segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Geoglifos do Acre: de pai para filho

Coluna publicada no Jornal Página 20 | 23jan2011
Pesquisadores já mapearam cerca de 300 geoglífos em três décadas

Na sexta-feira passada, 21, portanto decorrido mais de três décadas, o auditório da Biblioteca da Floresta na capital acreana lotou com pessoas interessadas no assunto. Desta vez, para prestigiar o filho, Tiago Juruá Damo Ranzi, biólogo e bacharel em direito que enriquece o tema Geoglifos acrescentando uma abordagem jurídica de preservação desses sítios arqueológicos.
A plateia aplaudiu com entusiasmo o jovem autor do livro “Geoglifos do Acre e a Proteção dos Sítios Arqueológicos do Brasil”. E ele, emocionado, chorou.
O Juruá que Tiago carrega no nome é uma homenagem ao Vale do Juruá, onde a família catarinense de cientistas viveu nos anos 1980. Lá, fica a cidade de Cruzeiro do Sul, a segunda mais importante do Acre que se orgulha de produzir a farinha mais saborosa do país. Em 2006, o próprio Tiago integrou uma expedição à Foz do Breu, no rio Juruá, viajando dez dias de barco pela beleza natural e o calor humano que inspirou seus pais, Alceu e Cleusa.
Thiago Juruá: contribuição jurídica
 para os sítios arqueológicos.
Após a viagem Tiago, que estudou biologia e direito em Florianópolis e no Vale de Itajaí, em Santa Catarina, escolheu imergir no Acre. Trabalhou no ministério público como assessor técnico-jurídico da Promotoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente, depois passou a analista ambiental federal do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, onde se mantém atuando na Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira.
Seu livro, que tem como base a monografia apresentada para conclusão do curso de direito na Univali/SC em 2007 (atualizada e acrescida de novas descobertas sobre o tema), apresenta na orelha estas instigantes indagações: “Quem construiu esses monumentos? Como eram essas pessoas? O que buscavam? Como conseguiram realizar esses desenhos que resistiram ao tempo? E para que serviam”?
A Biblioteca da Floresta, que Tiago Juruá chamou no lançamento de “casa dos Geoglifos”, realizou em julho de 2010, um simpósio Internacional cujo tema principal foi Arqueologia da Amazônia Ocidental, atraindo pesquisadores internacionais, além de estudiosos e curiosos. O foco, claro, foi o Acre com seus sítios arqueológicos monumentais.
Tais figuras somente são bem percebidas do alto, de avião ou balão voando baixo. São encontradas na parte ocidental da Amazônia, por uma vasta região que engloba o leste do Acre, o sul do Amazonas, o oeste de Rondônia e o norte da Bolívia. São áreas abertas, cercadas por valetas contínuas e muretas de terra, com formas geométricas perfeitas: círculos, retângulos, hexágonos, octógonos e outras de grandes dimensões supostamente feitas por populações indígenas que ali viveram no início da era Cristã.
No estado ocorrem entre os rios Acre, Iquiri e Abunã (linha de fronteira com a Bolívia), todos formadores do alto rio Purus. O município com maior incidência é Capixaba, com 49 sítios. Ao todo, já foram identificados cerca de 300 sítios. A descoberta iniciou em 1977 quando uma equipe de pesquisadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueologias da Bacia Amazônica (PRONABA), coordenada por Ondemar Ferreira Dias, (UFRJ) identificou as primeiras figuras.  Alceu Ranz (o pai) era membro da equipe.

Espaços antigos
Por ocasião do simpósio internacional, o site da Biblioteca da Floresta publicou, num texto de Brenna Amâncio, que “os Geoglifos representam uma técnica construtiva de espaços como aldeias fortificadas, locais de encontro ou locais para realização de festas e rituais, indicando notável trabalho de grupos indígenas que não dispunham de equipamentos modernos para escavar e transportar toneladas de solo”.
A informação está no livro “Paisagens da Amazônia Ocidental”, produzido sob a coordenação dos pesquisadores Denise Schaan, Alceu Ranzi e Antônia Damasceno Barbosa. Denise Schaan, pesquisadora da Universidade Federal do Pará detalha: “Os sítios possuíam vias de entrada e saída de ambientes públicos e privados, disciplinando a movimentação dos indivíduos no espaço”.
A pesquisadora, que visita o Acre com frequência e esteve no lançamento de Tiago Juruá na sexta-feira afirma que os Geoglifos são mais antigos do que se imagina. Segundo ela, acredita-se que os sítios tenham sido abandonados por seus construtores por volta do século XVI ou XVII, como consequência da chegada dos espanhóis nas Américas. Por isso podem trazer informações importantes sobre os antigos habitantes dessa região, sobre como viviam, quantos eram, como se organizavam, e ajudar a entender melhor o processo de formação das paisagens no estado.

Contribuição jurídica
A promotora de justiça de meio ambiente do Ministério Público do Estado do Acre, Meri Cristina Amaral Gonçalves destaca o livro de Tiago como “um estudo minucioso dos instrumentos jurídicos  disponíveis na legislação brasileira, no tocante à proteção do patrimônio histórico e cultural”. E recomenda a obra a todos aqueles que “simpatizam com a busca do conhecimento sobre os processos de evolução das sociedades humanas”.
Nas suas “considerações finais”, Tiago Juruá afirma que os Geoglifos, como sítios arqueológicos integrantes do patrimônio cultural brasileiro, possuem proteção jurídica na constituição e em legislação específica.
Mais adiante, ele chama atenção sobre questões legais e de responsabilidades em relação ao patrimônio arqueológico, principalmente aos proprietários de terras onde sítios arqueológicos são encontrados. “São estes proprietários que ficarão responsáveis pelo patrimônio arqueológico existente em seu terreno, até que o poder público decida como proceder em cada caso”.
Tiago Juruá sugere, entretanto, para tranquilidade desses proprietários, medidas de incentivo que poderão ser adotadas, como desconto ou isenção de impostos, ou projetos de turismo em parceria com o estado. O que eles não podem é fazer com os Geoglifos o que alguns fazendeiros fazem com as onças que aparecem ameaçando seu rebanho: oferecer aos peões um salário mínimo por cabeça. Bang! Bang!

Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria, e parabéns aos pesquisadores que muito contribuem para a divulgação e conhecimento desses registros rasgados na terra, os geoglifos.

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