Cláudia Chelala[1]
O contexto da produção regional
O açaizeiro, palmeira nativa do estuário amazônico, produz um fruto – o
açaí – do qual se extrai uma espécie de “vinho”, que pode ser ingerido sem acompanhamentos
ou com farinha de mandioca, tapioca, peixe e camarão, como é o costume local.
Em outras regiões do país adiciona-se, habitualmente, guaraná, frutas e
granola, sendo que o seu mercado extra-regional está vinculado ao dos produtos
energéticos.
O consumo do açaí é um hábito tão arraigado na população amazônica, podendo
ser considerado, inclusive, como parte de sua identidade cultural. O consumo do
produto se faz diariamente, e a venda se dá por meio de pequenos
estabelecimentos comerciais conhecidos como “batedeiras” ou “amassadeiras” de
açaí, que proliferam em diversos bairros das cidades da região. As amassadeiras
compram o fruto e realizam o seu processamento, que é feito em uma máquina na
qual são colocados juntamente com água. A maior ou menor adição de água
determina o tipo de açaí a ser vendido: especial, grosso ou fino.
Muitas são as
pessoas envolvidas nesta atividade. Primeiramente, porque são em número
considerável os pequenos estabelecimentos comerciais. Uma amassadeira é
geralmente um empreendimento familiar de micro-escala e administrada, em média,
por duas pessoas. Ao se decompor o sistema produtivo, identifica-se uma
quantidade expressiva, mas ainda não estimada, de trabalhadores que transportam
o produto, que são denominados “transportadores” ou “atravessadores”. Além dos
produtores, envolvendo neste grupo os proprietários rurais, apanhadores e
carregadores.
Importante esclarecer que até os anos 1980, o
consumo de açaí era quase que exclusivamente regional, contudo, a partir da
década de 1990 o aumento da demanda nacional do consumo de açaí começou a se
transformar em hábito nas academias de ginástica das regiões Sul e Sudeste,
isto em função das propriedades energéticas que o fruto possui. Neste contexto
foi criada uma bebida, que é uma mistura de açaí com guaraná, a qual muito
contribuiu para a conquista de mercados extra-regionais. Os Estados do Rio de
Janeiro (década de 90) e São Paulo (a partir de 1997) foram os primeiros a
introduzir este hábito, seguidos por Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Rio
Grande do Sul, Goiás, Tocantins, Pernambuco e Ceará.
Ao mesmo tempo o açaí
foi ocupando espaço nos mercados internacionais, principalmente nos Estados
Unidos, Japão, Coréia do Sul, Austrália e alguns países europeus.
O Estado do Pará, que
é o maior produtor nacional de açaí, destina cerca de 10% de sua produção para
o exterior e 70% para o mercado brasileiro. Nos últimos anos foram instaladas várias
empresas de processamento de polpa de açaí na região amazônica. Esses
empreendimentos foram sendo constituídos com o objetivo de atender a demanda
externa, em plena fase de expansão.
Diversas Finalidades
O açaizeiro e o açaí
possuem variadas formas de utilização. Da polpa do fruto fabrica-se, além do
vinho, sorvetes, doces, geléias, licores, bombons, cosméticos, etc. Sua
utilização também se dá como corante, e na fabricação de velas. A palma serve
como telhado para habitações, os caroços são utilizados como adubo para
plantas, energia para fornos de panificadoras e olarias, confecção de
bijuterias e outras variedades de artesanato. Do caule se extrai um palmito de
grande aceitação no mercado.
O avanço das
pesquisas científicas com açaí revelou que o fruto é uma poderosa bebida
energética. Pesquisas demonstram que o açaí possui 30 vezes mais antocianina
que a uva, uma substância antioxidante que combate o envelhecimento.
Estudos realizados
pela faculdade de medicina da Universidade de São Paulo - USP em Ribeirão
Preto, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA,
constataram que o açaí é um contraste natural para os exames de ressonância
magnética de abdome. Existem outras possibilidades de utilização da palmeira e
do seu fruto não relacionadas neste artigo.
