segunda-feira, 29 de junho de 2009

Notícias da Leila Jalul

Sinto saudades do texto criativo e irreverente da Leila Jalul. Em 2007, ela trocou Rio Bran­co por Porto Seguro, na Bahia, após arreben­tar no Clube Tentamen com seu livro Suindara, e de presentear amigos com Absinto Maior, uma coletâ­nea de poemas personalizados com gosto de despe­dida. Decidi, então, provocá-la com uma entrevista pela internet: enviei algumas perguntas e a reposta veio rápida: “Arriscar-me-ei a conceder-lhe a breve entrevista. Aliás, fosse a situação que fosse, arris­car-me-ia, entende? Você é o amigo sobre quem no livro Absinto Maior, em dedicatória exclusiva e per­sonalizada descrevi a forma de amá-lo. Lembra de Ana, a russa Ákmatova? Pois é, amigo! Vamos lá”!

Entrevista

Temos uma Bienal do Livro em Rio Branco entre 29 de maio e 7 de junho. Você vem?

- Rio Branco está ficando chique demais. Até Bie­nal do livro? Como diria minha comadre Marlize Bra­ga, chique perde! Olha, ir para este evento é um caso a pensar. Estou com mais de dez mil milhas para ir de graça e voltar sorrindo em qualquer avião da TAM que não enfrente turbulências. Porém, sempre existe na vi­da um “porém”, lembra desse bolero? Acontece, queri­do Elson, que ando meio jururu e você vai entender as razões nas respostas que abaixo darei, está certo?
Minha saudade é brutal. O Acre é a razão dela. Esse torrão torrado, por mais que seja sacaneado e vilipendiado é meu torrão torrado e a parte que me cabe deste latifúndio. Longe dele, sou menina pas­sarinha com vontade de voltar. Tenho medo, muito medo, pelos motivos que bem conhece.

Seu livro Suindara (genial!) estava por ser traduzido para outra língua... Aconteceu?

- Suindaire, genial ou quase, foi cogitada para uma versão francesa. Elucubrações e devaneios - amigo! Puta e pura fantasia de quatro heróis da resistência inor­gânica, de Aurélia Hübner, André Alexandre, Simony Pessoa e esta que vos fala. Tudo coisa da mente fanta­siosa de quem cria que a grande obra de Leila Jalul al­çasse grandes vôos e atravessasse fronteiras. Atraves­sou, a bem da verdade, mas não foi além de Portugal, congêneres e adjacências, entende? Não pude contratar marqueteiros e... Apenas uma amiga de Londres e ou­tras de São Paulo arriscaram a queimação dos seus de­dos e de suas almas. Quem tem cu, tem medo, enten­de? Não tenho culpa de gostar de Hilda Hilst. As pudi­cas que me perdoem. Mas nada mudou. Está tudo “très joulie de boucett enfant”, oui, monsieur? Vamos deixar como está para ver como é que fica! Suindaire é linda, inclusive no português de barranco.

Conta pra gente: Em que jornal, revista, blog ou site você publica seus textos, atualmente?

- O que faço em Porto Seguro? Porto Seguro é, di­gamos, um lugar que não existe. Fico e estou sempre perto dele, porém, moro num porto inseguro, onde me escondo da insensatez da justiça brasileira, “aun que jamás tenga” infringido as normas do bem da coletivi­dade e dos bons costumes. Esse é um assunto para de­pois. A justiça do Acre soube, e como soube! afastar um cancro neurótico e maligno da sociedade. Infeliz­mente, na instância superior, fica provado que, culpa­do, é quem denuncia sem máscara. Coisas das leis re­trógradas e dos códigos seculares. Se o Acre se viu li­vre de mim, em compensação, ganhou dois bandidos experientes que riem da lei, da justiça, dos magistrados, jurisconsultos e dos comerciantes locais.
Esse tópico me faz mal, entenda. Se posso dar conselhos ou sugestões, espero que os pais cuidem de suas filhas e filhos. Pedófilos, sejam americanos, índios, astronautas, governantes, hoteleiros, jorna­listas, desembargadores, profetas e militantes hão de sempre ser e sempre serão. É um tipo de crime des­prezível e continuado.
Xô, depressão!

