enterraram nas­ceram três palmeiras altas, que passaram a guardar o grande es­pírito de Uakti. Desde então, os instrumentos de Uakti são feitos do caule dessa palmeira. O tim­bre dos instrumentos correspon­de aos sons tirados pelo vento ao passar pelo corpo esburacado de Uakti. E em razão do comporta­mento de Uakti, as mulheres que vissem ou ouvissem o som dos instrumentos ficariam imundas. Por isso, se uma coisa dessas acontece, a mulher teria ou terá que fatalmente ser sacrificada”.

O fim é o começo

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, conheceu o Uakti em 1966, ficou encantado e escreveu o texto a seguir que está na apre­sentação do CD 21 lançado em 1997:

Metade Deus. Metade Diabo. Na exata e mineira medida, como é a vida. Num único espaço e tempo estão juntos porque necessaria­mente diferentes, e necessários um ao outro: não há vida sem morte, prazer sem dor, sim sem não, princípio sem fim, agudo sem grave, veloz sem lento, grande sem pequeno. Deus sem Diabo. Tudo é me­tade e o contrário da outra parte, diferente para fazer a unidade do que é contrário. Foi escutando o Uakti que aprendi o que sempre me recusei a aceitar: que todo diferente é, no fundo, parte de um mes­mo igual. ‘Yin’ e ‘Yang’. Deus e o Diabo, num empate aceito pelos dois, eis o mistério. Negado em todas as partes, mas não em Minas Gerais, onde o empate é reconhecido no se, no talvez, no não sei se sim ou se não, na indefinição que define todo o saber e fazer.
Em Minas o normal é o empate. O desempate é puramente pro­visório. Minas Gerais, estado particular e único do Brasil. Central, no meio de tudo, com extremos, mas sem se definir. Um lugar onde a vida e a morte conversam todo o tempo sem se despedir. Terra de Milton Nascimento, de João Guimarães Rosa e do Uakti, sem mar, mas com imensidão. Terra onde a liberdade foi esquartejada na In­confidência Mineira de Tiradentes no século 18, mas permanece de corpo inteiro. O lugar onde a liberdade dura ainda que tardia. En­fim, o mistério.
Foi lá que nasceu o Uakti e só poderia ser. Quatro anjos verti­dos em demônios entraram na música e fizeram uma grande filoso­fia pela via das notas, do estalo, do contraste, do espanto, da doçura e da violência sem limites do som que ultrapassa todas as barreiras. Transcenderam o tempo e o espaço, reescreveram Einstein por cima de toda relatividade. Foram tão acima de tudo que tiveram que in­ventar até os instrumentos. E inventaram como Deus fez no come­ço e o Diabo ajudou.
Deus inventou a humanidade, o Uakti inventou o instrumento da música. Não se pode entender o Uakti sem se levar esse choque do totalmente Deus e totalmente Diabo, uma coisa que todo minei­ro entende e aqueles que podem praticam.
O fim do mundo está no começo. E o Uakti é esse Verbo.

Vale a dica

Entre os 11 álbuns do grupo, Águas da Ama­zônia se destaca por es­ta particularidade: tem inspiração em nossos rios, foi composto por Philip Glass para o es­petáculo “Sete ou oito peças para um ballet” do Grupo Corpo, e in­terpretado pelo Uakti. As músicas recebem nomes dos rios da re­gião, como “Xingu River” e “Purus Ri­ver”, sugerindo cor­redeiras e redemoi­nhos que revelam a linguagem (ou alma) da cada um. O álbum custa 20 reais.

*publicado no Jornal Página 20 em 17/05/2009

segunda-feira, 11 de maio de 2009

PÃO E RAPADURA

José Carvalho integrou esse grupo da Padaria Espiritual do Ceará, irreverente, nacionalista e de esquerda.
Foto do acervo do Instituto Histórico do Ceará


O Ceará e o Acre vivem imbricados como escamas de peixe. Talvez possamos até dizer que o nordeste a Amazônia são imbricados. Em julho de 2007, passei minhas férias em Natal, no Rio Grande do Norte, e tive a oportunidade de visitar o vale do Ceará-Mirim com seus famosos engenhos de cana-de-açúcar do passado. Vi paisagens e ouvi histórias que lembram nossos antigos seringais.

