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Em dezembro de 1988, Lula discursa junto ao caixão de Chico
Mendes, no velório dentro da igreja de Xapuri
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Em toda a história deste País,
nenhum chefe politico e Presidente da República visitou e fez tanto pelo Acre
quanto Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores. Hoje, na
condição de ex-Presidente “demonizado” pelas elites do Sul e Sudeste, com utilização
em larga escala das redes sociais via Internet, ele chega a Rio Branco pela
25ª vez e na segunda-feira, 30*, segue cedinho a Brasileia, na Fronteira com a
Bolívia, para participar do I Encontro das Cadeias Produtivas Sustentáveis. Na
ocasião vai inaugurar o Frigorífico Dom Porquito, inserido na parceria governo-
empresa-comunidade que inova com atividades produtivas sustentáveis em áreas
abertas da região do Alto Acre.
Lula começou sua amizade com os
acreanos em fins dos anos 70, quando era líder metalúrgico na região do ABC
paulista. De lá para cá, nunca deixou de participar dos acontecimentos
sindicais e políticos que promoveram mudanças fundamentais no Acre. Em julho de
1980, participou em Brasileia do protesto pelo assassinato do presidente do
sindicato dos Trabalhadores Rurais Wilson Pinheiro, a mando de fazendeiros. Ao
discursar de um palanque improvisado na carroceria de um caminhão, em frente ao
sindicato, declarou: “Está na hora da onça beber água!”
O recado foi entendido pelos
companheiros de Wilson que ao retornarem para suas colocações de seringa,
toparam no caminho com o capataz da Fazenda Nova Promissão, Nilo Sérgio,
principal suspeito do crime, e meteram bala nele. A Policia Militar prendeu e
torturou mais de 40 seringueiros, enquanto Lula e outras lideranças como Chico
Mendes e o delegado regional da Contag, João Maia, eram enquadrados na Lei de
Segurança Nacional do regime militar.
No dia 22 de dezembro de 1988,
Chico Mendes foi morto em condições semelhantes pelo peão Darcy Alves a mando
do pai fazendeiro Darli. Desta vez, Lula, na condição de deputado federal (PT)
fez longo e polêmico discurso ao lado do caixão do líder seringueiro durante o
velório na igreja de São Sebastião em Xapuri. Como diretor da TV Aldeia na
época, encaminhei a gravação em fita Umatic (ver na foto).
Nas eleições de 1990 para o
Governo do Estado, o candidato Edmundo Pinto, do PDS (partido antecessor do
DEM), ganhou do estreante Jorge Viana (PT) no segundo turno. Preocupado com o
destino que seria dado à fita na nova administração, favorável aos fazendeiros,
tomei o cuidado de fazer cópia e levar comigo para o Amapá onde vivi 13 anos
como assessor do governador João Alberto Capiberibe (1995-2002) e editor do
jornal Folha do Amapá. De volta ao Acre, em 2003, consegui fazer cópia digital
dessa e de outras 33 fitas que passei para o acervo da Biblioteca da Floresta e
para a TV em 2008.
Em 2010, portanto 22 anos depois
daquele acontecimento trágico, transcrevi e publiquei no Almanacre o discurso
ontológico que marca a relação do atual ex-Presidente como amigo e parceiro dos
acreanos desde aqueles tempos tristes. Vale a pena ler de novo.
Discurso corajoso (1988):
O Chico termina numa entrevista
que ele deu ao jornal do Brasil dizendo o seguinte: “Eu quero ficar vivo para
ajudar a salvar a Amazônia, eu não quero morrer, porque esse negócio de ato
público depois da morte, esse negócio de grandes enterros acaba no dia
seguinte”. Esse era o pensamento do velho Chico, há tempo, pois ele participou
junto comigo do ato de solidariedade ao companheiro Wilson Pinheiro, morto em
Brasiléia dentro do sindicato em 21 de julho de 1980, e falou isso (…).
Chico conseguiu juntar a bandeira
do direito ao trabalho, do direito à vida dos trabalhadores desse Estado e
dessa região com uma luta pela defesa do meio ambiente. Por quê? Porque
preservar o meio ambiente para os trabalhadores que moram na região amazônica,
preservar as árvores, preservar as castanheiras, preservar as seringueiras é,
na verdade, preservar o direito do feijão e do arroz de cada criança dessa
região. Porque o gado traz riqueza pro dono do gado, mas não traz sequer carne
para os companheiros que trabalham aqui. E o que o companheiro Chico queria?
Ele queria pura e simplesmente que deixassem a mata, que era instrumento de
sobrevivência de milhares e milhares de trabalhadores, em paz; que fossem
plantar gado noutro lugar, criar gado noutro lugar, mas deixassem aqui a mata,
as seringueiras, as castanheiras, pros trabalhadores sobreviverem.
Na TV Globo o doutor Romeu Thuma,
a quem o Chico enviou várias cartas, dizia o quê? Que a culpa do que está
acontecendo aqui é da Polícia Militar… Mas nós precisamos dizer que a culpa não
é apenas da polícia militar, a culpa é de todos eles juntos: é da polícia
federal, é da polícia militar, da justiça brasileira, da Presidência da
República (José Sarney- PMDB), porque, quando eles inventam que vêm aqui
desarmar o povo, quem que eles desarmam? Eles pegam a espingardinha de caçar
preá do trabalhador e deixam os fazendeiros com metralhadoras, calibre 12.
