O tesouro e a floresta
Ennio Candotti (*)
Os Reitores das Universidades da região Norte apresentaram
no Senado, no dia 28 de agosto último, em audiência convocada pelo Senador João
Capiberibe (AP), um programa de desenvolvimento acelerado da capacidade de
pesquisa e de formação a nível de pós graduação na Amazônia.
A proposta prevê a criação de uma Bolsa de fixação de
pesquisadores na Amazônia de R$ 3000 mensais, a ser paga durante os primeiros
cinco anos de contrato com uma instituição acadêmica ou de pesquisa na região.
Os reitores pensaram em um programa de dez anos, com uma meta de atrair dez mil pesquisadores para a região.
Por outro lado o projeto apresentado ao Senador e ao
Ministro da Ciencia e Tecnologia M.A.Raupp, presente na audiência, propõe
também ampliar as bolsas oferecidas a pesquisadores já em atuação na região. Em
dez anos o investimento para este programa de bolsas seria de R$ 1,7 bilhões.
Obviamente se deveria pensar em equipar os laboratórios dos
Institutos e Universidades, de modo que o sangue novo injetado no sistema de
pesquisas revigore braços e mentes
empenhadas em agregar inteligência aos planos de desenvolvimento
sustentável da Amazônia.
Durante os debates, que se seguiram à apresentação do
projeto, sugeriu-se também utilizar as bolsas do Programa Ciência sem Fronteiras
para convidar cientistas estrangeiros para colaborar em pesquisas e formação de
jovens pós graduandos nos Institutos e Universidades da Amazônia.
Os projetos são oportunos e mesmo imperativos, ainda que o propósito de incentivar a fixação de
quadros técnicos especializados na região vem sendo reafirmado há décadas, sem
sucesso. Apesar de tímidos progressos
devidos principalmente às perseverantes ações das Fundações de Apoio à
Pesquisa Estaduais, são poucos, muito poucos, os laboratórios de excelência
existentes na Amazônia. Pesquisadores do mais alto nível na classificação do
CNPq atuantes na região, contam-se ainda nos dedos.
Qual seria então, para além dos incentivos financeiros, o
ingrediente necessário para garantir a desejável fixação na região dos
pesquisadores jovens ou menos jovens? Arrisco algumas hipóteses:
1.Precisamos antes de mais nada de um projeto nacional de
desenvolvimento social e economico para a Amazônia. O que existe hoje, o Plano
de Aceleração do Crescimento, o PAC , trata a região Norte como os paises
centrais tratam o Brasil: um fornecedor de grãos, minérios e energia.
2.Não há no PAC preocupação com o desenvolvimento
sustentável da Amazônia. E tanto menos com a ampliação do conhecimento
científico e tecnológico
necessários para promover a exploração da biodiversidade,
microrganismos, toxinas e produtos naturais da floresta.
3.Os projetos de mineração, construção de hidrelétricas,
portos, ferrovias, linhões que
encontramos no PAC/Norte, aos quais se dedicarão investimentos de mais
de 200 bilhões de reais nos próximos dez anos não atendem a esta necessidade.
Pergunta-se quanto destes recursos se destinam a P&D ou politicas públicas
necessárias para promover uma mudança significativa na qualidade de vida da
região?
4.Enquanto existir crédito abundante para plantar soja e
criar gado na terra desmatada e forem
regateados os necessários investimentos em laboratórios e indústrias de
biotecnologia e microbiologia, o quadro de dependência e subordinação política
da região norte ao poder do Centro Sul se perpetuará. E não haverá bolsas e incentivos financeiros que
consigam fixar quadros técnicos e jovens talentos (como havia dificuldade de fixá-los no Brasil
até poucos anos atrás).
5.Dever-se-ia também pensar em criar na região,
empreendimentos de base tecnológica equipados para realizar esta tradução e
transferência dos processos e produtos naturais e microbiologicos dos
laboratórios para a indústria.
6.Cabe, enfim, observar que os conhecimentos existentes que
possam dar origem a produtos de interesse de mercado são ainda muito escassos.
Será preciso muito trabalho de pesquisa e inventário para que as possibilidades
aplicativas se multipliquem até níveis capazes de mover a economia da região.
Para tanto, os dez mil (ou mais) quadros técnicos de bom talento, empenhados em
pesquisas e desenvolvimentos realizadas em laboratórios equipados são
essenciais.
7.O que desconhecemos supera de muito o que conhecemos e não
adianta, como querem alguns ‘pragmaticos’, abrir a galinha dos ovos de ouro
para dela extrair o ouro. O tesouro se encontra na caminhada, floresta adentro.
Cuidado, porém! Precisamos de guias para entrar e sair da floresta com vida. Já
sabemos como formá-los? Sabemos sim que sem eles não haverá tesouro, encontraremos
apenas galinhas.
(*) Museu da Amazônia