O açaí do Amapá
O Amapá
destaca-se como o 2º estado produtor da região, respondendo com 2,26% da
produção, enquanto o primeiro colocado, o Estado do Pará participa com 94%. Sob
este aspecto é importante considerar as porções territoriais dessas unidades da
federação. O Estado do Pará possui uma área de 1.248.042 km2, que
corresponde a 16,6% do território brasileiro, enquanto que o Amapá possui
143.453 km2,
representando apenas 1,68%. Os principais municípios produtores de açaí
no Amapá são: Mazagão, Santana e Macapá (o maior mercado consumidor local).
É válido
destacar a localização privilegiada das duas cidades, Macapá e Santana, que
estão na foz do rio Amazonas e possuem, portanto, facilidade geográfica para
acessar tanto os mercados produtores, situados no estuário amazônico, como
também os mercados consumidores nacionais e internacionais.
A produção de
açaí é uma atividade de destacada importância para a economia do Amapá, em
função do mercado interno e das exportações. No ano de 2010 a exportação do
produto significou o quinto item na pauta de exportações amapaense, com US$
7.640.339, representando 2,16% do total exportado. O açaí produzido no Amapá é
destinado principalmente para o mercado norte-americano.
Pesquisas
realizadas pela Universidade Federal do Amapá revelam que as cinco empresas de
processamento de polpa de açaí em efetivo funcionamento no Distrito Industrial
de Santana geraram em 2010, apenas 149 empregos.
Destaca-se,
ainda, que o desempenho exportador de açaí no Amapá foi mais positivo no ano de
2009, quando o produto representou o quarto item da balança estadual, correspondendo
a US$ 10.224.970. Provavelmente em função da crise econômica mundial que assola
particularmente os Estados Unidos, os números do ano passado demonstram uma
retração nas vendas externas.
Relativamente
às atividades de micro-escala, destaca-se o grande número desses
estabelecimentos. Estima-se em torno de 1.800 pontos de venda de açaí, somente
nos municípios de Macapá e Santana, conforme pesquisas realizadas pelo
SEBRAE-AP. Este número conduz a outra estimativa: aproximadamente 3.600 pessoas
encontram-se envolvidas somente com o processamento artesanal do fruto. Não
integram essas estimativas, os produtores e os atravessadores, o que amplia,
por isso, a quantidade de trabalhadores envolvidos com a atividade.
Algumas considerações
Em que pese o
fato de as instituições oficiais de crédito e fomento privilegiarem
empreendimentos de grande porte como as indústrias de processamento de polpa de
açaí, em detrimento das atividades tradicionais, representadas pela cadeia
produtiva: produtor – atravessador - amassadeira, estas parecem contribuir mais
decisivamente para o aquecimento da economia e o fortalecimento do sistema
social local, do que aquelas.
A produção,
transporte e comercialização de açaí é uma atividade econômica e social
regional que requisita atenção especial do poder público. As instituições
oficiais correntemente divulgam ações tais como: linhas de financiamento e
crédito específicas, programas de qualificação da força de trabalho, cursos de
higiene no manuseio do produto, dentre outras.
Entretanto, o
que se observa é a pouca efetividades dessas políticas. O retrato das
atividades tradicionais é de grande precariedade, dificultando o
aperfeiçoamento do desempenho empresarial, a saúde dos trabalhadores, bem como
dos consumidores finais.
O Pará, por
exemplo, atravessa um surto da doença de Chagas provocado pelo consumo de açaí
preparado inadequadamente, isto é, sem os cuidados básicos com a higiene do
produto.
Notícias como
essa precisam conduzir o poder público a refletir sobre a pouca efetividade de
suas ações e propor medidas mais aproximadas da realidade dos integrantes da
cadeia produtiva, principalmente pelo fato de se tratar de uma atividade de
grande importância para a sociedade regional, conforme destacado, além da
perspectiva de repercussão negativa no mercado nacional e internacional,
comprometendo o elo da cadeia produtiva voltado para as vendas externas.
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