O companheiro Chico não ganhou as
eleições (Chico foi candidato a deputado estadual em 1982 e a prefeito de
Xapuri em 1985) e alguns imaginavam que a partir daí fosse desanimar. Qual não
foi a surpresa dele: ao invés de desanimar, a luta do companheiro Chico ganhou
outra dimensão; ele começou a ser reconhecido por organismos internacionais,
pelo Banco Mundial, pelo BID, pelo movimento ecológico do mundo inteiro;
começou a ser reconhecido, a ganhar prêmio, a viajar e a contar no mundo o que
acontecia aqui; e começou inclusive a dar palpite, opinião sobre empréstimos
que empresas estrangeiras ou bancos estatais iam fazer aqui, e por isso aumentou
o ódio dos grandes proprietários contra o companheiro Chico. Aumentou o ódio a
ponto de culminar com a morte dele no dia 22.
O quê que essas pessoas imaginam?
Será que essas pessoas são tão burras que imaginam que matando Chico Mendes,
mataram a luta do Chico Mendes? Será que eles não percebem (aplausos), será que
esses ricos não têm exemplo na história, será que eles não percebem que esse
mesmos grupos de ricos mandaram matar Jesus Cristo há dois mil anos atrás? E o
povo não esqueceu as ideias de Jesus Cristo. Será que esses mesmos não estão
lembrados que foram eles que mandaram matar Tiradentes, esquartejar e colocar
sua carne pendurada nos postes, para que o povo nunca mais se lembrasse quem
era Tiradentes? 30 anos depois o Brasil conquistou sua independência.
Eu queria dizer pra vocês uma
coisa bem simples, pra cada um de vocês guardar na cabeça. Vocês conheciam bem
o caboclo Chico, vocês sabiam bem o que Chico queria, vocês sabiam o que Chico
dizia, vocês sabiam o que o Chico pensava. Pois bem, o que o companheiro Chico,
que deve estar no céu nesse instante, espera de cada um? Ele espera que aumente
a coragem e a disposição de luta de cada companheiro. Ele dizia sempre: no dia
em que eu morrer meus companheiros vão se dobrar, cada um vai valer por 10 e a
luta vai continuar. E é isso que tem que acontecer (aplausos). Porque se agora
houver por parte dos trabalhadores e de todos nós, medo e preocupação, o quê
que vai acontecer? Eles vão ficar rindo da vida e vão matar mais. O quê que nós
deveremos esperar? Em primeiro lugar, nós achamos que o povo brasileiro quer
justiça, e que a polícia prenda esses assassinos do companheiro Chico.
Se é verdade que esses dois
sujeitos (Darli e Alvarino Alves) tinham 30 mil hectares aqui; se é verdade que
eles eram bandidos em Minas e no Paraná e já vieram fugidos; se é verdade que
aqui eles ficaram contratando grileiros e já mataram mais de um trabalhador, e
se é verdade que essa propriedade deles pode até ser grilada… O quê que deveria
acontecer como atitude nobre do governo? O governo deveria desapropriar essa
terra e dar para os trabalhadores rurais cultivarem, ao invés de deixá-las
ficar nas mãos de bandidos e grileiros; porque, se o governo fizesse isso e
cada fazendeiro que manda matar alguém perdesse sua terra, na verdade essas
pessoas iriam ter medo de continuar matando trabalhador rural (…).
Nós precisamos dizer em alto e
bom som: o governo precisa começar a investigar cada crime colocando policiais
sérios pra fazer isso, porque nós sabemos que tem muitos policiais que são
capachos de fazendeiros (aplausos) na cidade. É preciso que haja seriedade e
vocês sabem, companheiros, pra terminar, que cada um de nós, tanto nós de São
Paulo, como companheiros do Acre, de Rondônia, que chegaram aqui agora, sabemos
que temos um compromisso sério: é não deixar a coisa agora esfriar, é não
deixar, sabe, o que eles querem, que o povo esqueça o companheiro Chico Mendes.
Agora é que nós temos que mostrar pra eles que nós vamos fazer a luta do
companheiro Chico Mendes ser conhecida nesse país. Agora que vamos arrumar
solidariedade, não apenas pra dar sobrevivência para a companheira do Chico e
de seus filhos, mas arrumar solidariedade pra dar ajuda concreta à luta dos
trabalhadores que defendem a Amazônia, a luta dos trabalhadores que defendem o
seringal, a luta dos trabalhadores que defendem a manutenção das castanheiras e
a luta dos trabalhadores que brigam por reforma agrária.
A classe dominante tá ficando com
medo, porque ela sabe que a classe trabalhadora tá amadurecendo; ela sabe que a
classe trabalhadora tá tomando consciência, ela sabe que aqui hoje tá PV, PT,
daqui a pouco chegam companheiros do PMDB, daqui a pouco chegam do PDT, sei lá,
o movimento sindical… Ela sabe que tá crescendo a solidariedade e começa a
ficar com medo.
Eu acho que é um compromisso dos
partidos políticos progressistas, do movimento sindical, da CUT, da CGT, que a
gente precisa transformar cada palavra do Chico numa profissão de fé por esse
país aí afora. Daqui a pouco eles vão perceber que o que Chico falava aqui e
era ouvido apenas pelos companheiros do sindicato dele vai ser discutido lá no
agreste de Pernambuco, lá na Bahia, na favela de São Paulo (…). Nós deveremos
eleger o Chico, hoje, o símbolo da descrença desse governo, deveremos eleger o companheiro
Chico hoje como o mártir da classe trabalhadora camponesa desse país, porque o
que ele fez foi dedicar 44 anos da sua vida à luta pela liberdade dos
trabalhadores.
A morte do Chico não foi o fim,
ela foi o início da libertação da classe trabalhadora brasileira.
*Texto publicado originalmente na coluna do Jornal Página 20, em 28 de novembro de 2015.
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