segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Núpcias Vermelhas

Coluna publicada no Jornal Página 20 | 12set2010
Adalberto Queiroz, pioneirismo no cinema amador acreano
Provavelmente, pouca gente pode dizer que já viu filme com esse título. Menos ainda um que tenha como ator principal o galã do Cinema Novo brasileiro, Geraldo Del Rey, e que tenha sido produzido, por devaneio, pelo acreano-boliviano Jimmy Barbosa, dono do Cine Acre nos anos 1980. “Núpcias” tem no elenco outra novidade: o doutor professor da Unicamp (SP), Mário Lima, acreano de Brasiléia que se tornou conhecido como autor de artigos acadêmicos publicados na imprensa local. Ele faz uma ponta de mau mocinho,vestido a caráter, que dispara um revolver e sopra a fumaça do cano no melhor estilo western. Quem diria! O cineasta acreano Adalberto Queiroz esteve presente no lançamento do filme em Rio Branco, em 1975, e não gostou: “Foi um fracasso” - disse sexta-feira passada, quando foi doar cópias restauradas de seus próprios filmes para enriquecer o acervo da Biblioteca da Floresta.

Na época, Adalberto já era veterano em dificuldades com o cinema local. Em 1973, por exemplo, filmara com equipamento super-8 o longa “Fracassou Meu Casamento”, que teve destino pior: foi apreendido pela Polícia Federal e recuperado somente em 1979, assim mesmo porque o autor foi a Brasília e insistiu em procurá-lo nos porões da Censura Federal. Lá, na companhia do censor encarregado que insistia em afirmar que o filme não existia naquela montanha de latas com rolos de 35mm (bem maiores) censurados, apontou: “É aquela latinha azul ali”!

Se tivesse ouvido o conselho do Adalberto, Jimmy não teria caído em desgraça com “Núpcias Vermelhas”. O autor de “Fracassou meu casamento” tinha acabado de rodar seu segundo longa, "Rosinha, a Rainha do Sertão” (1974), mas propôs fazer uma versão mais chique com o equipamento 35 mm do empresário. Afinal, a maquininha Super-8 nem som acoplado tinha. Era preciso gravar as falas, ruídos e música em gravadores comuns, para depois mixar a trilha sonora na película das imagens. Nessa tarefa, aliás, Adalberto era um craque: fazia o som de trote de cavalo com o dorso da mão direita, no que muito ajudavam seus dedos magros e compridos, e o som da água remexendo, também com as mãos, o produto numa pequena bacia. Seus companheiros do Ecaja (Estúdio de Cinema Amador de Jovens Acreanos), Teixeirinha e Toni Van completavama improvisação: atuavam, tocavam violão, operavam o projetor, pensavam os roteiros junto com ele. Também cuidavam da trilha sonora com a ajuda de toca-discos. Jimmy, claro, esnobou: preferia fazer algo profissional, uma obra-prima do cinema para concorrer em festivais. E lá se foi pra São Paulo e danou-se a gastar dinheiro. Montou estúdio, contratou operadores de câmera, técnicos de som, produção, montagem, atores secundários e extras. Para fazer par com Geraldo Del Rey, buscou uma atriz pouco conhecida, Ideli Costa, que trabalhara no filme de Waldik Soriano “Paixão de um Homem”. Pra encurtar a história: Jimmy teria gasto boa parte da venda de umas terras que herdou do pai no segundo distrito de Rio Branco e ainda ficou devendo o pagamento da equipe. Quando menos esperava, a turma de Sampa que não é boba, apareceu e lhe tomou tudo: estúdio, equipamento e filme. E nunca mais se ouviu falar de “Núpcias”. Mas, segundo Adalberto Queiroz, há anos, Jimmy sustenta que sua obra-prima está guardada em La Paz, na Bolívia.

Seria bom que fosse recuperado e valorizado como primeiro longa-metragem em 35mm produzido no Acre. De sua parte, o sobrevivente Adalberto Queiroz está cuidando de sua produção em Super- 8 e depois VHS, fazendo limpeza, nova dublagem e digitalização. Atrai muito ver suas caixinhas bem montadas, com títulos diversos, ao preço de 15 reais por unidade: “Rosinha, a Rainha do Sertão”, “Coisas da Vida”, “Um Crime, um Mistério”, “Horas Amargas”, “Revolução Acreana” e outras dezenas de filmes rodados a partir e 1973. “Fracassou meu Casamento”, por ter sido apreendido e desde então jogado nos porões da Censura, está dando mais trabalho para recuperar. Mas sairá numa próxima fornada.

Acreano nascido na Maternida de Bárbara Heliodora, mas foi gerado num seringal da Bolívia, na região do rio Abunã, Adalberto é hoje, aos 58 anos de idade, professor de História da Universidade Federal do Acre. Nas horas vagas, podemos vê-lo com uma “câmera na mão e uma idéia na cabeça” - expressão que foi palavra de ordem do notável cineasta brasileiro Glauber Rocha – registrando o Acre hodierno.

Ele contou na Biblioteca da Floresta que, em 1973, pensou em procurar ajuda junto ao governador Francisco Wanderley Dantas, considerado governador dos bois. Não conseguia agenda, nunca. Mas um assessor do homem lhe deu uma dica: esperá-lo pela manhã, à porta do Palácio. Dantas mostrou-se surpreso com aquele jovem de 21 anos que lhe abordou falando em fazer cinema. Mas logo o despachou, com estilo bovino: “Você quer um conselho? Vai plantar batatas!".

Coisas da Vida
Sinopse: Incursão no universo do cotidiano da vida urbana. Informa, de forma comediante, a sedução e a corrupção de menores e sugere ações e combate e proteção. É a primeira obra que questiona esse tipo de problema social no Acre até a década de 80, quando não havia nenhum tipo de política pública de proteção do menor.

Rosinha, a Rainha do Sertão
Sinopse: Retrata aspectos da chegada de sulistas ao Acre na década de 70, com a perspectiva de um novo modelo econômico baseado na pecuária, gerando um choque cultural motivado pela esperteza dos migrantes contra o homem acreano, ironicamente abordado entre drama e comédia.

Um Crime, um Mistério
Este filme resultou de uma oficina de cinema feito pela Ecaja em Rodrigues Alves, pequeno município do Juruá, com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Acre. O roteiro e direção é de Iderlindo Lope, com a participação de outros alunos.

Horas Amargas
Sinopse: Retrata aspectos da violência urbana na cidade de Cruzeiro do Sul (AC), tendo no centro a mulher, o papel da sociedade civil organizada e do poder público no combate às diversas formas de violência por meio de ações preventivas e repressivas.

Obs.: Os interessados em obter títulos digitalizados da Ecaja podem fazer contato pelos fones (68) 8113-3028 e (68) 9994-5204.

Um comentário:

  1. Caro Elson,
    uma abordagem fascinante.
    Praticamente desconhecia essa faceta do cinema acreano.
    Parabéns pelo trabalho.

    Um abraço fraterno!

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