Antes de deixar o Acre, você admitiu ter outro livro na agulha. Seria uma história proi­bida para menores, sobre a Universidade Fe­deral do Acre. O projeto está de pé?

- O livro está pronto! Não será uma história proibida. A Universidade é nauseabunda para quem bunda não tem. Tem mais, meu camarada, o novo livro não aceitará, nem sob tortura, que você sugira o título, compreende? Aquele “ras­ga mortalha” ainda ecoa e rasga meus intesti­nos, minhas orelhas, além dos meus mortos, cla­ro! Crash! Crash! Piuí, piuí, abacaxi! Sem chan­cha, negão! No novo livro tá todo mundo vivi­nho da Silva e Souza & Cia Ltda! Tudo e todos rescendem a suor, lágrimas e cerveja.
O projeto está de pé, eretíssimo, com ou sem Viagra financeiro. Alguns personagens você vai reconhecer, mesmo com dificuldades. Estamos velhos, brother! Os textos, crônicas, contos, cau­sos, ou seja lá o que sejam, já estão sob os olhos de Aurélia Hübner. Quer ser o orelhista ou o apre­sentador? A escolha é sua!

Finalmente: Como você vê o Acre e os acreanos de onde você está?

- Amigo Elson, eu vejo o Acre talqualmente co­mo ele é. Nasci acreana e assim morrerei. Não ha­rará nem haverá acordo ortográfico que altere o meu pensar. A mim me ofende ver os apressadinhos, in­corruptos e desfraldados de imaginação, em tão cur­to espaço de tempo mudarem minha identidade. Di­ga-se de passagem, esta não foi a única correção que desagradou. Os reformistas são muitos... são mui­tos, mas não sabem voar. Substituir jabá por charque, confesso, até que não me assusta ou deprime. Agora esse tal de acriano, rejeitarei até meus últimos dias. Se o lema do Juventus é crescer e a alegria do Juven­tus é vencer, acreana, acreana, acreana, eu sou e se­rei até morrer. Ponto final.
E assim, jamais serei baiana, exceto no que diz res­peito ao fuso horário.

Faço a última pergunta, parecida com a pe­núltima: é difícil para você, se sentir baiana?

A Bahia é linda! De longe, muito longe, con­fesso, jamais será mais linda que meu Acre de ho­je e de antes.
Não sei mais falar de meus patrícios acreanos. Há dias que leio sobre o Seu Arnóbio, o the Best, e balanço pés, pernas, pescoço e bacia. Se ele apoiar um pedófilo, seja secretário, seja gente comum, sem sombra de duvidas pisarei no seu cadáver. Não con­segui entender as razões de Binho não afastar um suspeito até que as acusações contra ele fossem apu­radas. Se Joana D’Arc é doida, que seja queimada de pronto. Perto do Obelisco, de pre­ferência. Se Bi­nho estiver corre­to, desculpas de­vo e ele que me entenda, enten­de? Nós, os con­trários, sem bas­tões ou coroas, saberemos, quer de longe, quer vizinhos, ava­liar o nosso sen­tido de caminhar junto e encami­nhar os que sen­tam nos tronos e nos dirigem para um caminho que acreditamos seja o mais correto para o Acre.
Amigo Elson Martins, se honrarias tive nesta vida, não foi apenas com acreanos de nascença. Sou feliz e continuarei sendo por havê-lo conhe­cido quando, por razões óbvias, deixei que você ajudasse a formar a cabeça que tenho e a capaci­dade de saber dizer, inclusive nesta entrevista.
E tenho dito!


Notas: 1- Leila Jalul é advogada aposentada, da Universidade Federal do Acre (UFAC); 2- O que teria causado sua saída do Acre tem a ver com um pedó­filo e presumível psicopata que se envolveu com sua família. O sujeito foi preso em 2007, mas, já foi solto e representa ameaça social.

