As alagações não são novidades na Amazônia. E no Acre temos notícia de que no
passado aconteceram algumas maiores que as que se vê nos invernos da
atualidade. Uma vez eu entrevistei um idoso de Tarauacá, no vale do Juruá, e
ele contou que seus avós falavam de um dilúvio que invadiu a floresta
assustando até os macacos. Estes, coitados, são sempre lembrados nas tragédias
que viram piada. No tempo da malária braba, se dizia que eles trocavam um cacho
de banana por um comprimido de Aralem na fronteira com a Bolívia. Imagino que nas
inundações preferem sacos encauchados.
O problema é que hoje tem mais gente a ser acudida nas áreas
urbanas e isso agita os segmentos políticos, a mídia e, claro, as famílias
socialmente desarrumadas que moram nos bairros atingidos. Tanto que já contamos
com alguns “bruxos” fazendo previsões e manchetes que ignoram os macacos. Um
deles é o doutor professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), David
Friale, especialista em climas que acerta nas previsões de chuvas, temporais e
friagens.
Mais recentemente um outro professor, o Reginâmio Bonifácio
de Lima, licenciado em história e doutor em Teologia apareceu com previsões nem
tanto científicas quanto as do Friale, mas que em 2008, contrariando as
previsões oficiais, alertou que as águas subiriam muito em 2009 e acertou:
1.500 famílias tiveram que abandonar suas casas naquele ano.
Da mesma forma, contrariando as expectativas, ele descartou
alagação em 2013, mas advertiu que em 2014 o aguaceiro poderia atingir 60% da
capital.
Reginâmio, 32 anos, acreano de Rio Branco, é especialista em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia e atua como pesquisador e
policial na diretoria de Ensino da
Polícia Militar do Acre. Também lidera o “Grupo de Pesquisa Sobre Terras e
Gentes: Amazônia em Foco, que publica livros na área de história e estudos
culturais, entre os quais “Memórias de Velhos”.
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Rio Madeira, foto de Sérgio Vale |
Nas suas fontes “confiáveis” estão os velhinhos da floresta.
Essa turma tem entre 90 ou cem anos de idade e sabe coisas “do Acre da velha” que
beiram a precisão. Eles sabem que quando as formigas ficam agitadas na floresta
é sinal de muita água. E que os jabutis tratam com antecedência de subir os
barrancos mais altos quando o inverno vem com força. Os mais sofisticados se
guiam pelas safras de manga e outros frutos: se são grandes num ano, tem alagação
no outro.
As previsões para 2014, entretanto, oferecem elementos novos
que, certamente, as formigas e os jabutis desconhecem. A Organização das Nações
Unidas divulgou ano passado que o aquecimento global
até o final do século 21 será “provavelmente superior” a 2 graus, superando o
limite considerado seguro pelos especialistas. E que até 2100 o nível do mar
deve aumentar perigosamente de 45 a 82 centímetros; e o gelo do Ártico poderá
diminuir até 94% durante o verão local. Isso
pode significar que também o gelo dos Andes derreta em nossa proximidade,
gerando enchentes capazes de encobrir cidades amazônicas como Manaus, Belém e
Macapá, para citar somente capitais.
Mas isso são previsões remotas,
ainda, e quem sou eu pra me arvorar a “bruxo” e sair assustando as pessoas! De
qualquer modo, é novidade que fortes chuvas nas cabeceiras do Rio Madre de
Dios, no Peru, estejam influindo na
alagação do Rio Madeira em Rondônia. Tanto que a BR-364 foi interrompida e o
Acre permanece sem contato terrestre com o mundo, sem gasolina etc.