Pensei logo: por que não trabalhamos, politicamente, essa enorme identidade entre Norte e Nordeste? Algum reboliço social, político, econômico e cultural faríamos Brasil afora. Pelo sim, pelo não, passei a vasculhar lixos na internet, quem sabe encontraria alguma coisa rara! Pois encontrei e repasso este relato autobiográfico de Patativa do Assaré, considerado “cearense do século” nos anos noventa do século passado:

“Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.

Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei.

De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram. Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai. Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da polí­tica falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.

Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por dor-d’olhos.

Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.

“Antônio Gonçalves da Silva, Patativa do Assaré”.

Padaria Espiritual

Pôxa! Fiquei perplexo com a revelação! Então o nosso José Carvalho, comandante da primeira insurreição acreana, além de primo da escritora Raquel de Queiroz também influiu na carreira literária do Patativa de Assaré? E lá fui eu, quase convulsivo, navegando na blogosfera até esbarrar na Padaria Espiritual do Ceará.

Aí é preciso paciência e tempo, porque tudo quanto é blog e site do nordeste fala desse movimento literário revolucionário, do qual José Carvalho (ele de novo) foi um dos sócios fundadores. E vale a pena se inteirar do assunto:

Fundada em 30 de maio de 1892, a Padaria recebeu esse nome porque seus membros tinham a pretensão de fornecer aos sócios e a sociedade em geral, o pão cultural, como uma forma de reeducação e apelo à sociedade alienada da época. Entre os principais sócios fundadores estavam Antonio Sales, Rodolfo Teófilo, Juvenal Galeno, Adolfo Caminha, Lopes Filho, Eduardo Sabóia, Lívio Barreto, Antônio Castro, José Carvalho, Álvaro Martins e Henrique Jorge.

A Padaria Espiritual diferenciava-se das associações criadas pelas elites cearenes da época porque juntava intelectuais, boêmios e cidadãos comuns e assumia um caráter marcado pelo humor, ironia e irreverência. Seus membros autodenominaram-se padeiros e o produto do seu trabalho era um periódico que circulava aos domingos e chamava-se O Pão.

Através da Padaria Espiritual a gente pode acrescentar informações ao perfil de José Carvalho, que já sabíamos ser jornalista, escritor e advogado. Agora sabemos com precisão que nasceu em Crato, no Ceará, no ano de 1872 e faleceu no Rio de Janeiro em 1933. Quando a Padaria encerrou sua primeira fase de vida, em 1894, ele estava vindo para a Amazônia. Ao comandar a insurreição em Puerto Alonso, em 1º. de maio de 1898, expulsando o cônsul boliviano Moyses Snativãnez da região, tinha 26 anos de idade.

Conforme o poeta, músico e trovador Patativa do Assaré relata em seu livro “Digo e não peço segredo”, editado em 2001 em São Paulo, foi José Carvalho quem lhe deu o apelido. De fato, Patativa está num capitulo do livro “O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará” de autoria de revolucionário cearense-acreano.

CORREIO

Patativa do Assaré

Foto de Robson Melo

Segundo filho de uma família pobre que vivia da agricultura de subsistência, cedo ficou cego de um olho por causa de uma doença. Com a morte de seu pai, quando tinha oito anos de idade, passa a ajudar sua família no cultivo das terras. Aos doze anos, freqüenta a escola local, em que é alfabetizado, por apenas alguns meses. À partir dessa época, começa a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos recebe o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave.

Patativa do Assaré obteve popularidade a nível nacional, possuindo diversas premiações, títulos e homenagens (tendo sido nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa). No entanto, afirmava nunca ter buscado a fama, bem como nunca ter tido a intenção de fazer profissão de seus versos. Ele nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. (Google)

Infância

No verdõ de minha idade
Mode acalentá meu choro
Minha vovó de bondade
Falava em grandes tesôro”.

Arte matuta
Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. É como eu digo nos meus versinhos:

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.
Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.
Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorgeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

Despedida

Conheço que estou no fim
e sei que a terra me come
mas fica vivo o meu nome
para os que gostam de mim

Patativa morreu em 8 de julho de 2002 na cidade de Assaré, onde nasceu.

