segunda-feira, 20 de julho de 2009

Porto Acre ressuscita

Em maio passado o grupo de teatro Trincheira encenou a primeira insurreição acreana comandada por José Carvalho.

Ao anoitecer de 14 de julho na pequena cidade de Porto Acre, localizada a 57 quilômetros de Rio Branco, crianças, jovens e adultos permaneceram de pé por mais de duas horas na Rua Luiz Galvez com disposição incomum para ouvir historiadores e acompanhar o sorteio de um fogão entre 10 moradores.

Foi mais um feito da Confraria da Revolução Acreana, movimento iniciado em 2008 com quatro gatos pingados, mas que cresce com surpreendente capacidade de mobilizar pessoas de todas as idades para ressuscitar a história do Acre e de seus principais insurretos.

Em 24 de janeiro de 2009, a entidade fez lembrar a data em 1903 em que o coronel Plácido de Castro avançou com um improvisado exército de seringueiros contra as tropas bolivianas, garantindo a posse definitiva do Acre pelos brasileiros. No dia 1º. de maio promoveu a encenação do episódio mais antigo, no qual o advogado cearense José Carvalho conduziu a primeira insurreição acreana contra a aduana da Bolívia instalada em Puerto Alonso, hoje Porto Acre.

Embora deixe a impressão de que não tem condições de promover muita coisa, a Confraria encabeçada por Abrahim Farhat, o Lhe, e pelo Luiz de Vasconcelos (que não se acanha de se apresentar como Chico Doido) chama atenção cada vez mais para o pequeno município que é começo e fim das insurreições acreanas, ainda que permaneça, historicamente, negligenciado por filhos ingratos no poder.

Que pena! Mas surgem sinais de mudança: no evento de terça-feira o historiador Daniel Klein esteve lá representando o governo e repassou informações animadoras. O Estado vai fazer em breve o inventário histórico-cultural do município e já decidiu realizar, na cidade, a última etapa da 1ª. Conferência de Cultura prevista para os dias 20 e 21 de agosto.

Isso bate com as idéias do professor e doutor em história, Valdir Calixto, atraído pela Confraria e que proferiu uma aula de mais de duas horas de duração no meio da rua afirmando que Porto Acre “é um valioso capital histórico a ser alimentado e multiplicado por ações públicas e privadas”.


O professor vê com otimismo o movimento que poderá levar Porto Acre à condição de cidade museu “não empalhada”. Ele explicou: “Um museu, porque é essa palavra que nos remete à guarda do passado. No caso, esperamos que seja nosso passado moderno, interdisciplinar e tecnicamente identificado. Que sua exploração e utilização se tornem passagem necessária a eventos de pesquisa e de reflexão sobre a história e a cultura acreanas”.

Valdir Calixto e o vice-prefeito Raimundo Jerônimo
A aula de história no meio da rua prosseguiu em tom ameno. Calixto falou sobre a Tomada da Bastilha, na França (ocorrida há 220 anos), quando o III estado francês pôs fim ao Regime Absolutista, opinando que Paris hoje é uma mega cidade bonita e festiva, mas na sua periferia ocorrem protestos reprimidos pela policia. Ou seja: o lema Igualdade-Liberdade-Fraternidade que inspirou o espanhol Luiz Galvez ainda não foi cumprido inteiramente na matriz, “pois na França de hoje há mais liberdade, porém menos igualdade e menos fraternidade”.
Aqui entre nós a expressão também está incompleta: talvez tenhamos mais fraternidade, mas menos liberdade e menos igualdade.

Galvez

Sobre o espanhol Galvez, que acaba de entrar nas graças do líder palestino-acreano Abrahim Farhat, Calixto pareceu reticente. Disse que seu passado aponta para dois perfis: tem o lado anedótico que o mostra “mulherengo, libertino beberrão e afeito a duelos”; e o lado político que o reconhece como diplomata liberal e ousado.

O imperador do Acre apareceu na Amazônia no tempo em que não interessava ao governo nacional atender apelos da região. No período 1898/1902 o Presidente Campos Sales só tinha olhos para os ricos fazendeiros e plantadores de café paulistas e mineiros, para quem os seringalistas da Amazônia poderiam representar ameaça. Afinal, a borracha já era o segundo produto na pauta de exportação!

Olhando bem, parece até que nem passaram mais de cem anos! Porto Acre continua ameaçado por fazendeiros que cercam a cidade deixando que suas vacas pisoteiem uma bela história, enterrada, que precisa ressuscitar.


CORREIO

História e Política

Valdir Calixto planeja pesquisar sobre o advogado José Carvalho que comandou a primeira insurreição acreana em 1899. O professor se tornou um dos colaboradores de peso da Confraria, com seu vasto conhecimento acadêmico e sua postura de cidadão consciente. Ao seu lado, na foto, está o atual vice-prefeito de Porto Acre Raimundo Jerônimo, de apelido Coca, que também manifesta interesse pela história de sua terra. Como vereador na legislatura passada (2008), ele criou a emenda parlamentar municipal que estabeleceu o dia 14 de julho como feriado local.





Mulheres



As mulheres também estão se chegando ao movimento: Nonata Queiroz bateu as fotos que aparecem nesta página e Graça Halk (ex-proprietária do bar Casarão) fez o relato do qual retirei as informações contidas no texto; a estudante de teatro Andréa, por sua vez, mobiliza o pessoal de teatro que encena os fatos históricos. E as professoras de Porto Acre se empenham na mobilização de alunos.


Nonata Queiroz e Graça Halk



Colaboradores


Na lista de colaboradores da Confraria constam: Badate Festas, Fundação Cultural Elias Mansour (Governo do Estado), Prefeitura de Porto Acre, Assembléia Legislativa, Biblioteca da Floresta e Polícia Militar.


Apartidária



Luiz de Vasconcelos e Abrahim Farhat definem a Confraria como entidade civil e apartidária cujo principal objetivo é “ressuscitar a as revoluções acreanas”. Luiz mora em Porto Acre e costura bem a relação com a prefeitura local. Prova disso é que o professor Adalberto, responsável pela Cultura e Esporte do município, cantou as bolas do sorteio do fogão doado pelo Badate.


Prof. Adalberto e Abrahim Farhat


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