Uakti: música tirada do vento

Natália Jung

Músicos excelentes, ins­trumentos altamente ins­tigadores, muita criati­vidade e sensibilidade formam o grupo mineiro Uakti, personagem de uma lenda amazônica materia­lizado por Arthur Andrés, Décio Ramos, Paulo Santos e Marco An­tônio Guimarães, fundador do gru­po e principal idealizador dos ins­trumentos simples e exóticos que tornam Uakti referência mundial na música instrumental.
Os três músicos passaram 15 dias em Rio Branco, dando uma ofi­cina de música instrumental aos alu­nos dos cursos de música, teatro e artes plásticas da Usina de Arte João Donato, auxiliados por João, assis­tente do grupo.
O Uakti existe há 30 anos, tendo gravado 11 CDs e 1 DVD neste pe­ríodo, e participado do trabalho de diversos outros artistas consagrados como Milton Nascimento e Philip Glass, em trilhas sonoras para balés e filmes, sendo o trabalho mais re­cente a trilha do longa Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles.
Com este currículo dá para no­tar que não estão aqui para brinca­deira. São músicos compenetrados que passam além de didática especí­fica para o estudo rítmico, uma no­ção de concentração e envolvimento com a música, além do respeito com os instrumentos. Estes, por sua vez, são de tirar o fôlego de qualquer um. Por menor conhecimento musical que se tenha, é impossível não se ad­mirar com a sonoridade produzida a partir de tubos de PVC afinados pa­ra serem batidos, assoprados, toca­dos com a mão ou pedaços de bor­racha encapados com meia soquete. Para não falar das marimbas de vi­dro e madeira que podem levar seus ouvintes aos recantos mais inusita­dos de sua imaginação, tamanha a transcendência alcançada pela sen­sível sonoridade produzida pelas te­clas nas mãos de seus tocadores.
Nem por isso, este trio de virtu­oses é sisudo e esnobe. Com gran­de humildade e graciosidade, en­sinaram os oficineiros a ler as fi­guras geométricas, que são um ti­po de partitura rítmica criada por eles, através de dinâmicas e brin­cadeiras, levando todos às garga­lhadas inúmeras vezes. Com cerca de 50 participantes na oficina, em sua maioria não músicos, Décio co­menta que este público sempre re­cebe muito bem a proposta, pois acredita que a música está em todas as coisas, basta sabermos lê-la.
E assim foi feito: no Teatro Plá­cido de Castro, logo nos primeiros dias de oficina, os alunos fizeram música a partir das poltronas, por­tas, janelas e escadas. “O resultado é muito bom, porque a pessoa não tem nenhum tipo de vício, está fres­quinha, pura, recebe e entende fa­cilmente tudo aquilo que é propos­to. Geralmente estas pessoas, como a gente trabalhou aqui, com pes­soas que nem todas são da área de música, têm idéias muito boas, que se tornam idéias musicais e que so­am muito bem”, observa Décio.
E sobre estar pela primeira vez no Acre, Paulo comenta: “foi uma grata surpresa, pelo que a gente es­perava do Acre, pois a gente tem sempre uma visão meio distante, meio indígena e a gente encontra uma cidade super-estruturada, com pessoas de várias partes do Brasil a fim de trabalhar; e pra gente isso é muito bom, pois viemos fazer um trabalho que teoricamente poucas pessoas conhecem. Mas, na verda­de tem um público aqui que quer vi­venciar isso, que quer fazer um tra­balho bom e passar pra frente esta nossa didática, o que é muito legal. É uma coisa que a gente sentiu bem surpreendente, muito agradável. Foi muito além da expectativa”


O show

Fechando sua pro­gramação no Acre, o grupo Uakti se apresenta neste fim de sema­na (16 e 17) no Teatro Plácido de Castro, a partir das 21 horas. O re­pertório foi composto para um ba­lé do também mineiro Grupo Cor­po, mas no show as músicas es­tão adaptadas para a performance dos instrumentistas com seus ins­trumentos. “Nós temos vários re­pertórios, mas este show é para um primeiro contato, onde toca­mos uma variedade grande de ins­trumentos. O Uakti tem esta nu­ance em seus repertórios, de apre­sentar os instrumentos e mostrar que é possível tocar coisas muito simples e fazer música com aqui­lo”, comenta Paulo.

