quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Respeitem nosso gentílico!

*Elson Martins

“Não somos um povo perdido, sem chão, mas uma gente heroica que escolheu sua pátria, assim como seu gentílico. Então, sejamos altaneiros em defesa do nome que designa às pessoas nascidas sob o brilho do sol, da lua e das estrelas que ornamentam o céu do Acre”!
A afirmação lapidar está no artigo da professora e doutora em Língua Portuguesa Luísa Galvão Lessa Karlberg, e foi publicado no jornal A Gazeta de 24 de junho passado. Alguém precisava ter escrito isso, e que bom que foi ela, porque seu currículo e certidão de nascimento (nasceu nas cabeceiras do Igarapé Humaitá, afluente do rio Murú, distante 8 dias de barco da cidade de Tarauacá) bastam. O currículo é mais que suficiente para desbancar os filólogos que posam de sabidos, mas elegem Tiriricas e hipopótamos para nos representar no Congresso Nacional.
No Novo Acordo Ortográfico que os “sabidos” propuseram em 2009 ficou dito e escrito que nós, nascidos no Acre, não somos acreanos, mas acrianos com “i” no lugar do “e”. E desde então um bando de tolos e tolas se apressam em cumprir a nova regra ortográfica ainda em discussão. Vejam o que diz a muruense recém-eleita presidente da Academia Acreana de Letras:
“Um gentílico não se muda por força de Acordo, Decreto, Lei. Um gentílico pertence à população do lugar, é nome sagrado que se guarda como tesouro raro, que dá voz ao adjetivar um povo”.
Do alto de um currículo invejável, Luísa Lessa lembra autores consagrados que ditaram rumos seguros para o trilhar de um idioma. Um deles é Charles Bally, para quem uma palavra torna-se usual em duas oportunidade principais: 1) quando designa algo indissoluvelmente ligado à vida de um grupo linguístico; e 2) quando se dá a qualquer membro do grupo linguístico a impressão de que isso não se diz assim, isso deve ser dito assim, isso sempre foi e será dito assim. E mesmo que tais assertivas contradigam a expectativa de constante evolução da linguagem, elas se constituem em realidade absoluta, sem a qual seria impossível descrever um estado de língua.
Bom, nossa linguista ensina que no caso acreano é fundamental olhar dois lados: o histórico e o linguístico. “O histórico assegura a manutenção de acreano, pela consagração do uso da forma ao longo de 188 anos. Do lado linguístico, deve-se considerar que o próprio Acordo está repleto de concessões ou exceções que permitem dupla grafia, palavras com acento agudo ou circunflexo, palavras com consoantes mudas, entre as muitas quebras de unidade entre o cânone europeu e o brasileiro”.
Como não sou versado em letras, muito menos em acordos ortográficos, desde 2009 venho adotando regrinhas intuitivas e básicas para perceber o que está por trás da mudança imposta ao nosso gentílico. Primeiro, considero que quem aceita escrever acreano com “i” é um desalmado, um desavergonhado que não se importa de abaixar as calças para quem se diverte ao colonizar os fracos.
A doutora Luísa Lessa dá uma enorme lição a esses fracos: fala como cientista do nosso idioma e, ao mesmo tempo, como acreana dos igarapés, dos grotões e dos cipoais, como aqueles que nos anos 1970 e 1980, chamados de sub-letrados, se organizaram para defender o Acre, suas florestas e seu povo transformando o estado numa referencia global de sustentabilidade. De outra maneira, mas com o mesmo efeito do artigo, eles disseram não aos agressores que queriam derrubar e queimar as florestas, a história, a cultura e nossas tradições mais caras.
É a doutora Luísa Galvão Lessa Karlberg quem afirma: “Acreano é o gentílico amazônico do Acre. E nesse sentido, nenhum Acordo é mais imperioso que os costumes, a história, a tradição do lugar”.

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