quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Aspectos socioeconômicos da produção de açaí no Amapá


Cláudia Chelala[1]

O contexto da produção regional

O açaizeiro, palmeira nativa do estuário amazônico, produz um fruto – o açaí – do qual se extrai uma espécie de “vinho”, que pode ser ingerido sem acompanhamentos ou com farinha de mandioca, tapioca, peixe e camarão, como é o costume local. Em outras regiões do país adiciona-se, habitualmente, guaraná, frutas e granola, sendo que o seu mercado extra-regional está vinculado ao dos produtos energéticos.
O consumo do açaí é um hábito tão arraigado na população amazônica, podendo ser considerado, inclusive, como parte de sua identidade cultural. O consumo do produto se faz diariamente, e a venda se dá por meio de pequenos estabelecimentos comerciais conhecidos como “batedeiras” ou “amassadeiras” de açaí, que proliferam em diversos bairros das cidades da região. As amassadeiras compram o fruto e realizam o seu processamento, que é feito em uma máquina na qual são colocados juntamente com água. A maior ou menor adição de água determina o tipo de açaí a ser vendido: especial, grosso ou fino.

Muitas são as pessoas envolvidas nesta atividade. Primeiramente, porque são em número considerável os pequenos estabelecimentos comerciais. Uma amassadeira é geralmente um empreendimento familiar de micro-escala e administrada, em média, por duas pessoas. Ao se decompor o sistema produtivo, identifica-se uma quantidade expressiva, mas ainda não estimada, de trabalhadores que transportam o produto, que são denominados “transportadores” ou “atravessadores”. Além dos produtores, envolvendo neste grupo os proprietários rurais, apanhadores e carregadores.
 Importante esclarecer que até os anos 1980, o consumo de açaí era quase que exclusivamente regional, contudo, a partir da década de 1990 o aumento da demanda nacional do consumo de açaí começou a se transformar em hábito nas academias de ginástica das regiões Sul e Sudeste, isto em função das propriedades energéticas que o fruto possui. Neste contexto foi criada uma bebida, que é uma mistura de açaí com guaraná, a qual muito contribuiu para a conquista de mercados extra-regionais. Os Estados do Rio de Janeiro (década de 90) e São Paulo (a partir de 1997) foram os primeiros a introduzir este hábito, seguidos por Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Tocantins, Pernambuco e Ceará.
Ao mesmo tempo o açaí foi ocupando espaço nos mercados internacionais, principalmente nos Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul, Austrália e alguns países europeus.
O Estado do Pará, que é o maior produtor nacional de açaí, destina cerca de 10% de sua produção para o exterior e 70% para o mercado brasileiro. Nos últimos anos foram instaladas várias empresas de processamento de polpa de açaí na região amazônica. Esses empreendimentos foram sendo constituídos com o objetivo de atender a demanda externa, em plena fase de expansão.


Diversas Finalidades

O açaizeiro e o açaí possuem variadas formas de utilização. Da polpa do fruto fabrica-se, além do vinho, sorvetes, doces, geléias, licores, bombons, cosméticos, etc. Sua utilização também se dá como corante, e na fabricação de velas. A palma serve como telhado para habitações, os caroços são utilizados como adubo para plantas, energia para fornos de panificadoras e olarias, confecção de bijuterias e outras variedades de artesanato. Do caule se extrai um palmito de grande aceitação no mercado.
O avanço das pesquisas científicas com açaí revelou que o fruto é uma poderosa bebida energética. Pesquisas demonstram que o açaí possui 30 vezes mais antocianina que a uva, uma substância antioxidante que combate o envelhecimento.
Estudos realizados pela faculdade de medicina da Universidade de São Paulo - USP em Ribeirão Preto, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, constataram que o açaí é um contraste natural para os exames de ressonância magnética de abdome. Existem outras possibilidades de utilização da palmeira e do seu fruto não relacionadas neste artigo.