(Poesias e foto reproduzidas do livro “Digo e não peço segredo” organizado e prefaciado por Tadeu Feitosa. Editora Escrituras, SãoPaulo 2001)

PÃO E RAPADURA


O Ceará e o Acre vivem imbricados como escamas de peixe. Talvez possamos até dizer que o nordeste a Amazônia são imbricados. Em julho de 2007, passei minhas férias em Natal, no Rio Grande do Norte, e tive a oportunidade de visitar o vale do Ceará-Mirim com seus famosos engenhos de cana-de-açúcar do passado. Vi paisagens e ouvi histórias que lembram nossos antigos seringais.

Pensei logo: por que não trabalhamos, politicamente, essa enorme identidade entre Norte e Nordeste? Algum reboliço social, político, econômico e cultural faríamos Brasil afora. Pelo sim, pelo não, passei a vasculhar lixos na internet, quem sabe encontraria alguma coisa rara! Pois encontrei e repasso este relato autobiográfico de Patativa do Assaré, considerado “cearense do século” nos anos noventa do século passado:

“Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.

Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei.

De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram. Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai. Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da polí­tica falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.

Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por dor-d’olhos.

Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.

“Antônio Gonçalves da Silva, Patativa do Assaré”.

Padaria Espiritual

Pôxa! Fiquei perplexo com a revelação! Então o nosso José Carvalho, comandante da primeira insurreição acreana, além de primo da escritora Raquel de Queiroz também influiu na carreira literária do Patativa de Assaré? E lá fui eu, quase convulsivo, navegando na blogosfera até esbarrar na Padaria Espiritual do Ceará.

Aí é preciso paciência e tempo, porque tudo quanto é blog e site do nordeste fala desse movimento literário revolucionário, do qual José Carvalho (ele de novo) foi um dos sócios fundadores. E vale a pena se inteirar do assunto:

Fundada em 30 de maio de 1892, a Padaria recebeu esse nome porque seus membros tinham a pretensão de fornecer aos sócios e a sociedade em geral, o pão cultural, como uma forma de reeducação e apelo à sociedade alienada da época. Entre os principais sócios fundadores estavam Antonio Sales, Rodolfo Teófilo, Juvenal Galeno, Adolfo Caminha, Lopes Filho, Eduardo Sabóia, Lívio Barreto, Antônio Castro, José Carvalho, Álvaro Martins e Henrique Jorge.

A Padaria Espiritual diferenciava-se das associações criadas pelas elites cearenes da época porque juntava intelectuais, boêmios e cidadãos comuns e assumia um caráter marcado pelo humor, ironia e irreverência. Seus membros autodenominaram-se padeiros e o produto do seu trabalho era um periódico que circulava aos domingos e chamava-se O Pão.

Através da Padaria Espiritual a gente pode acrescentar informações ao perfil de José Carvalho, que já sabíamos ser jornalista, escritor e advogado. Agora sabemos com precisão que nasceu em Crato, no Ceará, no ano de 1872 e faleceu no Rio de Janeiro em 1933. Quando a Padaria encerrou sua primeira fase de vida, em 1894, ele estava vindo para a Amazônia. Ao comandar a insurreição em Puerto Alonso, em 1º. de maio de 1898, expulsando o cônsul boliviano Moyses Snativãnez da região, tinha 26 anos de idade.

Conforme o poeta, músico e trovador Patativa do Assaré relata em seu livro “Digo e não peço segredo”, editado em 2001 em São Paulo, foi José Carvalho quem lhe deu o apelido. De fato, Patativa está num capitulo do livro “O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará” de autoria de revolucionário cearense-acreano.

CORREIO

Patativa do Assaré

Segundo filho de uma família pobre que vivia da agricultura de subsistência, cedo ficou cego de um olho por causa de uma doença. Com a morte de seu pai, quando tinha oito anos de idade, passa a ajudar sua família no cultivo das terras. Aos doze anos, freqüenta a escola local, em que é alfabetizado, por apenas alguns meses. À partir dessa época, começa a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos recebe o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave.

Patativa do Assaré obteve popularidade a nível nacional, possuindo diversas premiações, títulos e homenagens (tendo sido nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa). No entanto, afirmava nunca ter buscado a fama, bem como nunca ter tido a intenção de fazer profissão de seus versos. Ele nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. (Google)

Infância

No verdõ de minha idade
Mode acalentá meu choro
Minha vovó de bondade
Falava em grandes tesôro”.

