segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Escritor atormentado

* Elson Martins



Nascido em Xapuri, Genésio perdeu o pai cedo e foi criado pela mãe Marina e o padrasto numa antiga colocação de seringa. Aos 7 anos, foi levado pela mãe para a Fazenda Paraná, da família Alves, para fazer companhia à irmã Natália que havia fugido de casa para viver com Oloci, outro filho de Darli e gerente da propriedade. O cunhado passou a ser seu principal instrutor: aos 10 anos, exigiu dele a perigosa incumbência de montar e amansar um potro bravo, que o jogou no chão e desferiu violento coice na barriga. Ao completar 11 anos, o menino ganhou de presente um revólver e uma caixa de balas. Aos 13, já frequentava as boates de Xapuri na companhia dos irmãos “mineirinho”, matadores de aluguel contratados como peões.
Genésio tornou-se amigo e confidente de Darcy, quem disparou o tiro de espingarda calibre 20 no peito de Chico Mendes na noite de 21 de Dezembro de 1988, e ficou sabendo dos crimes cometidos na fazenda. Também testemunhou encontros de Darli Alves com fazendeiros que tramavam a morte de Chico Mendes. Todas essas histórias são narradas com detalhes no livro. A certa altura da narrativa, dá pra perceber que Genésio estava sendo treinado para também se tornar um matador de aluguel. Ele conhecia pouco o Chico Mendes, sobre quem diz que sempre admirou, mas sabia muito sobre a vida dos assassinos. O que ele não sabia era que nessa história assumiria o papel de principal testemunha, e que sua própria vida seguiria trajetória atormentada.
De fato, no dia seguinte à morte de Chico Mendes, Genésio foi detidoo pelos policiais encarregados de identificar e prender os suspeitos, permanecendo numa cela da delegacia de policia de Xapuri à disposição dos investigadores. Pressionado, sobretudo, pelo tenente H.Neto, da Policia Militar do Acre, e pelo delegado Nilson Oliveira, com a concordância de sua mãe Marina disse tudo que sabia. O depoimento à policia o deixou vulnerável diante da família Alves, embora pouca gente da segurança parecesse atenta ao detalhe.
     Genésio, aos 40, faz “mea culpa” e 
desabafa em livro (foto: Elson Martins)

Em maio de 1989, ao visitar o Acre com uma pauta do Jornal do Brasil para escrever sobre os conflitos na Amazônia, o jornalista e escritor Zuenir Ventura – que acabou ganhando o Prêmio Esso com uma série de reportagens sobre o caso Chico Mendes – encontrou Genésio vagando perigosamente entre a delegacia e o quartel da PM em Xapuri. No livro “Minhas Histórias dos Outros”, que escreveu em 2005, incluiu o capitulo “A Saga de uma Testemunha”, sobre Genésio, na qual admite que cometeu uma transgressão contra a lei básica do jornalismo: a de que “ao reportar os acontecimentos, não se deve interferir neles”.
Como não interferir! Percebendo que o menino corria riscos de morte, Zuenir Ventura, que foi visita-lo na delegacia de Xapuri, após consultar o juiz Adair Longuini decidiu “sequestra-lo” e o trouxe de avião para Rio Branco, deixando-o sob a responsabilidade do então comandante da PM, cel. Roberto Ferreira, no quartel da corporação. Apos alguns dias, o próprio comandante avisou ao jornalista que também ali Genésio vivia ameaçado, por isso o transferiu para o quartel do Exército (4o. BESF). Zuenir acabou levando-o para seu apartamento em Ipanema, no Rio, até conseguir com a ajuda do bispo D. Moacyr Grechi um bom colégio religioso na zona rural de Goiás. A partir daí Genésio passou a viver choques culturais e existenciais, e com a ajuda de seu tutor frequentou novos colégios em Minas e no rio Grande do Sul, sempre aprontando. Acabou se enfiando na bebida, precisando de tratamento em clinicas de recuperação no Recife e em Rondônia.
Quando já entrara na fase adulta, em Porto Alegre, vivendo entre marginais, recebeu de Zuenir uma boa notícia: os produtores do filme “Amazônia em Chamas” haviam concordado em pagar algo em torno de 60 mil reais de direitos pelo uso do personagem no filme. O dinheiro ficou depositado numa conta conjunta na Caixa Econômica e só podia ser retirado com duas assinaturas, a sua e a de Zuenir. Genésio pôde então movimentar o dinheiro, mas o fez de forma descontrolada, posando de rico diante das moçoilas e dos companheiros de farra que conheceu em Marabá, no Pará. Na segunda parte do livro ele conta como foi essa fase de sua vida, intensa, amorosa e fracassada. Após desbaratar os 60 mil reais recebidos da Warner Bros, entregou os pontos e voltou para sua origem acreana.
Em 2004, sem saber por onde ele andava, Zuenir, eu e Júlia Feitoza empreendemos uma busca pela BR-317, no trecho Rio Branco – Brasileia, parando e perguntando a pessoas que o conheciam ao longo do estrada. Fomos encontrá-lo entre um grupo que fazia trabalho de recuperação de uma igreja nas proximidades de Xapuri. Estava gordo e se sentiu envergonhado por encontrar-se embriagado. Mas ficou feliz ao rever o amigo e tutor, a quem informou que estava escrevendo um livro com sua própria história. “Faça isso, Genésio!”- incentivou Zuenir, recomendando que entregasse os originais a mim, para que os remetesse para seu endereço no Rio à medida que fosse concluindo os capítulos. Surpreendentemente, poucos dias depois Júlia Feitoza recebeu o calhamaço de 365 páginas escrito com esferográfica em papel almaço, na frente e no verso.

O livro do Genésio não é um primor de literatura, mas nem precisava ser, porque o que atrai nele é a sua própria história, incomum, e o modo como é narrada, com transparência, verdade e fragilidade que chocam. Mesmo com estudos interrompidos na 6a. série do Ensino Fundamental, Genésio escreve com incrível força, dando pistas confiáveis sobre o imaginário dos povos da floresta amazônica. É, no mínimo, um caso a ser estudado por psicólogos e sociólogos, e ajudado (quem dera!), por ambientalistas de verdade. Afinal, ele continua procurando um lugar ao sol com os riscos de sempre.