A lenda

O nome UAKTI de­riva de uma lenda indígena dos ín­dios Tukano do Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, como des­creve Elza Camêu, estudiosa da música indígena brasileira:
“Os estudo de E. Bianca sobre os índios do rio Tiquiê, (afluente do Alto Rio Negro) revela mais um aspecto da criação de ins­trumentos. Uma lenda, referen­te ao herói Uakti, desses índios, diz que ele violava e pervertia as mulheres, por isso foi capturado. Era um monstro de formas hu­manas, horrendo e tendo o cor­po aberto em buracos. O vento, ao atravessar-lhe o corpo, pro­duzia sons soturnos e lúgubres. Uakti foi morto e sepultado. No lugar em que o enterraram nas­ceram três palmeiras altas, que passaram a guardar o grande es­pírito de Uakti. Desde então, os instrumentos de Uakti são feitos do caule dessa palmeira. O tim­bre dos instrumentos correspon­de aos sons tirados pelo vento ao passar pelo corpo esburacado de Uakti. E em razão do comporta­mento de Uakti, as mulheres que vissem ou ouvissem o som dos instrumentos ficariam imundas. Por isso, se uma coisa dessas acontece, a mulher teria ou terá que fatalmente ser sacrificada”.

O fim é o começo

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, conheceu o Uakti em 1966, ficou encantado e escreveu o texto a seguir que está na apre­sentação do CD 21 lançado em 1997:

Metade Deus. Metade Diabo. Na exata e mineira medida, como é a vida. Num único espaço e tempo estão juntos porque necessaria­mente diferentes, e necessários um ao outro: não há vida sem morte, prazer sem dor, sim sem não, princípio sem fim, agudo sem grave, veloz sem lento, grande sem pequeno. Deus sem Diabo. Tudo é me­tade e o contrário da outra parte, diferente para fazer a unidade do que é contrário. Foi escutando o Uakti que aprendi o que sempre me recusei a aceitar: que todo diferente é, no fundo, parte de um mes­mo igual. ‘Yin’ e ‘Yang’. Deus e o Diabo, num empate aceito pelos dois, eis o mistério. Negado em todas as partes, mas não em Minas Gerais, onde o empate é reconhecido no se, no talvez, no não sei se sim ou se não, na indefinição que define todo o saber e fazer.
Em Minas o normal é o empate. O desempate é puramente pro­visório. Minas Gerais, estado particular e único do Brasil. Central, no meio de tudo, com extremos, mas sem se definir. Um lugar onde a vida e a morte conversam todo o tempo sem se despedir. Terra de Milton Nascimento, de João Guimarães Rosa e do Uakti, sem mar, mas com imensidão. Terra onde a liberdade foi esquartejada na In­confidência Mineira de Tiradentes no século 18, mas permanece de corpo inteiro. O lugar onde a liberdade dura ainda que tardia. En­fim, o mistério.
Foi lá que nasceu o Uakti e só poderia ser. Quatro anjos verti­dos em demônios entraram na música e fizeram uma grande filoso­fia pela via das notas, do estalo, do contraste, do espanto, da doçura e da violência sem limites do som que ultrapassa todas as barreiras. Transcenderam o tempo e o espaço, reescreveram Einstein por cima de toda relatividade. Foram tão acima de tudo que tiveram que in­ventar até os instrumentos. E inventaram como Deus fez no come­ço e o Diabo ajudou.
Deus inventou a humanidade, o Uakti inventou o instrumento da música. Não se pode entender o Uakti sem se levar esse choque do totalmente Deus e totalmente Diabo, uma coisa que todo minei­ro entende e aqueles que podem praticam.
O fim do mundo está no começo. E o Uakti é esse Verbo.

Vale a dica

Entre os 11 álbuns do grupo, Águas da Ama­zônia se destaca por es­ta particularidade: tem inspiração em nossos rios, foi composto por Philip Glass para o es­petáculo “Sete ou oito peças para um ballet” do Grupo Corpo, e in­terpretado pelo Uakti. As músicas recebem nomes dos rios da re­gião, como “Xingu River” e “Purus Ri­ver”, sugerindo cor­redeiras e redemoi­nhos que revelam a linguagem (ou alma) da cada um. O álbum custa 20 reais.

*publicado no Jornal Página 20 em 17/05/2009