Arte matuta
Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. É como eu digo nos meus versinhos:

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.
Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.
Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorgeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

Despedida

Conheço que estou no fim
e sei que a terra me come
mas fica vivo o meu nome
para os que gostam de mim

Patativa morreu em 8 de julho de 2002 na cidade de Assaré, onde nasceu.

(Poesias e foto reproduzidas do livro “Digo e não peço segredo” organizado e prefaciado por Tadeu Feitosa. Editora Escrituras, SãoPaulo 2001)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Chico Mendes para crianças

Ziraldo, o cartunista mineiro radicado no Rio de Janeiro virá a Rio Branco e Xapuri lançar seu novo personagem, o Chiquinho, criado para difundir nas escolas do país a luta que o seringueiro Chico Mendes empreendeu em defesa da floresta amazônica. O autor de “O menino Maluquinho” e do Saci Pererê em quadrinhos supervisionou e assinou a produção de “A História de Chiquinho”, um livro infantil de 30 páginas ilustrado por dois de seus principais desenhistas, Ferreth e Wanderlei, que já circula no Rio com tiragem em primeira edição de 10 mil exemplares.

Idealizado por Elenira, filha de Chico Mendes que tinha apenas 4 anos de idade quando o pai foi assassinado em Xapuri em 22 de dezembro de 1988, o livrinho lança ainda no mercado editorial do país, pela porta da frente, mais duas acreanas de talento: a poetisa Walquíria Raizer, que produziu o texto, e a jornalista Charlene Carvalho que pesquisou a história.Chiquinho foi desenhado com traços que lembram o personagem Chico Mendes real: é meio gordinho, tem olhos grandes, os cabelos lisos e negros pendendo sobre a testa; e a forma como se veste é displicente, como convém a todo menino e a todo homem da floresta. Na capa do livro ele aparece de cabrita (faca de seringa) na mão e poronga (lamparina) na cabeça, colhendo o látex de madrugada.

Na página 32, abaixo do título “Conversa com o leitor”, Ziraldo explica seu novo lançamento:“Chico Mendes é um dos heróis do nosso tempo. A notícia de sua atuação na Amazônia, infelizmente, só chegou até nós, depois de sua morte, quando a nação inteira tomou conhecimento da luta árdua daqueles que têm hoje a alcunha gloriosa de “povos da floresta”. Agrada-me poder participar da tentativa de querer tornar mais presente a sua história e a história de seus companheiros na luta pelo respeito aos direitos das populações que vivem à sombra das gigantescas árvores da Floresta Amazônica. Assim, quando Elenira Mendes pediu minha ajuda para criar, com seus amigos e os meus, esse livrinho, aceitei a honrosa missão com alegria. Convoquei, para isto, meus companheiros de profissão, de sonhos e ideais, os jovens Miguel Mendes, Vanderlei Soares, Fábio Ferreira e Ferreth, com quem tenho trabalhado ao longo de muitos anos. Aí está o resultado do nosso trabalho, concluído a partir do texto que me trouxe a talentosa acreana Walqíria Raizer. Gostei de ter supervisionado a rapaziada e fiquei muito feliz ao ver o livrinho pronto. Espero que ele ajude os amigos de Chico Mendes e seus herdeiros de luta no grande esforço de tornar nosso país mais justo. Que as crianças brasileiras amem conhecer essa bela história contada, especialmente, para elas”.

Elenira Mendes, que aos 24 anos de idade é presidente do Instituto Chico Mendes e secretária de Meio Ambiente do município de Xapuri, também deixa seu recado, logo na apresentação:“Meninos e meninas de todos os lugares do nosso mundo: o menino Chico - o jovem Chico e o homem Chico - era meu pai e sonho muito que todas as crianças possam conhecer a história dele, de um jeitinho bem natural. As aventuras, cores, desenhos, magias e amigos são os encantos dessa história de luta e de sonhos. Desejo uma ótima leitura a todos com a intenção de que o menino Chiquinho e sua turma conquistem cada vez mais amigos, na defesa da floresta e de todos os seus seres, na intenção de construirmos um mundo melhor”.