sábado, 14 de agosto de 2010

Tocaia


Coluna publicada no Jornal Página 20 | 8ago2010


Madruguei sexta-feira, 6 de Agosto, junto ao túmulo do Coronel Plácido de Castro, num dos ramais da estrada da praia do Amapá, no segundo distrito Lá, após a travessia do igarapé “Distração”, no antigo seringal Flor de Ouro, caiu assassinado, numa emboscada armada em 1908,  o militar gaúcho do exército brasileiro que se tornou o “Pai do Acre”. Foi, certamente, a primeira morte anunciada na região, com ingredientes políticos semelhantes aos que vitimaram, oitenta anos depois, Wilson Pinheiro e Chico Mendes.
A cena do crime, que era de mata fechada e lúgubre, foi modificada em 2008 pelo ex-governador Jorge Viana: desde então, uma bonita ponte de madeira sobre o igarapé dá acesso a um espaço aberto e bucólico, onde se destacam o túmulo do herói ; e estátuas de fibra de vidro da vítima e de quatro acompanhantes, bem como dos assassinos entocados. Cavalos e cachorros também estão representados nas esculturas.
Após vencer o exército boliviano, em 1903, permitindo a anexação do Acre como estado brasileiro, Plácido de Castro foi perseguido pelo governo federal e por seus delegados enviados à região para administrar o território conquistado. Decepcionado, ele afastou-se da política e passou a cuidar do seu seringal Capatará e de outros negócios. Mas sua presença histórica continuou incomodando.
Em agosto de 1908, circulavam na vila Rio Branco, boatos de que o então prefeito Gabino Bezouro encarregara o subdelegado Alexandrino José da Silva (ex-membro do exército revolucionário de Plácido) de eliminá-lo. E a hora chegara: na boca da tarde do dia 8, Plácido se dirigiu para sua propriedade na companhia do irmão Genesco (engenheiro e dentista), dos advogados Zé Maia e Campelo, e de seu auxiliar Chico Acreano, que seguiu a pé, na frente, para certificar-se de que a passagem pelo varadouro estaria livre.
Não foi por falta de aviso! A revolucionária Angelina, que durante a guerra enfrentou o exército boliviano para vingar-se do marido, o advertiu:
- Pelo amor de Deus, Cel. Plácido, volte para a vila. Os varadouros para o seringal Flor de Ouro e o seringal Benfica estão empestados de capangas!
A comitiva dormiu numa barraca abandonada na boca do Riozinho do Rola e ao amanhecer do dia 9, seguiu caminho. Chico Acreano, que saiu na frente, estava bem adiantado quando foi interceptado por capangas. Assustado, achou melhor alcançar o seringal Benfica, pensando em pedir socorro ao proprietário, Joca Rola. Mas este, que parecia saber da emboscada, teve medo de agir no sentido de impedi-la. Parte da mata da mata do seringal Flor de Ouro pegava fogo, certamente, como parte do sinistro.
Ali próximo, ficava o barracão de Alexandrino. Genesco atravessou a ponte do igarapé “Distração” na frente, e Plácido foi logo atrás.  Deu-se então o tiroteio: o primeiro tiro, a queima-roupa atingiu-lhe o braço esquerdo; o segundo, de rifle Winchester 44, papo amarelo, fez estrago maior. Seguiu-se então intensa fuzilaria, abafada pelos estalos do tabocal em fogo. Os acompanhantes Campelo e Zé Maia se perderam em pânico no matagal, enquanto Genesco acudia o irmão caído.
Levado, numa rede, mortalmente ferido até o Benfica, Plácido foi cercado por dezenas de seringueiros, a quem disse:
-Meus amigos, a morte é um fenômeno tão natural como a vida e quem tem sabido viver, melhor saberá morrer! Eu só lamento é que havendo tanta ocasião gloriosa para morrer, esses heróis me matem pelas costas. Mas... Em Canudos, fizeram pior.
(Informações recolhidas do “Almanaque Acreano”, obra inédita produzida por Océlio Medeiros e sua filha Elizabeth Skvarnavicius).






Patrimônio histórico


Foram comigo ao local onde Plácido de Castro caiu morto, em 1908, o historiador Marcus Vinicius das Neves, o pequeno empresário da construção civil, Quintela, e a líder comunitária Terezinha, brava defensora do Lago do Amapá. E logo chegaram os donos da festa: o governador Binho Marques, os candidatos ao Senado Jorge Viana e Edvaldo Magalhães, e o candidato a governador Tião Viana, todos do PT.
Cerca de 40 pessoas, entre convidados, jornalistas e políticos permaneceram de pé cerca de 40 minutos, uns falando, outros ouvindo sobre a revolucionária história acreana. Seu Quintela, um pioneiro das lutas socioambientais, disse ter conhecido alguns membros do exército de Plácido de Castro. E se mostrou generoso com os vencidos, reconhecendo mérito em personalidades demonizadas por historiadores. Ele desconfia, por exemplo, que não foi Alexandrino quem matou o comandante da Revolução Acreana, porque, pelo que tem ouvido falar, “ele não era homem de matar ninguém pelas costas”.
Tião Viana, acatando sugestão do irmão, Jorge, disse que se for eleito vai construir uma linda biblioteca e outras instalações que atendam melhor aos visitantes interessados em conhecer toda essa história. Afinal, ele é autor do projeto que conduziu a figura de Plácido de Castro ao Panteão da Pátria, onde figuram os heróis nacionais, em Brasília;  e tem se empenhado em publicar pela editora do Senado, importantes obras  sobre o tema.
Na contramão do seu Quintela, Tião manifestou, entretanto, que se pudesse entrar numa maquina do tempo e saltar no começo do século XX, cuidaria de promover justa punição ao suspeito Alexandrino.
Jorge Viana, Edvaldo Magalhães e Binho Marques falaram no mesmo tom para enfatizar a importância da história acreana no projeto político da Frente Popular do Acre. Todos aprovam a idéia de ampliar a discussão sobre a Revolução Acreana, trazendo para o primeiro plano, heróis ainda não reconhecidos, mas que são citados nos relatos simples de quem se orgulha de suas raízes.
Bom, a solenidade, embora incluída na agenda dos candidatos, não pareceu eleitoral, mas incomum e necessária.

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