*Elson Martins
Li o livro do Capi faz algum tempo e sei
que ele aguardava que escrevesse algum comentário, mas eu vinha sentindo
dificuldade de desenvolver qualquer texto, por menor e simples que fosse.
Talvez por ter vivido muito próximo dos personagens durante boa parte da
narrativa, antes e depois do exilio, o que poderia resultar em intromissão
indevida. Também não me agradava a ideia de parecer piegas ao tentar fazer
avaliação literária. Sou péssimo nisso.
Preciso dizer, entretanto, que gostei muito
do livro e o recomendo a todos, principalmente aos jovens que pouco sabem da
ditadura militar que infernizou a vida de gerações passadas no Brasil. A
história é real, está bem contada e pode servir de exemplo nos dias de hoje: de
coragem, desprendimento, ideologia, amor coletivo e, também, amor e confiança
extremos entre duas pessoas nascidas nas entranhas da Amazônia.
Ousaria dizer, com algum receio de ser
contrariado, que esse amor entre os dois foi o que houve de mais verdadeiro e
revolucionário durante toda a saga que eles viveram. Sem esse amor imenso,
enriquecido por outros sentimentos humanistas fecundos, particulares e
universais, eles não teriam resistido a tanto horror e provação.
Leiam e releiam, portanto, o “Florestas do
meu exilio” com esse olhar diferenciado, com mais sentimento e menos conceito,
pra ver se não vão se deparar com a história numa dimensão duplicada da vida,
com afeto, confiança, sonho, ousadia e desapego material infinitamente ampliados!
Eu fui testemunha privilegiada desse
acontecimento. Talvez por ser também da Amazônia, nascido nas brenhas de um
Acre isolado e invisível, ao conhecer o casal já estava predestinado a ser
cúmplice “para o que desse e viesse”. Acompanhei choros, ciúme, medos,
desentendimentos que não passavam de encenação na construção de um elo afetivo
indestrutível, com mil matizes de ação nem sempre clara, nem sempre acolhedora, nem sempre
justificável do ponto de vista de quem pensa coletivamente.
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Janete e Capi em lançamento do livro |
Aí, me dispus a ser parte dessa revolução
imprevisível, nervosa, de ida e volta sem fim.
Acho que, de algum modo, nunca me desgarrei
dos dois (Capi e Janete), mesmo quando a ditadura espalhava o boato de que tinham
sido “eliminados” pelas forças da repressão, para não dar mau exemplo. Nem
quando sumiram para atravessar não uma, mas quatro ditaduras da América Latina
até ressurgirem de braço com a liberdade no Canadá distante, e na África do fim
do mundo.
Eu me orgulho dessa história por ter
restado parte dela na minha casa em Belém, após a fuga do Capi da Santa Casa de
Misericórdia, onde se encontrava com licença de saúde do Presídio São José,
mantido sob forte guarda. Fui algumas vezes à casa da Janete atrás do presídio,
uma delas na tal noite (relatada no livro) em que o Capi convenceu, com
argumento infalível, um segurança a saírem os dois do hospital, de madrugada,
para visita-la e logo retornar. Eu e uns poucos amigos aguardávamos na casa
suspeita tomando cuba-libre (rum com cocacola), ouvindo o vinil que Caetano
Veloso (também no exilio) tinha gravado na Inglaterra.
Ah! Ninguem estava sossegado. Capi e o
policial somente chegariam por volta das 3 horas da madrugada, e quando chegassem,
Capi ou Janete levaria um copo de cuba-libre para o segurança, que teria de
permanecer na sala, numa rede, sem identificar as visitas. Na cozinha, ouvíamos
“A Little More Blue,” “London, London” e uma versão estonteante da música “Asa
Branca”, do velho Luiz Gonzaga.
Deu tudo certo. Era apenas um teste para o
que aconteceria numa outra noite: a extraordinária fuga do casal com a filhinha
Artionka, de oito meses de idade, numa canoa rio acima para a história tão
detalhada no livro.O risco na casa da Janete ficou indelével nos que permaneceram
no prolongado medo e nojo da ditadura militar.
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