segunda-feira, 16 de março de 2015

A visita da linda senhora!

* Elson Martins

Foto despedida: Zezinho Yube, Carol, Dedé, Concita, Filomena, Malu, Valéria, Irizete e Camila (Foto: Elson Martins)


A médica sanitarista Filomena Vagueiro adora “vagar” pelo mundo. Culpa da mãe, Ana, que em tempos quase remotos se aventurou desde Atrás dos Montes, sua terra natal em Portugal, até o Rio de Janeiro, sozinha, causando aflição ao namorado Francisco Antônio que saiu no encalço e a encontrou – felizmente! - na cidade maravilhosa, para uma união também maravilhosa e duradoura. Ouvi da filha que Ana, aos 94, cuida de uma horta em sua residência, nos Estados Unidos, e ainda dança o “vira”, gracioso ritmo português, com energia e graça. 

De modo parecido, Filomena nunca para: transita por Brasil, Portugal, Mé- xico, Estados Unidos... Vai e vem com a mesma ternura, inteligência e simpatia da mãe. Em 1985, “sem ver pra quê”, acompanhou o namorado cineasta Tião Fonseca que veio filmar um documentário sobre educação indígena para a Comissão Pro-Índio no Acre. E desde então, nossa terra ficou colada no seu coração. 


Tião, cineasta e fotógrafo (ver box), foi o cara que fez a foto histórica (muito divulgada, embora sem o devido crédito)em que a ex-senadora e ex-candidata a Presidente da República pelo PSB, Marina Silva, comanda um “empate” na Fazenda Bordon, em Xapuri, em meados dos anos 80. Interessante foi a argumentação dele para arrastar Filomena pro seu projeto: precisava de uma auxiliar de Som nas filmagens. Não importava que a namorada não tivesse experiência no ramo. Ainda bem que não lhe faltaram outros trabalhos na sua profissão mesmo, junto aos indígenas. 


Os dois ficaram por aqui até 1990, tempo suficiente para gerar Savana, uma bela acreana que se tornou jornalista e cineasta... nos Estados Unidos. Depois, os dois seguiram rumos diferentes.


Filomena é uma mulher bonita, loira, de olhos azuis. Mas o que mais atrai nela é a amorosidade, a delicadeza, a simpatia, além de uma invejável e serena atitude com referencia a tudo: trabalho, politica, amizade. Sem falar que se revela sempre imprescindível como militante em favor dos pobres e dos oprimidos. Agora mesmo vive em Connecticut (EUA) trabalhando junto às parteiras tradicionais, uma categoria muito prestigiada por lá. “Os norte-americanos valorizam muito os partos naturais feitos com parteiras treinadas”- informa. 


Fazia mais de 20 anos que não vinha ao Acre. Mas sempre, de onde esteja, acompanha através da Internet o noticiário local. Quando flagra um amigo acreano no Facebook, entra no papo feliz da vida! E promete visitas. Foi assim com a amiga Dedé Maia, irmã da Concita, mãe da Patricia, tia da Tainá, parceira de muita gente e de muitas lutas junto aos povos indígenas. E foi assim que aconteceu o encontro de quinta-feira no conjunto Jardim de Alá, em Rio Branco, regado a vinho e cerveja. 


A festa aconteceu à noitinha na casa da Patricia, uma casa acreana com certeza, com a presença de Elson e Irizete; a Nalu, a Carol, a Camila e a Valéria, todas ligadas à Comissão Pró-Índio; o cineasta indígena Zezinho Yube; o txai Terri Aquino, antropólogo amigo dos índios; a Concita, atual secretaria da Mulher, de emoções explícitas; e uma meia dúzia de netos lindos. 


Filomena viajaria na mesma noite para São Paulo, e de lá para São Francisco, nos Estados Unidos, onde mora com a mãe. Estava muito feliz entre tantos amigos, tinha cumprido a promessa de visita-los e isso foi celebrado com estilo. Seus olhos azuis brilhavam, as histórias do passado, do tempo em que andou pelas aldeias acreanas a alegravam. As fotos estão aí para provar. Foi tão bom revê-la, Filomena! Volte sempre!
Terri (em pé), Tainá, Concita, Filomena, Patrícia,
Dedé, e Irizete  (Foto: Elson Martins)


Os netos também pousaram para o álbum-família (Foto: Elson Martins)

Documentarista excepcional



No ano passado, ele também revisitou o Acre e foi até as aldeias indígenas do Rio Jordão, no município de Tarauacá. Eu o conheci desde a época em que ele e Filomena viviam juntos. Conheci a linda Savana pequenininha e costumava recebe-los em minha casa pra bebericar e conversar.

Em 1983 ou 1984, decidimos realizar um documentário em Cruzeiro do Sul. Eu tinha escrito um roteiro sobre a atividade do casal João Alberto- Janete Capiberibe que atuava na Sub-Secretaria do Desenvolvimento Agrário no Vale do Juruá. Capi, que ao retornar do exílio não conseguia viver em paz em sua terra, o Amapá, por conta de um governador da ditadura (Anibal Barcellos) que se mantinha no poder do Estado e continuava perseguindo os comunistas, indagou se havia alguma chance de vir trabalhar no Acre. Com a ajuda do então secretário do Desenvolvimento Agrário, Antônio Carbone, conseguimos que o governador Nabor Junior o nomeasse sub-secretário com sede em Cruzeiro do Sul.

Em pouco mais de um ano de atividades, Capi (que se elegeu governador do Amapá em dois mandatos e hoje é senador do PSB) e sua eterna companheira Janete Capiberibe (deputada federal em quarto mandato) criaram 21 sociedades agrícolas na base da ideologia, sem dinheiro e com pouco prestígio politico. Curiosamente, seu principal braço direito era o funcionário da sub-secretaria, hoje prefeito de Cruzeiro do Sul, Wagner Sales.

O roteiro que escrevi cruzava duas histórias: a da vida difícil dos agricultores cruzeirenses, que precisavam de mais apoio para desenvolver sua produção; e do próprio casal, Capi-Janete, que há mais de 10 anos sofria perseguições, prisão e tortura psicológica que abalavam seus ideais. No documentário que acabei dirigindo por insistência do Tião Fonseca, e ao qual dei o título de “Agricultura sem Diploma”, procuramos mostrar que os dois ideais (dos agricultores e do casal socialista) se encontravam por conta da ideologia e do potencial humano da sobrevivência. Ainda faço uma ponta no filme.

Acho que o resultado foi bom, embora tivéssemos que nos conter nas críticas que incomodassem ao financiador do trabalho: a própria Secretaria do Desenvolvimento Agrário, que forneceu passagens, carro para deslocamento no meio rural, algum dinheiro para os realizadores. Não sei se o Carbone mostrou sua cópia final ao governador Nabor Júnior.


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