O açaí do Amapá

O Amapá destaca-se como o 2º estado produtor da região, respondendo com 2,26% da produção, enquanto o primeiro colocado, o Estado do Pará participa com 94%. Sob este aspecto é importante considerar as porções territoriais dessas unidades da federação. O Estado do Pará possui uma área de 1.248.042 km2, que corresponde a 16,6% do território brasileiro, enquanto que o Amapá possui 143.453 km2, representando apenas 1,68%. Os principais municípios produtores de açaí no Amapá são: Mazagão, Santana e Macapá (o maior mercado consumidor local).
É válido destacar a localização privilegiada das duas cidades, Macapá e Santana, que estão na foz do rio Amazonas e possuem, portanto, facilidade geográfica para acessar tanto os mercados produtores, situados no estuário amazônico, como também os mercados consumidores nacionais e internacionais.
A produção de açaí é uma atividade de destacada importância para a economia do Amapá, em função do mercado interno e das exportações. No ano de 2010 a exportação do produto significou o quinto item na pauta de exportações amapaense, com US$ 7.640.339, representando 2,16% do total exportado. O açaí produzido no Amapá é destinado principalmente para o mercado norte-americano.
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Amapá revelam que as cinco empresas de processamento de polpa de açaí em efetivo funcionamento no Distrito Industrial de Santana geraram em 2010, apenas 149 empregos.
Destaca-se, ainda, que o desempenho exportador de açaí no Amapá foi mais positivo no ano de 2009, quando o produto representou o quarto item da balança estadual, correspondendo a US$ 10.224.970. Provavelmente em função da crise econômica mundial que assola particularmente os Estados Unidos, os números do ano passado demonstram uma retração nas vendas externas.
Relativamente às atividades de micro-escala, destaca-se o grande número desses estabelecimentos. Estima-se em torno de 1.800 pontos de venda de açaí, somente nos municípios de Macapá e Santana, conforme pesquisas realizadas pelo SEBRAE-AP. Este número conduz a outra estimativa: aproximadamente 3.600 pessoas encontram-se envolvidas somente com o processamento artesanal do fruto. Não integram essas estimativas, os produtores e os atravessadores, o que amplia, por isso, a quantidade de trabalhadores envolvidos com a atividade.

Algumas considerações

Em que pese o fato de as instituições oficiais de crédito e fomento privilegiarem empreendimentos de grande porte como as indústrias de processamento de polpa de açaí, em detrimento das atividades tradicionais, representadas pela cadeia produtiva: produtor – atravessador - amassadeira, estas parecem contribuir mais decisivamente para o aquecimento da economia e o fortalecimento do sistema social local, do que aquelas.
A produção, transporte e comercialização de açaí é uma atividade econômica e social regional que requisita atenção especial do poder público. As instituições oficiais correntemente divulgam ações tais como: linhas de financiamento e crédito específicas, programas de qualificação da força de trabalho, cursos de higiene no manuseio do produto, dentre outras.
Entretanto, o que se observa é a pouca efetividades dessas políticas. O retrato das atividades tradicionais é de grande precariedade, dificultando o aperfeiçoamento do desempenho empresarial, a saúde dos trabalhadores, bem como dos consumidores finais.
O Pará, por exemplo, atravessa um surto da doença de Chagas provocado pelo consumo de açaí preparado inadequadamente, isto é, sem os cuidados básicos com a higiene do produto.
Notícias como essa precisam conduzir o poder público a refletir sobre a pouca efetividade de suas ações e propor medidas mais aproximadas da realidade dos integrantes da cadeia produtiva, principalmente pelo fato de se tratar de uma atividade de grande importância para a sociedade regional, conforme destacado, além da perspectiva de repercussão negativa no mercado nacional e internacional, comprometendo o elo da cadeia produtiva voltado para as vendas externas.

        


[1] Economista, Doutora NAEA/UFPA, professora da Universidade Federal do Amapá.

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