domingo, 10 de agosto de 2014

Misturado e perigoso

*Elson Martins

A eleição para governador do Acre de 2014 é a terceira em que sou levado a votar com sobrosso, pensando no risco de entregar nossa terra a um grupo de pessoas estranhas à sua história, cultura e tradições. Portanto,  pessoas sem identidade com os nossos sentimentos e modos de vida, que tentam nos impingir a barbárie que trouxeram de outras regiões. Em 2002, 2006 e 2010, escrevi meus temores de que, entre “Nós”, acreanos nascidos ou de coração, e “Eles”, representados por agressores que nos anos 1970/1980 agiam como se fossem “os novos donos do Acre”, tivéssemos que abrir mão de nossas conquistas como povos da floresta para cair na ambição capitalista que os movem.

O quadro que vejo na politica atual é difuso, uma mistura de siglas e discursos que dificulta a opção pelo voto consciente, sobretudo, entre os eleitores mais jovens, que não possuem a memória do que aconteceu por aqui há três décadas. Sei que o que aconteceu é recente, à luz da história, mas a novidade da informação eletrônica, a ascensão do capitalismo no mundo e os erros políticos de quem não consegue valorizar o protagonismo de quem faz a nossa resistência, acabam abrindo uma fresta perigosa aos inimigos da acreanidade.

Um observador atento poderá enxergar, mesmo no amontoado de asneiras que é  lançado diariamente nas redes sociais, pela internet, a força politica que permanece viva entre as nossas raízes. Uma simples fotografia da Gameleira num fim de tarde desperta, como se viu esta semana na Fanpage do senador Jorge Viana, uma unanimidade amorosa, um sentimento verdadeiro de quem se enleva com uma natureza exuberante, de cujo mistério, certamente, vamos poder construir o mundo novo e bom que tanto queremos para todos. O mesmo sentimento estava presente, há duas ou três semanas, nos espaços da universidade Federal do Acre, apinhados de jovens curiosos e esperançosos, durante a 66a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Nos amplos e promissores espaços fervilhavam gerações num diálogo entre saberes, entre tradição e modernidade...

 Seringueiros preparados para um "empate" na Fazenda Bordon, em 1987. (foto: Elson Martins)

Era como se a universidade estivesse acordando de um sono profundo, abrindo os olhos para enxergar o conhecimento dos extrativistas e dos indígenas, dos povos da floresta, o amor e a irreverencia dos jovens, a mente aberta dos cientistas apontando para o admirável mundo novo de uma comunidade fraterna possível.  Esse mundo está tão perto: está na periferia de nossa morna cidade, nas beiras de rios que desbarrancam preguiçosamente; nas periferias pobres, mas solidárias de nossas cidades e vilas; no conhecimento ancestral que decifra venenos e curas; nos gestos suaves e sábios de quem há séculos dorme com a natureza e sonha, sem maldade, para acordar com o rosto limpo e belo da simplicidade.

Ah! Doutores!  Políticos! Gestores da vida pública! Ah! Candidatos que exploram as dores do povo! Não se deixem enganar pelas aparências. Aquele senhor que vende pipoca e bombons numa birosca na esquina sabe mais que vocês, sobre como entrar e sair da floresta densa e não se perder nela; conhece remédios e fibras; sabe os nomes de quem vive muito longe; não se ofende com a solidão; tem tantas ideias simples de como viver em paz.. Sem ambição! A natureza está em nós, acreanos, e atrai, às vezes, com o hálito quente da jibóia que precisa se alimentar. Mas isso não é dominação. Não é arrogância. Não é desejo mesquinho de se apropriar de corações e mentes.

A história do Acre é uma história de bravos que orgulha aos filhos e os empurra para a resistência contra os invasores que ofendem. Essa é a politica que está em jogo nas eleições de 2014. Durante cem anos vivemos como povos invisíveis, alimentados por duas espécies da floresta – a seringueira e a castanheira. Hoje, sabemos que podemos viver outros tempos mais longos, com novas espécies, descobertas ou a serem descobertas, porque a riqueza do estado é a floresta e os que a reconhecem como tal.  Não precisamos de agouros de quem quer colocar outra forma de vida no seu lugar.

Se isso é um recado? Acho que sim! E o deixo, a quem interessar possa, porque não quero ver o Acre parecido com São Paulo, ou com o Paraná, ou com o Mato Grosso. Quero ver o Acre prosperar e se tornar um lugar bom para se viver, mas com a cara do Acre. Com a riqueza da sua floresta explorada com parcimônia, sem destruição e partilhada por todos.

Quem duvida que isso seja possível, procure acompanhar o encontro internacional do GCF que vai acontecer em Rio Branco no período de 11 a 14 deste mês. Especialistas de 7 países (Estados Unidos, Brasil, Indonésia, México, Nigéria, Peru e Espanha) vão apresentar estratégias e propor negociações que garantam pagamento a quem não desmata e, portanto, não lança dióxido de carbono na atmosfera gerando o efeito estufa. Quem age assim, presta um serviço ambiental: preserva a Natureza, salva o Planeta  e, claro,  precisa ser bem pago.



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